Valéria se virou para encarar novamente a namorada. Com a frase anterior ecoando em sua orelha, ela não tinha certeza se tinha escutado direito e nem por quanto tempo mais ia poder chamá-la de namorada.
"É uma história longa, mas eu preciso que você me deixe explicar. Por favor, eu-"
"Você tem uma hora e meia pra pensar numa história muito boa e envolvente enquanto eu tenho uma reunião importantíssima. Me espera na minha sala." A empresária nunca havia falado tão sério antes e não se arrependia. Apesar da gravidade da recente informação, ela alocou aquele dado em algum lugar de seu cérebro que não iria usar enquanto lidava com os quatro empresários irritados na sua sala de reunião. Sua equipe de dois funcionários, um de cada departamento de vendas e de relações públicas, quase não foi necessária. Do momento que Valéria entrou naquela sala, a raiva que sentia se transformou em combustível para levar aquela conferência. Seu cabelo ruivo dividido milimetricamente ao meio, o batom vermelho realçado por sua pele branca e o terno vermelho combinando com a sandália preta de salto quadrado envernizado só aperfeiçoavam a imagem que Valéria queria passar. Ela era um tubarão aquela noite, um predador ansioso para fechar contrato, mandar aqueles homens irritados que não conseguiam nem cuidar de si mesmos, muito menos levar uma empresa e uma família nas costas e não entendiam o pedido da mulher pelo adiamento, e por fim, resolver a questão judicial na qual estava atolada até o pescoço. Não deixou nenhuma brecha em seu plano, quando os acionistas viam com uma pergunta, ela já estava respondendo três mais.
Talvez pelo medo que tivesse implicado tanto em seus funcionários quanto nos engravatados, o contrato foi assinado e eles entrariam em maiores detalhes no dia seguinte, quando os homens entrariam em contato direto com a chefe do departamento de vendas. Os quatro franceses se despediram em meio à elogios para a ruiva e foram embora rapidamente, como ratinhos fugindo da leoa que os encarava com cara de poucos amigos. Valéria dispensou seus funcionários avisando que fecharia tudo sozinha, mais tarde porque ainda tinha coisas para resolver. Ela trancou a sala atrás de si e caminhou para a única sala além do saguão que estava acesa.
"Já escolheu em qual livro vai se inspirar?" Ela entrou e tomou seu lugar na cadeira giratória atrás de sua mesa, sua pose de mandachuva que vestira para a reunião ainda não tinha ido embora. Camila estava sentada em uma das cadeiras em frente da mesa e suas mãos tremiam, os olhos estavam vermelhos.
"Val, por favor, não fala assim..." Só um fio de voz saiu pela boca da psicóloga.
"Fala."
A morena tomou fôlego duas vezes. Da primeira vez, sua voz simplesmente não saiu. Da segunda vez, demorou um pouco, mas as palavras começaram a sair.
"Depois que nos encontramos naquela noite, eu comecei a me apegar no caso. Não estava enviesando o meu procedimento, mas eu estava mais do que disposta à ajudar você a ficar com a Lorena. O certo à se fazer era eu te encaminhar pra outro psicólogo mesmo assim. Fiquei na dúvida, porque no mesmo momento que isso acontecia, que eu- que eu entrava em conflito interno com o juramento que eu fiz na minha graduação como profissional, eu ouvia da sua filha que ela queria muito ficar com o seu ex-marido e parecia que ela estava disposta à isso. Eu comecei a desconfiar disso, era um comportamento bem estranho, sendo que ela se dava tão bem com você. Ele estava fazendo a cabeça dela e eu só percebi isso há pouco tempo. De qualquer forma, eu fui até o meu ex-professor e mentor da faculdade, um grande amigo, pra pedir ajuda, ouvir o que ele tinha para falar e me ajudar a me resolver. Ele me disse mais do que eu já sabia, que eu devia encaminhá-la para algum outro profissional se eu quisesse continuar me envolvendo com você. E eu queria. Eu disse à ele então que ia passar o caso pra ele. E ele aceitou. Quando saí de lá, alguma coisa me baqueou, fez um click na minha cabeça... Se eu passasse o caso, o laudo logo pra ele, ele não ia ter tempo de examiná-la, compreender a situação à tempo de fazer um laudo que pudesse ganhar tempo pra vocês. Eu sabia o que a Lorena ia dizer no tribunal e eu não te contei porque eu sabia que isso ia te derrubar, e eu sabia o que eu deveria falar no laudo, mesmo que não fosse uma mentira, eu sabia como tinha que ser escrito. Mas, se alguém descobrisse que nos envolvemos, isso ia colocar em risco a audiência, seu caso, enfim, tudo o que está acontecendo agora. Então eu falsifiquei o laudo. Eu assinei como se fosse o meu professor, porque ele me ensinou a assinatura dele na faculdade, enquanto eu corrigia as provas dos calouros durante meu período de monitora. Ia tudo ficar bem, na minha cabeça. Porque ninguém ia saber disso, a juíza deu o tempo à mais, eu ia conseguir entender melhor o que o seu ex-marido estava fazendo e onde a sua filha pretendia chegar com a linha de raciocínio que ela estava me mostrando. Talvez a gente nem ficasse juntas. Mas a gente ficou. E o meu professor se aposentou, o registro profissional dele foi inativado, eu passei o caso para o meu colega, mas foi muito tarde. Alguém descobriu isso e entrou com o pedido de reavaliação do caso, a juíza considerou e eu posso ser presa e te prejudicar por isso. A minha intenção foi só de ajudar. Eu juro, Val. Eu juro. Eu não imaginei que eu ia gostar de você, não imaginei que eu pudesse fazer isso, passar por cima do meu eu profissional só porque me apeguei à um caso, mas eu fiz e eu sou uma burra e eu só peço desculpas."
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She keeps me warm
Hayran KurguValéria Monteiro é uma mulher poderosa, dona da maior rede de seguros do Brasil, mãe de Lorena, uma garotinha muito amável. Quando Valéria passa por uma separação difícil com seu ex-marido, a empresária fica preocupada com o desempenho de sua filha...