2

1K 127 16
                                    

Há tantas árvores floridas no nosso trajeto - em diversos tons de rosa, amarelo e verde - que, por alguns minutos, eu até esqueço quem me acompanha na caminhada. Quando lembro, paro de admirar a beleza dos jardins londrinos e me viro para admirar a beleza dele, incomodada por estarmos há tanto tempo em silêncio.

- Londres é linda na primavera - eu digo, repreendendo-me imediatamente pela frase tão clichê. Tento ser engraçada, então: - Não temos primavera no Rio. Só inverno e verão, ou melhor, inverno e inferno...

Jake sorri, provavelmente para ser simpático, e eu me pergunto se o trocadilho* ficou tão bom em inglês quanto o é em português. Resolvo esperar que ele reinicie a conversa.

- Então, Lynn, quantos dias mais você pretende ficar?

- Quatro.

- Por que tão pouco tempo? Imagino que a viagem seja longa - ele fala, tirando os óculos escuros e fixando aqueles olhos muito negros nos meus. Meu estômago dá um nó.

- É, sim - soo relativamente calma, mais uma vez. Obrigada, aulas de oratória! - São mais de onze horas dentro do avião, mas é a primeira vez que eu viajo sozinha e tentei não me estender muito. Cheguei há três dias.

- E o que você viu?

- Bem, eu visitei o Palácio de Buckingham, a Tower Bridge e fui de barco até Greenwich.

- Uau! Acho que você conhece Londres melhor do que eu - Jake brinca, sorrindo de novo. Bonito e bem humorado, é demais para a minha saúde mental. - E quais eram os seus planos para hoje? Antes de eu interrompê-los, obviamente.

- Além de tomar café e comer uma fatia de Battenberg cake? - Sorrio também. Não consigo parar de sorrir perto dele, prevejo cãibras no rosto em breve. - Pensei em tirar algumas fotos na London Eye**, mas eu ia de táxi e não caminhando, o que explica o tamanho dos saltos. Quanto à interrupção, foi bem vinda. Posso ir amanhã ou depois.

- Vamos juntos agora. Não é tão longe assim.

Enquanto eu processo a informação (ele quer ir comigo, puta merda!), o ator solta o meu braço e eu vejo que entramos no hotel cinco estrelas onde estou hospedada (cortesia do meu ex). Uma recepcionista loira vem nos receber com um sorriso enorme no rosto e dois cartões de acesso na mão, o que eu acho estranho até me dar conta: ele também está hospedado lá. Imaginei o porquê de ele não ter me dito.

- Seja bem vindo, senhor Williams. Aqui está a sua chave - ela fala, entregando um dos cartões a ele. Em seguida, me olha dos pés à cabeça com desprezo e praticamente atira o outro cartão em cima de mim, sem dizer nada.

Repito para mim mesma várias vezes que não me sinta ofendida pela ceninha - porque, afinal, eu não sou um ator lindo e famoso como o Jake - e, passando por ela, pergunto bem alto se ele prefere me esperar no lobby ou subir comigo. Ele responde que vai me acompanhar e a cara da mocréia praticamente derrete de tanto despeito. 1 a 0 para mim.

Entramos no elevador e eu aperto o botão do segundo andar. Ele aperta o botão da suíte, que se destaca no painel, e eu começo a imaginar o que diabos existe de tão especial na suíte para destacá-la dos outros apartamentos. Piscina privativa? Biblioteca? Sala de jantar?

Bem, para mim, o mais importante é quem vai estar lá, mais tarde. Dormindo de pijama ou, melhor ainda, sem nenhuma roupa.

O meu rosto esquenta com a imagem que se forma na minha mente e eu saio do elevador assim que ele abre, evitando olhar para Jake. Murmuro algo parecido com "desço em 5 minutos" e quase corro pelo corredor; quando entro no meu quarto, uma Aline muito vermelha me olha através do espelho.

Respiro fundo para me acalmar. Um pouco depois, já pálida como sempre, lavo o rosto, escovo bem os dentes (porque, afinal, a esperança é a última que morre), reaplico o protetor solar e o batom e me acho razoável. Além da pele muito branca, tenho cabelos e olhos castanhos, uma boca bem desenhada e peso oitenta e alguns quilos, distribuídos principalmente nos quadris, coxa e bumbum. Talvez não fosse um conjunto que costumasse chamar muito a atenção dos homens, mas, de alguma forma, tinha chamado a do Jake. Para quem passou a vida inteira se odiando e aprendeu a se gostar há pouco tempo, é bastante coisa.

Calço o tênis preto e branco confortável da Adidas que comprei para a viagem, tirando o livro de dentro da bolsa. Pego o celular e começo a escrever uma mensagem contando sobre o encontro com o Jake para o meu melhor amigo, Jorge, mas acabo desistindo. Por enquanto, vai ser o meu segredo.

Volto para o lobby implorando para o meu coração não disparar quando ver o ator de novo. É muito cansativo fingir que nada está acontecendo enquanto, no meu peito, ensaiam todas as baterias de escola de samba do Rio de Janeiro.

***

Notas da autora:
* O trocadilho de verão com inferno é compreensível em inglês (winter and hell), mas não tão interessante por não rimar como em inverno e inferno.
** A London Eye é um dos cartões postais de Londres, uma roda gigante com cabines envidraçadas e vista panorâmica de parte da cidade. Durante muito tempo foi a maior do mundo.

Inevitável (COMPLETO - SEM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora