𝟏𝟐𝐭𝐡 𝐚𝐜𝐭: 𝐥𝐮𝐦𝐢𝐧𝐨𝐥

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de manhã ao acordar com todas as obrigações possíveis batendo a minha porta, dando de cara com o espelho eu fico por ali mais uns 5 minutos atrasando o que poderia ser um processo mecânico, simples e que não fizesse do meu cérebro uma pequena caldeira que ferve, borbulha e queima a parte interior dos lugares mais vitalícios possíveis que a minha sanidade um dia teve coragem de se esconder. eu pergunto para o meu próprio reflexo atrasado para a aula enquanto fico estática e sem expressão com uma maçã verde recém mordida em uma das mãos, arcando com o meu próprio desdém, o porquê de eu afinal ser uma borboleta fora do casulo da seda caríssima que você teceu se as minhas asas ao invés de irreconhecivelmente azuis da cor do mar, são acinzentadas, desproporcionais, pobres e pequenas o suficiente para que eu sequer consiga levantar vôo num dia calor demais aqui na minha cidade, onde se você não tivesse me ensinado à andar de bicicleta, eu viria a sucumbir, porque eu não sei voar algo além de dois metros do asfalto borbulhante por algo menos do que dois minutos e meio. consequentemente, não me espanta que o meu reflexo diariamente responde todas as perguntas da minha genesis que deriva entre auto desconhecimento e o sentimento de afogamento que é causa e consequência da sua existência cristalizada de gelo dentro do meu freezer.

nós duas bem sabíamos que em algum momento o leão despertaria de sua cova, mesmo que morto, e espantaria todas as borboletas de sua aldeia, distanciando-as por cadeia de seu próprio bando, mas eu ainda me pergunto se você sentiria a minha falta e choraria pensando no meu rosto afogado enquanto se olha no espelho do mesmo jeitinho que eu faço manhã por manhã sempre que o meu cérebro insiste em não me dar um respaldo. meus sentimentos enfiam estacas imaculadas dentro do meu peito: sangue fresco não se dá em graça de se escorrer do corpo seco de uma borboleta sem graça como eu e pode ser tudo isso afinal tenha um motivo, depois que você tenha feito a minha caveira junto com ela, se prestando ao trabalho sujo de mãozinhas maléficas com dom para o sofrimento de que a nossa vizinhança tão adorável e respeitosa jamais se desse o trabalho de prestar nenhum socorro ao meu pobre-psicótico físico maleável e descartável do mesmo jeito que vocês duas fizeram com as duas capas de chuva que usávamos em conjunto quando o vento da península se juntava à chuva marítima, causando pequenos tsunamis por aqui e ali.

a minha melhor amiga não entende e as meninas da minha tuma também nunca nem se deram o trabalho de entender como os sentimentos petrificados que eu escondono fundo se mim e só se libertam de madrugada e é por isso que eu nunca copareço às reuniões dancentes e às festas do pijama. a sua capacidade de se plasma em cada entranha desconhecida da minha existência, sempre se prestando ao trabalho de morder pequeninos pedaços dos meus ossos que de quebrados sempre foram em maioria. era irreconhecível e além da minha compreensão como alguém poderia despejar tonalidades submersas numa banheira como do transparente para o azul e do rosa para o roxo assim que nós duas entrávamos na escaldante água da banheira da suíte dela quando ela entrava de férias e nos dava uma folguinha do sentimentalismo mascarado que nunca pertenceu à ela. as meninas da minha aula passam blush logo de manhã. eu, sequer preciso me dar ao trabalho de ir pegar minhas maquiagens na gaveta envidraçada da minha penteadeira nova, porque o meu reflexo faz todo o trabalho por mim, encostando de um jeito tão familiar no meu rosto e logo em seguida o acariciando de uma maneira bem estranha.

numa dessas minhas andanças pelos infinitos corredores do campus, eu vi ela de mãos dadas com você, fugindo circunstancialmente de todo o milimetricamente arquitetado, imune à erros e impassível de questionamentos, plano de veraneio em que eu passei horas, dias e meses tentando achar a maneira mais simples e menos dolorosa de pô-lo em prática. quem será que tocou o meu braço por trás da lacuna metálica dos corredores e sussurrou no meu ouvido que se uma decisão não fosse tomada logo, o tempo se tornaria um inimigo da minha tão estimada garotinha? o tempo estava tão frio que as suas falanges se grudavam às delas sem que houvesse debate entre largura ou tamanho: simplesmente um encaixe perfeito que se fazia mais belo quando acrescentado ao frio esplendorosamente sucessivo à uma tarde de calmaria dentro do apartamento com o aquecedor ligado, canecas de chocolate quente e um cobertorzinho envolto em cada uma de nós duas enqaunto assistimos o seu filme favorito pela décima quarta vez, me deixando perplexa e sem reação enquanto eu apreciava você repetir milhões de vezes as falas do seu personagem favorito, convicta de que mais cedo ou mais tarde eu roubaria os seus lábios para mim e que você se aconchegaria no meu colo enquanto nós duas precisávamos sequer arcar com as consequências de falar ou segredar a única coisa que a gente já saia desde o princípio, só que nunca tivemos coragem de admitir com tanta convicção: nós pertencemos uma àourra

mas ela chegou mais cedo e você nunca mais teve coragem de me mandar uma mensagem dizendo que estava com saudades de mim ou da minha boca com gosto de menta e brilho labial de abacaxi, porque você sequer teve a oportunidade de prová-la e nem eu da sua, com o comumente saboroso até para a visão, gloss de morango que nunca deixava de faltar dentro da sua nécessaire.

agora, eu circunstancialmene pergunto ao meu reflexo novamente, dessa vez sem intenção de resposta, se ela sente a sua falta tanto quanto eu senti, dilacerando cada um dos centímetros borbulhantes por debaixo da minha pele já antes queimada, o amor se esvaindo lentamente como um sopro de vida e se transformando em uma saudade avassaladora das noites onde passávamos passando café amargo na nossa cafeteira nova na cozinha bagunçadinha do nosso apartamento. mas que culpa eu tenho se sookyung não aceitou a condição de que ela fosse só minha para a eternidade?! eu sei que não é tão fácil assim mas... sabe reflexo.. será que ela, com todos aqueles dons para a criminologia ainda assim teria coragem de me conceder um mandato de busca ou já de surpresa, uma sentença saída diretamente do forno sobre algo como prisão perpétua se ela tivesse coragem de borrifar um pouquinho de luminol pelo apartamento impecavelmente branco, descobrindo que todos os rastros de sangue apontam para a minha geladeira e que a iluminação do reagente químico em contato ao sangue de sua namorada brilha tanto quanto uma árvore de natal?

boas festas, afinal!

𝖽𝖾𝖼𝖾𝗆𝖻𝖾𝗋Onde histórias criam vida. Descubra agora