MANFREY - O CHEF (PARTE II)

24 2 4
                                    

Outubro

Me adaptei a uma rotina confortável com Chun.

Íamos para escola de manhã, eu o ajudava com a lição de casa, cozinhava para ele, e ele ficava com a minha tia enquanto eu frequentava as aulas de Culinária. Consegui um emprego de meio período em uma padaria perto do colégio, e comecei a poupar para faculdade.

Chun sentia algumas dificuldades com o idioma novo, e não gostava de ir à escola, mas depois de algumas semanas parou de reclamar e passou a estudar mais em casa.

— Qual é o seu pedido? — Eu estava cuidando do caixa, e os clientes não paravam de chegar. A padaria estava muito quente, e o uniforme que me deram era pelo menos dois números menor.

— Eu quero um café expresso e um Croissant com manteiga. — Selecionei o pedido na tela do computador, e senti meu celular vibrar. Não era costume receber ligações, até porque eu não tinha muitos contatos nos Estados Unidos, então pedi para um colega assumir o caixa para que eu pudesse atender.

— Alô?

— Olá. Eu gostaria de falar com o responsável pelo Chun Woo Hóng? É da escola. — Uma voz masculina disse do outro lado.

— Sou eu mesmo. Pode falar. — Meu gerente perguntou porque eu tinha saído do caixa, e eu apontei para o celular, e sussurrei que era urgente. Ele me encarou, irritado, e foi para a linha de frente da padaria.

— Chun se envolveu em uma briga, e foi suspenso. O diretor quer conversar pessoalmente com o senhor.

— Certo. Estarei aí em trinta minutos. — Desliguei o celular e retirei o avental. Enquanto procurava pelo gerente para avisar que precisava sair, ouvi a conversa de dois funcionários que estavam trocando de turno.

— De quem foi a ideia de contratar aquele chinês obeso para trabalhar aqui? — Estava escrito May no crachá dela. — Ele nem cabe no uniforme. Vão precisar fazer um novo número para ele.

— Deve ser alguma cota nova pra estrangeiros. Ele mal fala a nossa língua, não dura um mês. — Respondeu uma outra voz.

— O gerente já está muito irritado com ele. Errou o pedido e foi fazer uma "ligação importante". — May fez aspas no ar. — Espero que seja o Departamento de Imigração. — May respondeu, e riu.

Respirei fundo, e atravessei o vestiário. O cara que conversava com a May me chamou.

— Ei, você pode trocar de turno comigo na quarta-feira?

— Desculpe, o que você disse? Eu não falo inglês muito bem. — Respondo, e saio da loja sem dizer nada ao gerente.

Faço o percurso rapidamente até a escola do Chun. O encontro na recepção, com um olho roxo e a camiseta rasgada.

— Ei. — Sento ao seu lado. — Porque você não me diz o que aconteceu? — Chun continua calado, então tento em chinês. — Nǐ wèishéme bù gàosù wǒ fāshēngle shénme?

— Eu briguei. — Ele responde em inglês. — Quero voltar para casa. Quero voltar pra China.

— Não diga isso. Sua casa é aqui, comigo. Porque você brigou?

— Eu não sei falar Inglês direito, e os meninos da minha turma fazem piadas comigo. Eles disseram que eu era um chinês fedido, e que eu comia cachorros. Fiquei tão irritado que bati neles.

— É por isso que você estava tentando melhorar o seu Inglês?

Ele confirma.

— Eu sinto muito. Sabe, hoje no trabalho disseram coisas horríveis ao meu respeito. As pessoas são cruéis com aquilo que elas não conhecem, porque tem medo do diferente.

Todas as versões de você.Onde histórias criam vida. Descubra agora