Capítulo 14

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"Amar é admirar com o coração. Admirar é amar com o cérebro." Théophile Gautier

Após um longo banho, Kate se permitiu dormir a tarde toda e foi acordada quando uma das camareiras da casa entrou em seu quarto. Vendo que havia acordado, informou que a ajudaria a se arrumar para o jantar. A mulher se apresentou como Katherine, e que dali em diante seria sua dama de companhia, e a ajudou a se vestir com um vestido coral e sapatos brancos que combinavam com detalhes bordados da gola e barra do vestido. Fez um penteado, prendendo seu cabelo no alto da cabeça, de forma simples, porém que valorizavam seu rosto. Trouxe algumas joias azul cobalto, emprestadas da Sra. Vanessa que combinaram com seus olhos. Kate se olhou no espelho e se sentiu linda, se lembrando que a única vez que havia se sentido assim, tinha sido em seu casamento. Respirou fundo para não chorar e desceu em direção a sala de jantar.

- Nossa, está linda Katerina, tão parecida com seu pai. Mas os olhos são de sua mãe, sem dúvida. Essas joias ficaram lindas em você, combinaram com seus olhos, pode ficar, é meu presente.

Kate segurou o colar. Nunca havia tido algo tão valioso em mãos que não fosse roubado.

- Obrigada. – Disse ainda se sentindo estranha com tudo aquilo.

As duas jantaram e conversaram sobre amenidades, sabendo que havia uma conversa mais importante por vir. Vanessa contou sobre sua vida, sua rotina e o quanto apreciava sua independência, e que sempre que podia, ficava naquela casa em Crumlin, mas que também tinha uma casa na cidade, que ia no inverno, em geral, para ir a festas e óperas, que gostava particularmente. Terminando o jantar, se dirigiram a sala de estar, a que haviam tomado chá naquele início de tarde, e se sentaram de frente uma à outra.

Vanessa fez um sinal ao mordomo que assentiu e saiu da sala.

- Bom, querida, fico feliz que tenha descansado. Pedi ao Charles que buscasse algo, ele logo vem.

Alguns minutos depois, o mordomo entrou com uma pasta em mãos e entregou à Vanessa.

- Katerina, seu pai me deixou com este documento para ser entregue a você. É parte de seu testamento, direcionado a você. E também deixou uma carta. Eu não sabia que ele... – Vanessa pigarreou escondendo a emoção na voz – que ele iria... partir desse mundo. Achei que ele estava apenas sendo organizado e deixando tudo pronto para quando um dia fosse necessário. Como eu disse, sinto muito pela demora em ir vê-la, era para te entregar isso.

Vanessa entregou a pasta à Kate que abriu para ler. Não pode evitar seu coração muito acelerado, pois nunca pode imaginar que seu pai havia deixado um testamento em seu nome.

- Ele deixou metade de tudo o que era seu, dividiu entre nós duas. As propriedades no campo, na cidade, as indústrias... Tudo isso é meu e seu, Katerina.

Kate respirou fundo, era difícil de acreditar naquilo, ainda que conseguia ler no documento. Folheou os papeis da pasta e viu uma carta dobrada e selada, direcionada a ela.

- Se preferir, posso deixá-la para que possa ler com privacidade.

- Obrigada, mas prefiro ir ao meu quarto.

- Claro.

- Eu não fazia ideia...

- Eu sei, sinto muito mesmo.

- Você não se importa, porque me contou? Poderia ter tudo isso para si. – Era difícil de Kate acreditar.

- Querida, eu já tinha muito dinheiro quando me casei com seu pai, não preciso de mais, nem sei o que fazer com tudo o que tenho. Não tenho ninguém com quem compartilhar, não tenho filhos a quem deixar tudo isso. Tenho uma vida confortável, mas tenho muito mais do que preciso. Como eu disse, seu pai sempre me contou sobre você, a amava de verdade, e fico feliz por fazer isso por ele, é seu e não meu, e não quero nada que não seja meu.

Kate se levantou, agradeceu e saiu em direção ao seu quarto para poder ler a carta, estava muito difícil segurar as emoções. Ela não estava mais sozinha, ela não precisava mais roubar, agora ela também era abastada e tudo aquilo não parecia fazer sentido, parecia ser tudo mentira. Lentamente, Kate fechou a porta de seu quarto e escorada nela, desceu até o chão, segurando a carta em mãos. Ao abrir o selo, percebeu que estava tremendo.

Minha filha amada,

Se recebeste esta carta, duas coisas aconteceram. A primeira é que eu parti dessa vida, e sinto muito se a fiz sofrer minha perda, saiba que nunca quis magoá-la, senão te fazer feliz enquanto pude. Sinto muito não ter sido o pai ideal, não ter podido assumir você e sua mãe. Infelizmente a sociedade dita regras que não controlo, mas saiba que a amo muito, e isso nunca ninguém pôde tirar de mim. A segunda é que teve a oportunidade de conhecer Vanessa, minha esposa. Nos casamos por conveniência, sempre amei sua mãe, você sabe bem. Mas precisava fazer isso e, pelo menos escolhi alguém muito amável, e sensata. Pode confiar nela, ela a ama de verdade e eu confio nela plenamente. Deixo tudo a vocês duas, e espero que possa pelo menos em pouco, compensar o que não pude te dar até agora. Faça o uso que preferir. Desejo toda felicidade a você, querida filha, e que possa um dia me perdoar.

De seu pai,

John O'Brien

Kate chorou copiosamente, sentiu muitas saudades do pai, e ao ler aquela carta, era como se ele estivesse ali, dizendo ele mesmo aquelas palavras. O luto ainda era uma ferida aberta no peito de Kate, que não havia cicatrizado, pois Kate nunca havia se recuperado da solidão que sentiu depois que seus pais se foram. Não até aquele momento, ela percebeu, ela havia conhecido Gael, e agora sua madrasta. Ponderou o quanto estava pronta para se deixar ser amada, confiar nela. Seu pai mesmo disse que ela era confiável, e nele ela acreditava totalmente. Depois que o choro passou, foi ao banheiro, lavou o rosto e se ajeitou para dormir. Daria uma chance, aquele voto de confiança inicial que uma vez Gael comentou que poderia ter entre duas pessoas.

Os dias seguintes foram passando rapidamente e Kate aos poucos foi se deixando apreciar a companhia de sua madrasta, que sempre estava de bom humor e disposta a animá-la. Há uns dois dias, Vanessa chegou com várias sacolas cheias de roupas de bebê, dizendo que era uma mínimo que podia fazer pelo seu neto – ou neta. Kate a princípio ficou constrangida, pelos presentes e pela madrasta se considerar avó da criança, mas estava se esforçando para criar uma boa relação com a mulher, que até então só havia se mostrado uma pessoa afável.

Kate tentava esconder a saudade que sentia de Gael, o que era difícil considerando o quão estava sensível naquele período. Sempre que abaixava os olhos para sua barriga, era impossível não pensar nele. Respirava fundo e afastava qualquer sentimento, já decidida que conseguiria seguir sua vida sem ele.

Naquela manhã, Kate estava tomando café e Vanessa chegou por trás dela, repousando uma pequena caixa de madeira envernizada na mesa ao lado de seu prato. Deu a volta e se sentou na ponta da mesa.

- É para você.

Kate pegou a caixinha e abriu, revelando um relógio de bolso muito bonito, em prata com detalhes em ouro, assim como seus ponteiros que estavam parados. Kate deu um suspiro e levou a mão a boca para evitar chorar, o que não surtiu efeito, pois as lágrimas já rolavam por suas bochechas.

Malditos hormônios.

Kate continuou olhando para o relógio, que lembrava de seu pai usando. Dentro todos os acessórios, o relógio de bolso era, para ela, uma mensagem em referência a tantos outros que roubara para dar aos filhos bastardos. E agora era dela, não roubado, foi dado de presente. Kate olhou para Vanessa que a encarava em expectativa.

- Obrigada. – Levantou e foi até a madrasta para dar um abraço, que a abraçou de volta.

Se deixar ser amada novamente, Kate percebeu, não era tão ruim assim, e por algum motivo ela conseguia facilmente confiar na madrasta, revelando um futuro acolhedor.

Uma Ladra Bastarda [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora