nostalgicamente falando e pensando muito, muito mesmo à ponto de relembrar fatos passageiros, os meus pés tocam um gramado um pouco amarelado, aparentemente por causa do sol perseverante do verão tão repentino e abafado; repressivo. eu tenho sei anos e hoje é meu aniversário, e eu não sei como lembro disso direito, porque como eu disse, eu tenho seis anos. quem é que lembra de algo coerente quando se tem 6 anos de idade? eu vejo a minha mãe com as feições um pouco menos debilitadamente tristes como seriam dali dois anos, três e sete respectivamente, mas eu me sinto feliz em vê-la. de alguma maneira eu me sinto completa, o sol brilha como se não houvesse nada que ele pudesse machucar caso brilhasse forte demais, eu estou feliz o suficiente para que não seja deprimente, porque afinal, ainda assim é o meu aniversário.
oito anos (quase nove) se passaram desde então. decerto, alguma fenda dimensional se abriu no espaço tempo e me engoliu naquele dia mesmo, deixando a minha mãe, o meu cachorro felpudo e o meu gramado amarelo queimado para trás. sentada no chão da sala, não deixa de ser distopico e cafajeste relembrar do passado com tanta convicção. eu queria ter sofrido um reset mental, talvez com dez ou onze anos de idade. eu não era uma criança feliz, e bem na verdade eu nunca tive muita pretensão de ser mesmo. por outro lado, eu nunca tive o prazer de sentir a minha vida e todos os meus privilégios desmoronando sob os meus pés co no blocos de lego. eu não sentia prazer algum brincando com qualquer brinquedo que fosse, porque eu pensava o suficiente para me entediar e chorar quieta, porque eu queria que os meus brinquedos falassem comigo como amigos de verdade - coisa que eu nunca achei muita graça também, mas de fato me fazia alguma falta mesmo.
passei os seguintes anos da minha vida convicta de que eu morreria logo e torcendo para que isso acontecesse, ou para que eu me tornasse famosa para ir num talkshow falar sobre as coisas que eu gosto com alguém realmente desinteressado ouvir o que eu tenho pra falar, porque eu sinceramente já cansei de dizer que eu só quero ser ouvida e lembrada mesmo que por uma única pessoa na face da terra.
em algum momento da minha vida, eu me distanciei da minha aldeia, da minha tribo, da minha matilha ou qualquer exemplificação de vidas em conjunto que se autocompletam. eu observo a chuva torcendo para que ela não pare, suba até o quarto andar e me afogue assim do mesmo jeito em que eu estou vestida: com uma bermuda com estampa tropical, meias pretas com bolinhas brancas e a minha camiseta branca desproporcional ao tamanho do meu tronco.
eu estou entediada. raramente algo me intriga, me espanta ou arranca alguma reação além de monossílabas ou monólogos didáticos sobre a inexistência da minha existência - se eu perdesse o tato, eu continuaria não sentindo nada.
à cada dia que passa uma luz se apaga e uma outra se ascende somente por míseros segundos - logo eu arrumo alguma preocupação esfarrapada e esqueço que eu estava me sentindo minimamente bem dois segundos atrás.
e é assim que se sucedem os buracos negros existenciais e nostálgicos me engolindo dia após dia. falar de saudade também não me enche mais a barriga, eu não tenho mérito para o perdão. não tenho mérito para falar de algo diferente da saudade, da perda ou da solidão. acho que ainda dá pra perceber o vazio corroendo os meus olhos... maldito dia em que eu fui ser filha da minha mãe herdando seus olhos expressivos e brilhantes. ok, expressivos até tudo bem, mas o brilho eu realmente espero que se apague logo, aí nenhum intruso vai olhar para eles e questionar se alguém partiu meu coração.
nem tudo necessariamente vem de corações partidos. às vezes, só existe um vazio que nunca se manda embora.