Capítulo 4

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Alison era um rapaz sossegado. Não gostava de festas ou confusões. Gostava de ficar sozinho, de ler livros antigos e de cozinhar. E o lugar onde estava vivendo era o contrário de tudo o que ele queria. O albergue era uma antiga quadra de esportes onde viviam centenas de pessoas, a maioria jovens afastados da sociedade por pequenos crimes contra a ordem e contra a família. Toda noite tinha festa e confusão, a cozinha era comunitária e não se tinha sossego para ler. O único lugar onde se podia ficar sozinho era o sanitário, mas a falta de higiene impedia que ele aproveitasse o momento. Não havia quartos, só divisórias feitas com cobertas e cortinas de cetim velhas, então a privacidade era rara. Sua sorte era ser amigo de Dona, uma autoridade local. Dona tinha uma cama razoável e seu próprio cercado, então Alison podia dormir com certo conforto.

Menos de uma semana depois de se mudar para o albergue, Alison foi surpreendido por Dona com um convite para sair. Eram três horas da tarde. Ela pediu que ele se banhasse e se vestisse bem, e até lhe emprestou uma camisa. Sem dar muitos detalhes pelo caminho, ela o levou até um supermercado e o mandou falar com alguém da gerência. Duas horas depois, Alison tinha um emprego.

Quando saiu pela porta dos fundos e encontrou a amiga, Alison chorou. Ela também. Ele sabia que seria difícil. Tinha sido informado que demoraria meses, até anos, até conseguir um posto de trabalho, não só pela falta deles, mas por ter uma prisão em seu currículo e todos os documentos pessoais marcados. E ter um emprego era o primeiro passo para refazer sua vida. Só precisava ser aprovado no supermercado depois de noventa dias de experiência.

...

Lorenzo se sentou num banco de madeira plástica e observou o movimento no beco. Eram oito da noite e poucos postes estavam iluminados. A maior parte da luz vinha do comércio e das residências que produziam sua própria eletricidade com painéis solares nos telhados. Os bairros periféricos da capital estavam praticamente às escuras.

— País atrasado — resmungou Lorenzo. — Cada vez mais atrasado. — Num lugar próximo, pessoas comentavam a mesma coisa.

Havia um supermercado na outra rua e seus funcionários entravam e saíam por uma porta dos fundos. Um deles chegou apressado a um carrinho que vendia lanches, a poucos metros de onde Lorenzo estava, enfiou a mão no bolso, pegou uma nota e o atendente deu-lhe um cachorro-quente e um copo. O jovem começou a comer em pé e com pressa, mas o carrinho avançou pelo beco e ele procurou um local para se abrigar. Acabou quase ao lado de Lorenzo, para quem estendeu um olhar rápido e desinteressado. Lorenzo, porém, interessou-se.

— Oi! Você vem sempre aqui? — disse, de forma galante.

O outro parou de comer e o olhou, surpreso. Não esperava que o desconhecido fosse puxar assunto.

— Sim, eu venho, mas o que...?

Lorenzo sorriu.

— É um tipo de cantada antiga. Claro que nunca funcionou.

— Ah...

— Me chamo Lorenzo. E você?

— Alison. — Ele olhou para os lados, encabulado. Era proibido conversar daquela forma no horário de trabalho, e o desconhecido era bastante desinibido.

— Quer se sentar? — Lorenzo chegou para o lado, deixando um espaço vago no banco. — Assim você come melhor.

— Eu... é... melhor não.

— Está com medo? Não tem mais ninguém aqui. Olha, todos já foram.

Alison olhou para os lados, indeciso. Por fim, se sentou ao lado de Lorenzo, mas manteve a maior distância possível.

O rei está morto (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora