Capítulo 1

415 31 4
                                    

IMPORTANTE: Eu reescrevi essa história e estou repostando, mores. Se vocês já leram essa parte, releiam, por favor, e me perdoem pelo incômodo. É a quarentena :)

...

Passava das vinte e duas horas quando Alison saiu do trabalho. Aquele dia tinha sido cansativo. Um movimento incomum tinha feito com que as prateleiras tivessem que ser repostas várias vezes. As ruas estavam silenciosas, embora não vazias, e as pessoas iam para suas casas com passos rápidos e ombros caídos. Nesse horário, todo o comércio estava fechado, e o silêncio era obrigatório. Não se podia ficar muito tempo na rua depois do fechamento do comércio; quem desobedecia à essa regra corria o risco de passar uma temporada na prisão e ficar marcado para sempre.

O prédio onde Alison morava era uma antiga mansão que tinha sido modificada para se tornar uma "colmeia", um tipo de imóvel residencial para operários. Por ser de outro tempo, construído com outra finalidade, o prédio ostentava detalhes que as novas construções destinadas ao aluguel de baixo custo não tinham: grandes janelas, para quem tinha o privilégio de locar os apartamentos da frente, banheiros grandes e paredes altas. O piso era de granito polido em grandes placas, e nas áreas íntimas, menos gastas, ainda estava perfeito. Ele fazia fronteira com a sede do Banco Nacional, uma construção robusta de mais de duzentos anos, e isso conferia segurança e certo prestígio ao local. E ficava perto da área de comércio, ao contrário dos demais conjuntos residenciais. Poder caminhar até o trabalho, dormir em sua própria cama e fazer compras quando quisesse era um privilégio que nenhum de seus colegas tinha.

Outra coisa animava os dias de Alison: os bilhetes carinhosos que ele recebia de uma pessoa desconhecida. Pelo menos duas vezes por semana, os bilhetes apareciam no seu nicho, no armário da loja, e quando ele respondia, o papel desaparecia. E aparecia de novo. No começo, dois meses antes, ele tinha desdenhado, pensado que era brincadeira, invasão de privacidade, mas depois, passou a gostar. "Oi, gostei de você". Tinha começado assim. "Coisa besta", ele pensou na ocasião. Jogou o papelzinho fora. Arrependeu-se, dias depois, quando o décimo bilhete apareceu. Respondeu-o e esperou pela resposta, que chegou no dia seguinte. "Oi, lindo. Um dia você vai me conhecer pessoalmente".

Quem quer que escrevia os bilhetinhos, conhecia bem a sua rotina. Que horas chegava, onde guardava suas coisas, onde morava. Isso era excitante e um pouco assustador. Mais excitante que assustador. Às vezes, Alison se pegava olhando um colega mais próximo, um cliente mais assíduo no mercado, um morador dos prédios próximos. Qual deles seria? Ainda esperava que não fosse um colega de trabalho disposto a fazer troça pelo fato de ele não se interessar pelas garotas. De qualquer forma, o bilhete não tinha vindo nessa noite, e ele tinha ficado levemente frustrado. Era quinta-feira, e nas quintas-feiras anteriores... Bem, era cedo demais para se preocupar. Talvez o remetente apenas tivesse tido um contratempo.

Como milhares de pessoas que chegavam à Sarai embusca de uma vida melhor, Alison não tinha família. Seus familiares tinham seguido à risca leis injustas e quase acabado com sua vida. Ele tinha chegado à cidade clandestinamente, sem casa ou trabalho, e se tornado alvo de caça das autoridades. A lei de combate à vagabundagem não permitia moradores de rua, vendedores ambulantes não cadastrados e outros subempregos, e os empregadores exigiam documentos e referências que a maioria dos jovens em sua condição não tinha, mas Alison, com a ajuda de uma amiga, tinha conseguido driblar as dificuldades e conseguido um emprego formal numa loja de departamentos. Seu apartamento, alugado havia três meses, era sua grande conquista. Ele gostava de ficar sozinho e de manter seus hábitos de interiorano, coisa que não era possível se continuasse a viver em repúblicas e albergues.

Apesar de estratégico, o imóvel de três andares onde Alison morava não estava totalmente locado, e seus moradores eram ainda mais silenciosos do que os que passavam pelas ruas. "Parece uma casa de repouso" pensou ele, ao ver a fachada de mármore manchado, sombria àquela hora da noite, destacar-se devido a um poste de luz amarela bem em frente. "Chega a dar arrepios".

O rei está morto (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora