Capítulo 4

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Você conhece suas companhias?

- Sim, tem razão, te devo uma explicação - Kate ficou absorta em seus pensamentos e deu um longo suspiro - é uma longa história.

- Temos tempo - disse Gael sentando-se na cadeira próximo a uma mesa de canto ao lado da cama.

Kate se ajeitou na beirada da cama, alisando as pregas do vestido, pensando em como começaria a contar sua história.

- Aquele homem que eu roubei tem uma filha, uma filha que ele não quis assumir. Eu me compadeci, como sempre fiz em minha vida, e decidi furtar o relógio de bolso dele para poder dar à sua filha, visto que ele se recusa a dar algo a ela ou ajudá-la de qualquer forma. A mãe da criança não resistiu ao parto e deixou a menina para ser criada pela avó. - Kate fez uma pausa intencional, olhando absorta para a cortina - Elas moram perto de onde vivo e é muito triste olhar para os olhos daquela criança, sem futuro, fadada ao meio em que nasceu.

- História comovente, você é então Robin Hood, a salvadora dos órfãos e bastardos.

- Para você ver, gosto de ajudar os outros sempre que posso.

- Ajudar os outros furtando? Não é uma ação muito nobre, não acha?

Kate deu de ombros.

- Ajudo como posso, infelizmente não tenho condições de dar àquela menina das minhas provisões.

- Hum, sei.

- O que quer dizer com isso?

- Me desculpe, mas não acredito em uma palavra que me falou até agora.

Kate começou a rir, e a risada cresceu até um gargalhar, se curvando para trás para rir ainda mais alto. Gael apenas ficou olhando para ela, não estava surpreso pela sua risada repentina, sabia que aqueles olhos inteligentes calculavam e analisavam tudo em sua volta, e que não estava apenas sendo uma alma caridosa. Enquanto Kate enxugava uma lágrima e recuperava o fôlego, disse:

- Uma pena, estava realmente utilizando todo meu conhecimento em dramaturgia. Talvez eu precise estudar teatro.

- Desgraçada, é uma ladra das mais qualificadas e eu ainda a ajudei a fugir.

- Homem sábio que foi - disse dando de ombros tirando a carteira dele de seu bolso do vestido - e precisa cuidar de seus pertences, podem ser facilmente perdidos.

- Mas o que...? - disse arrancando a carteira das mãos dela - se ousar roubar mais alguma coisa minha, te levo arrastada até a polícia!

- Para você ser preso comigo? Não seria tão ruim assim. - disse com um sorriso enviesado - Mas toda essa fuga teria servido para nada, não acha?

- Pois se fosse para ver você presa, até que não é má ideia.

Kate pegou uma maçã que tinha na mesa e deu uma mordida, voltou a se sentar na cama, falando ainda com a boca cheia:

- Fique à vontade.

Houve um silêncio, Gael abriu a carteira antes de guardá-la:

- Katerina, onde está o dinheiro que estava nesta carteira?

Kate deu mais um sorriso e tirou o dinheiro dobrado de dentro do vestido, em seu busto e entregou a Gael.

- Vai me arrastar até a polícia agora?

Gael respirou fundo, se levantou dando um murro na mesa.

- Droga... droga, droga, droga! - queria se distanciar dela, poder pensar em um plano, mas aquela maldita algema o impedia. Respirando fundo mais uma vez, massageando a têmpora com os dedos, disse em um tom de voz controlado - poderíamos ir dormir? Amanhã precisamos pensar em algum plano, principalmente como podemos nos livrar dessa maldita algema e seguir nossos caminhos bem longe um do outro.

- Claro - disse Kate dando de ombros e um sorriso no rosto, achando graça na forma como Gael controlava sua raiva. Ela não estava preocupada, afinal essa não era de longe a pior situação na qual se encontrara. Já havia sido presa algumas vezes, fugiu em quase todas, em outras foi solta utilizando de sua lábia e charme. Já passou fome, frio, sem ter a quem recorrer e para onde ir, mas agora? Agora estava até cômoda, não estava em má companhia, e seu companheiro tinha motivação para fugir tanto quanto ela, o que a ajudava a pensar em planos e ela não passaria esse tempo sozinha, algo que não gostava e que era frequente em sua vida, depois que perdeu a mãe e a nova dona da Casa Madame Bovary a expulsou de lá, por não querer trabalhar para ela. Ela poderia ser uma ladra, mas não seria prostituta se vendendo para nobres nojentos, tinha seu orgulho próprio. E no fim, roubar mostrou-se lucrativo, permitindo Kate viver com certas condições de vida, melhores que jamais tinha tido. Precisava apenas se livrar da algema e de um lugar para ficar até a poeira baixar. Assim, poderia voltar a sua rotina normalmente e nunca mais ver o arrebatador Sr. Gael, seja lá quem ele fosse de verdade. Kate tinha suas suspeitas de que ele não era exatamente quem aparentava, podia se vestir de forma simples, mas tinha modos nada simples, Kate conhecia bem pessoas de diversas classes, e Gael parecia desencaixado na classe em que queria transparecer. Se ele fosse um nobre, como ela suspeitava, Kate faria questão de roubá-lo também, sem devoluções dessa vez.

Gael não conseguiu dormir, ele suspeitava que isso iria acontecer, afinal, quem consegue dormir sabendo que é fugitivo da prisão, algemado ao lado de uma delinquente, uma delinquente muito atraente, por sinal. A mulher deitada a seu lado, que dormia profundamente, como se tivesse passado o dia passeando no parque com cachorros de estimação, o tirava do sério. Teve a audácia de roubá-lo só para provar do que era capaz e para certamente irritá-lo. Onde ele estava com a cabeça quando teve a brilhante ideia de fugir com ela, certamente com a cabeça nela, em seus cabelos negros que agora se espalhavam no travesseiro, em seus olhos astutos e sua boca que suspirava a cada respiração de seu sono profundo. Gael se virou para o outro lado para evitar ficar olhando para ela, precisava pensar com clareza. Ainda ele, que se considerava tão racional, não tinha conseguido pensar com clareza até aquele momento. Estava no meio de uma estrada secundária, pelo seus cálculos, estavam na metade do caminho que levava a Dundrod, onde poderiam achar um ferreiro para quebrar a algema e assim, Gael poderia encontrar um local para se esconder até a situação se acalmar, se corresponder com Ronan para que ele descubra se ele foi identificado e se precisaria se apresentar à polícia com o auxílio de seu amigo advogado e tentar esclarecer as coisas, afinal, era um homem poderoso e isso tinha suas vantagens. Envolto em seus pensamentos, Gael adormeceu e sonhou com uma ladra dos olhos azuis.

Uma Ladra Bastarda [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora