Capítulo 4 - Fuga de casa

3 2 0
                                    


No dia seguinte, o telefone de Tarcísio toca quando ele ia sair de casa com sua esposa. Ele atende dentro do carro ainda parado:

— Alô! Sim, aqui quem fala é o Tarcísio. Então tá, foi rápido. Já estava indo aí mesmo. Pode deixar, tchau!

— Quem era, amor?

— Da polícia. Já liberaram o corpo.

***

Aquela noite foi a pior para Samuel, que se lembrava do seu pai, Marivaldo, mandando que ele protegesse seu irmão. O sonho era ao mesmo tempo real e também ficção, com algumas invenções de sua mente. No roteiro criado por seu cérebro, seu pai o preparava para sua partida, deixando tudo dentro de controle antes de desaparecer para sempre.

Seu pai lhe disse dentre outras coisas:

— Respeite e obedeça a sua mãe. Cuide da casa, seja o homem da casa quando eu não estiver mais aqui e proteja seu irmão.

— Mas eu sou jovem demais. Não estou pronto!

— Você vai aprender. Eu confio em você, não se torne igual a mim!

— Então por que o senhor não ficou com a gente? Por que nos abandonou? Para onde foi? Como eu posso te achar?

— Um dia você saberá!

Ele acordou suado e bastante agitado. Tentou virar para o lado e continuar o diálogo imaginário com seu pai, mas isso não voltou a acontecer. O trauma do acidente era maior e ele voltou a reviver toda aquela tragédia, vez após vez, até o sol nascer. Após isso, apagou e só se levantou por volta das dez e meia da manhã. Quando levantou, sem muito ânimo para fazer alguma coisa, preparou na sanduicheira dois pães com manteiga e se sentou à mesa para ouvir ao noticiário local.

Depois de algumas notícias banais, o jornalista relatou:

— Ontem à tarde na Rua Sete Portas, uma caminhonete perdeu o freio e atingiu aos pedestres, deixando alguns feridos e duas vítimas mortais: uma criança de nome João Dias e o feto de uma mulher grávida de quatro meses. O motorista, Carlos dos Anjos, prestou ajuda ás vítimas e depôs à polícia. Ele responderá a julgamento em liberdade... O sensor de óleo havia queimado e não avisou que o nível do óleo do freio estava abaixo do mínimo. O carro sofreu perda total, mas o maior dano foi para a família da vítima, que chegou a ser levada numa ambulância para o HGE, mas morreu de uma parada respiratória.

Agora o mercado financeiro: um aumento no preço do feijão já...


A informação de que a morte aconteceu dentro da ambulância foi suprimida por causa de uma lei que diz que as viaturas da SAMU não podem transportar mortos.


Após o choque com as notícias, Samuel se questiona:

— Como assim? O João morreu mesmo? Então é por isso que eles estavam tão estranhos... – pausa. — A mulher perdeu o bebê, que triste...

Samuel debruçou-se sobre a mesa e nem quis mais terminar seu café. Seu mundo havia ficado sem chão. Seu coração estilhaçado. Ele ficou tomado de fúria e começou a quebrar tudo dentro de casa, descontando sua agressividade em qualquer coisa que encontrasse. Ele pegou seu skate, chutou a porta e saiu de casa, sem saber o que fazer. Esqueceu-se de trancar a porta ou nem ligou de sequer fechá-la.

— Por que ninguém me contou, droga? Tinha que ficar sabendo pela televisão... Que raiva!

Ele batia no chão com força, impulsionando seu skate com a muleta por entre os carros, que seguiam um fluxo lento pela rua apertada. Até que se desequilibrou e caiu no asfalto. Uma moto parou bem perto do rosto dele e o motoqueiro o xingou. O garoto se sentou na beira da calçada e começou a chorar. Um senhor ia passando e viu o menino triste sentado.

Laços mais fortes que o tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora