MANFREY - O CHEF (PARTE I)

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Julho.

Aprendi a cozinhar assistindo minha mãe. Era um trabalho lento e bonito, que começava na colheita e terminava na mesa, enquanto comíamos arroz quente com legumes e especiarias, sentindo o cheiro de madeira recém-apagada do fogão a lenha. Aos doze anos, consegui um emprego em um restaurante que vendia somente tofu, só para ficar perto do fogão.

Sempre odiei tofu.

A cozinha sempre foi o meu santuário, e apesar da correria e dos riscos, era onde eu me sentia parte de algo maior. Era onde a minha vida fazia sentido.

E foi por causa da cozinha que eu conheci Valentina Harvey. E me apaixonei.

— Durante o curso vocês dividiram a bancada. Aproveitem para trocar experiências. — A chef Augustine falava com um sotaque carregado. Provavelmente francês. — Prestem atenção no que estão fazendo o tempo todo, queremos evitar acidentes. Vocês têm dez minutos para escolher suas duplas. Depois disso, faremos Tarte Tatin[1].

A cozinha profissional costuma ser dominada por homens, mas as mulheres não pareciam intimidadas, e eram maioria nesta aula. Fiquei acuado. Escolhi uma bancada e esperei ao invés de procurar uma dupla.

Enquanto lia a receita, uma garota ocupou o lado vazio.

Estava distraída, separando os ingredientes, quando tomei coragem para olhar para ela. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo. Olhos azuis, bem claros. Usava um vestido simples, como se não quisesse chamar a atenção.

Como se ela pudesse evitar isso.

— Qual é o seu nome? — Eu começo, quebrando os ovos.

— Valentina Harvey. — Ela limpa a mão no avental antes de me cumprimentar. —Tudo bem se trabalharmos juntos? Eu não sou muito boa cozinhando, mas minha mãe disse que seria bom para me enturmar.

— Não, está tudo bem. — Sorrio amigavelmente para ela.

Não gosto de trabalhar em dupla, mas fico satisfeito pela iniciativa dela.

— Por onde começamos colega? — Ela pergunta, fazendo uma bagunça com a farinha. — Que falta de educação a minha, qual é o seu nome?

— Manfrey Woo Hóng.

— Manfrey é um nome americano?

— Sim. — Eu acho, pelo menos.

— E foi você quem escolheu?

— Não, foi a minha tia. — Me desespero quando a vejo tentando medir a quantidade de farinha. — Você poderia cortar as maças? Eu faço a massa.

— Excelente. — Ela solta o copo de medida dentro da pia e troca de lugar comigo.

Trabalhávamos bem juntos, e a conversa fluía naturalmente.

— Você é novo aqui? Desculpa a indelicadeza, é que dá pra notar pelo seu sotaque. — Esperávamos a torta assar, do lado do forno. Ela segurava o cronometro.

— Sim. — Desviava o olhar de tempos em tempos para não constrangê-la.

— Eu também sou nova. Cheguei há um mês, transferida de Chicago. — Ela ligou a luz do forno.

— E você ainda está na escola?

— Infelizmente, sim. — Ela encara a torta. — Este ano estou matriculada na Franklin alguma coisa. É uma escola particular bem famosa.

— Franklin High School? Sério?!

— Sim. Mas não pense que eu sou como as pessoas que estudam lá. — Ela diz rapidamente, na defensiva. — Na verdade, eu nem sei quem estuda lá. — Ela ri.

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