[03] Problemas de família.

607 114 31
                                    

Durante aquele curto recesso escolar, eu tive outro amigo que não fosse o Jeongguk, e era bom pra caramba passar o fim de tarde conversando com Yoongi Min por entre as nossas janelas e, mais tarde, no mesmo dia, por e-mails — inclusive, fugi do meu quarto de madrugada para que eu pudesse continuar a respondê-lo.

Normalmente, meu hyung e eu conversávamos logo ao entardecer, quando o Sol estava quase dando espaço para as estrelas menores, e ficávamos lá até a hora do jantar. Sentia-me tão bem com ele, de um jeito que nunca tinha me sentido antes.

Mas aconteceu que, no começo da madrugada de quinta para a sexta, quando eu estava quase dormindo depois de olhar o desenho animado da Liga da Justiça, eu ouvi um barulho vindo da casa ao lado como se algo estivesse quebrando — coisa que não era tão incomum, visto que a mãe de Yoongi e o seu marido viviam discutindo.

A questão é que a senhora Min não estava em casa, e a voz estridente do suposto patriarca da família estava sendo usada para com o calula, Siwon.

Ao que pude ouvir, o garotinho devia ter quebrado um copo sem querer. Eu podia ouvi-lo chorar, e nisso também escutava o Quelvin lhe mandando calar a boca e juntar os cacos do chão.

Saltei da cama e abri minha janela, pensando seriamente em pular. De súbito, porém, Yoongi fez o mesmo e, talvez assustado comigo ali, parou por um instante, me encarando no breu da noite.

— O que tá fazendo? — perguntou. Pelas rápidas observações que fiz, ele estava irritado. Eu sabia que não era comigo, e também sabia que, provavelmente, ele ia descontar a raiva no primeiro que surgisse em seu caminho, este que, no caso, era eu.

— Bem... — Engoli em seco. O que caralho eu planejava fazer depois de pular?

— Ah, foda-se também. — Yoongi saltou, aterrissando no chão um pouco violentamente. Seguiu para o lado que o guiava até a porta da frente de casa sem me dizer mais nenhuma palavra.

Ah, sim. Ele tinha sido trancado no quarto hoje, estava de castigo, mas não quis me dizer o porquê. Mais uma discussão com o padrasto, suponho.

Foi bem fácil identificar quando Yoongi entrou na discussão, porque até os vizinhos das casas da frente saíram pra ver o que estava acontecendo. Minha mãe, inclusive, bateu na porta do meu quarto pra ver se eu ainda estava lá, e não com meu novo amigo.

— O que está acontecendo? — ela me perguntou, assustada. — Entrou alguém lá?

— Não. — Respondi. — É apenas uma discussão um pouco mais pesada entre um padrasto e seu “filho” de dezoito anos que está defendendo o caçula.

— Ah. — Olhou pela janela, seus instintos maternos estavam à flor da pele. Minha mãe sempre foi muito protetora. — Acho que eu deveria ligar para a polícia...

— É uma boa ideia. — Falei baixinho, quase sussurrando, quando, do nada, se ouviu um estalo. Siwon parou de chorar, tudo ficou em silêncio. — Mãe, chama a polícia mesmo, por favor! — Corri para a janela, tentando ver o que estava acontecendo.

— Vou ligar, não saia do quarto! — alertou, já correndo para a sala, onde ficava o telefone residencial.

As vozes dos vizinhos estavam mais fortes, e, quando espiei na direção da rua, vi que ela estava lotada na nossa fachada, e essa foi a minha deixa. Cuidadosamente, pulei pro lado de fora, procurando por Jeongguk.

Sempre havia uma patrulha fazendo ronda de madrugada no nosso bairro, então, uns cinco minutos depois que minha mãe telefonou, já pude escutar as sirenes dos carros da polícia.

— Ei. — Levei um susto quando senti a mão de alguém no meu ombro, suspirando aliviado ao ver o Jeon. — Caralho, Jimin, que merda tá acontecendo lá dentro?

— Jeongguk, olha a boca! — seu pai lhe corrigiu, mas este só revirou os olhos.

Não respondi. Imagino que Yoongi não ficaria muito confortável se eu contasse sobre seus problemas familiares pra todo mundo.

Quando os policiais bateram na porta da residência, eu involuntariamente agarrei o braço do Jeongguk. Sentia um nervosismo descomunal me atingir, fazendo meu coração bater muito rápido.

— Calma, Jimin, vai dar tudo certo. — Era bom tê-lo ali naquele momento.

— Espero que esteja certo. — Suspirei, o apertando mais.

Siwon foi quem abriu a porta, as mãos estavam avermelhadas. Sangue, a criança tinha sangue nas mãos. Estava com o rosto visivelmente inchado de tanto chorar, e ainda tinham lágrimas escorrendo. Os policiais entraram na casa após trocar algumas palavras com o garoto, e todos ficamos tensos, observando Siwon ali, sozinho.

Eu mal conhecia o garoto, só tinha visto brincando algumas vezes na rua e conversamos um dia — ia jogar fora alguns brinquedos antigos da Marvel, porque já não tinha mais espaço no meu quarto pra eles, mas Siwon os quis —, mas, naquele momento, eu optei por fingir que já éramos muito próximos.

— Oi, Siwonie. — Me soltei de Jeongguk e, com toda a calma que tinha em mim, entrei no jardim da casa alheia. Andei até ele e me agachei diante da criança, que tentava fortemente engolir o choro. — Você se lembra de mim, certo? Sou amigo do seu irmão.

— Uhum. — Ele balançou a cabeça positivamente.

— Tudo bem, se acalme. — Eu próprio respirei fundo. Sabia o básico do que fazer nesses momentos, e achei que poderia usar os meus conhecimentos com ele. — Inspire bastante ar, encha os pulmões, e depois solte pela boca. — Gesticulei com as mãos enquanto fazia o que fora dito, e ele imitava, nervoso. Fizemos isto até sua respiração se estabilizar um pouco. — Ok, agora vamos nos afastar daqui, sim?

Ele abriu os braços, indicando que queria colo. Sorri leve, tentando passar confiança a ele, e o ergui em meus braços, voltando até perto de Jeongguk. Siwon deitou a cabeça por cima de meu ombro, e aproveitei a situação para analisar as suas mãos. Haviam cacos de vidro em seus dedos, e eu não fazia ideia de como aquela criança conseguia se manter tão firme. Eu já teria desmaiado.

— Estão demorando demais. — Jeongguk sussurrou pra mim, de braços cruzados.

Neste exato momento, o padrasto de Yoongi saiu algemado de dentro de casa, e o motivo do estalo que ouvimos antes estava em seu rosto: um tapa, bem forte pelo visto, já que a mão estava perfeitamente desenhada em tons vermelhos na sua face. Yoongi veio logo atrás, e foi visível o quão aliviado ele ficou ao ver Siwon em meus braços.

— Vamos chamar uma ambulância e levar o seu irmão ao hospital. — O policial que andava ao lado do Min explicava a ele. — Você devia descansar, garoto. Fez muito por hoje.

— Com licença. — Me intrometi na conversa, sussurrando para Siwon que o irmão dele estava bem, e o garoto sorriu no mesmo instante, encarando o mais velho. — Yoongi, você e Siwon poderiam ficar na minha casa até sua mãe voltar. É até melhor, já que os meus pais são médicos e podem ajudar a cuidar do tratamento que o Wonie muito provavelmente vai ter de fazer.

— Ele está certo. — O policial afirmou.

— Por mim, tudo bem. — Uma lágrima silenciosa correu pelo rosto de Yoongi quando ele passou a mão pelo rosto de Siwon, que continuava sorridente apesar das mãozinhas machucadas.

Naquele momento, percebi que meu vizinho era realmente um boneco de porcelana. Mas também era muito resistente.

yellow list | yoonminOnde histórias criam vida. Descubra agora