Hipótese

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Ela tem uma hipótese. A hipótese -ainda não comprovada- de Everest é que todas as vezes em que você tenta relevar um problema, fingir que não existe, ele sempre volta como um fantasma do presente imperioso para lhe assombrar e lhe mostrar que está ali, não importa o quanto tente fugir dele. Neste momento, os olhos claros e atentos da loira estão sobre um casal que conversa sobre qualquer coisa. De caderno e caneta em mãos, Everest procura um lugar para sentar-se na pequena praça de Consterian. Ainda olhando o casal, Eve pôde observar que o homem toca na mulher como se ela fosse a coisa mais frágil do mundo; ela, por sua vez, tem um olhar doce e apaixonado. Era possível ver a pele da mulher brilhar; então, o homem comete um deslize: uma outra mulher passa pelo casal e os olhos do homem vão direto para a bunda dessa mulher. Everest, ao observar a cena, comprime os lábios, ergue o lápis, subsequente a isso volta a abaixá-lo. Sobre o que escreveria? Sobre como os homens podem ser safados? Esse tema é desinteressante.

Lentamente, ela volta para a casa onde está hospedada. Seus familiares ainda estão fazendo comentários tóxicos. Everest, então, senta-se na sala, o único lugar vazio da casa, mas chega sua tia mais velha. Ela tem cabelos negros cacheados, pele muito bronzeada, olhos cansados e as rugas são notórias. Eve vira os olhos levemente e cruza os braços, tem a postura perfeita. Sua tia logo fala:

-Você não pode agir como se não precisasse de ninguém da sua família.

Everest se ajeita na poltrona e descruza os braços, em seguida cruza as pernas, solta um leve bufar. Aquele tipo de conversa era desgastante.

- O fato é que eu não preciso, aprendi a viver sem vocês e sem depender de vocês. A única vez...

Ela faz uma pausa e ergue o dedo indicador no ar, continua a falar.

- Na única vez que precisei de vocês eu não tive ajuda, então não venha me dizer como eu devo agir. Pra mim, essa conversa está terminada.

Everest Elliot se levanta. Quando está prestes a sair dali, sua tia volta a falar, agora em um tom um pouco alto.

- Se não precisa, não devia ficar na casa de sua avó.

Everest respira fundo e coloca a mão no bolso da calça. Seu sonho inicial era ser uma musicista. Quando conseguiu a vaga na faculdade precisava de dinheiro para ir e à família foi a quem Eve pediu ajuda,mas recebeu um não como resposta. Desde então, ela começou a escrever e colocou sua dor em um papel. Com os simples fatos de sua vida, ela transformou sua dor em um novo mundo em que ela é capaz de tudo e a editora transformou esse mundo em dinheiro. Essa foi a saída de Eve. Ela olha pra trás e solta um sorriso.

- Estou saindo agora.

Subsequente, ela volta a andar, vai até o quarto em que suas coisas se encontram e joga tudo na mala preta de viagem. São exatamente 14h35. Eve coloca sua mala no carro e vai para o único hotel da cidade. Ao parar em frente aos grandes portões prateados, ela dá uma boa olhada no local, poderia descrevê-lo como rústico, sem muito luxo, detalhes de madeira e o cheiro que emana é como se tivesse acabado de receber cera em todos aqueles detalhes. Everest entra no local, faz sua reserva, pega o cartão de seu quarto no balcão e vai para seu aposento.

Já no silêncio do quarto, ela deita-se na cama, seus olhos estão sob o teto, o quarto até que é bonito, completamente de madeira, uma cama no canto com um criado mudo ao lado, armário embutido, um pequeno sofá com televisão no centro do quarto. Ela escuta o celular tocar, olha para a tela, era seu editor chefe. Ele:

- Minha querida, tenho uma incrível novidade, já que você não consegue escrever minhas tão amadas crônicas.

Everest levanta-se da cama, passa a língua pelos lábios.

- Tenho a leve impressão de que vou odiar isso, Thyler. Você começou sendo simpático demais.

Uma leve risada sai dos lábios dos dois.

- Diretamente, você é minha amiga, Eve, e eu a amo; todavia não posso protegê-la o tempo todo. São dois anos e nenhuma crônica, não quero demitir você, por isso vou lhe mandar para a Revista e aproveitando que está em Consterian você vai entrevistar para mim o James Lencastre, membro da família fundadora desse lugar. Preciso dessa matéria para daqui sete dias e já marquei a primeira entrevista para daqui meia hora.

A loira sente um aperto no coração. Da Revista era algo de que ela nunca desejou participar, tendo em vista que é meramente comercial e há muitas fofocas sobre os famosos. Ela interfere, rapidamente, e diz:

-Eu posso publicar, já tenho uma crônica.

Um leve bufar de Thyler é ouvido e sua voz sai um tanto quando frustrado. Ele pede:

- Pode me enviar agora?

Everest balança a cabeça negativamente como se ele pudesse vê-la e deixa as palavras saírem de seus lábios um tanto quanto envergonhada.

- Está bem, eu não tenho uma crônica agora , mas eu a terei em breve.

Ele responde logo, ainda calmo.

- Enquanto não tem a história, senhorita Elliot, você tem que ficar na Revista. Portanto, não deixe James esperando.

Antes que ela pudesse voltar a reclamar, ele desliga. Eve pragueja em sua mente, deixa o celular de lado e logo se arruma. O banho quente e aconchegante faz com que sua mente fique renovada. Ela logo coloca uma calça jeans, uma camiseta branca de botões dourados e um escarpim berinjela e sai. Seus fios loiros perfeitamente alinhados estão soltos ao vento.

Ao chegar em frente ao único prédio na cidade cujo endereço lhe foi passado, pode visualizar o luxo e o poder que emanava do lugar. Ela prende a respiração por segundos, coloca o carro no estacionamento e, assim que entra no prédio, vê pessoas correndo de um lado para o outro. Falou com a recepcionista que procurava o Senhor James Lencastre. Atenciosamente, ela foi encaminhada a uma sala, no último andar. Deixada lá, sozinha, ela olha pelas grandes janelas de vidro, fica a pensar como uma cidade feia e pequena tem aquele prédio luxuoso. O que esse James faz na vida? Uma voz firme e grossa tira Everest de seus pensamentos e, ao se virar, Eve pressente viver uma situação angustiante. O homem o qual foi boçal está bem ali em sua frente lhe cedendo uma entrevista. Um sorriso profissional e forçado surge em seus lábios finos, totalmente incapaz de esconder o que ela sente naquele instante. Ficou a observar o homem falar.

- Senhorita Everest, é um prazer imensurável voltar a vê-la. Parece que começamos com o pé esquerdo, não é?

Ele se aproxima dela estendendo-lhe a mão para um cumprimento formal e Everest faz o mesmo. Ela finalmente fala:

- É apenas trabalho, não é um recomeço.

Falou de forma mais gentil e forçada que conseguiu. Logo, o homem solta a mão dela e, sem se mostrar ofendido, puxa a cadeira para que a loira se sente. O destino, oficialmente, não está ao seu favor, se é que se pode acreditar em destino.




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