𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚅𝙸𝙸 - 𝙻𝚄𝙲𝙰𝚂

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DESPERTO APENAS para  chegar à conclusão de que dormi no chão da sacada do quarto de  Anthony,  a melhor parte disso tudo é que eu deveria estar tão chapado,  mas tão chapado, que resultou no meu esquecimento de como, caralhos, vim  parar aqui

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DESPERTO APENAS para chegar à conclusão de que dormi no chão da sacada do quarto de Anthony, a melhor parte disso tudo é que eu deveria estar tão chapado, mas tão chapado, que resultou no meu esquecimento de como, caralhos, vim parar aqui... e só de boxer. Que porra eu aprontei dessa vez?

Levanto-me do chão frio e úmido, certamente choveu durante a madrugada, não uma chuva capaz de me deixar ensopado até agora, mas talvez um breve sereno. Caminho até a enorme porta de vidro e a abro, adentrando o quarto de meu amigo que dormia serenamente no sofá enquanto sua gêmea usava sua cama. Eu nunca entendi o motivo pelo qual eles optaram por ter quartos separados, eles sempre acabam dormindo no mesmo quarto no fim do dia.

Nego com a cabeça, afastando meus pensamentos tumultuosos e; enquanto traço meu caminho até o banheiro, procuro minhas roupas pelo chão; falhando miseravelmente em encontrá-las.

Já no banheiro, fixo meu olhar em meu reflexo no espelho, não estou tão ruim assim, estou com uma aparência bem saudável até, isso dadas as circunstâncias, é claro. Jogo água em meu rosto repetidas vezes enquanto me indago em que buraco profundo estou me enfiando... não era para isso se tornar um vício, era para ser apenas um meio de ficar alto sem ter ressaca no dia posterior.

Quando é que foi que eu fiquei assim?

Talvez essa seja a pergunta de um milhão de euros, afinal. Eu não possuo uma resposta para ela, há tantas probabilidades e possibilidades, há tantas coisas que deram errado e que poderiam ter desencadeado em minha atual situação... talvez seja uma junção de toda a merda que vivenciei ao decorrer de minha curta vida.

Estou pensando demais, deveria parar de pensar... não deveria?

Minha mente tem se provado minha maior inimiga ultimamente, eu sei que a culpa disso não é apenas minha; meus pais têm uma grande parcela dela, tendo em vista que eles foram os verdadeiros responsáveis por foder meu cérebro de maneira, creio eu, irreversível.

Desde meu nascimento papai depositou toda a sua esperança em mim, ele sempre acreditou que eu seria seu sucessor, que tomaria as rédeas de sua multinacional quando ele resolvesse se aposentar; que seria eu a liderar a multinacional por um caminho de glória ainda maior do que aquele que ele conseguiu. Toda esta expectativa não me foi benéfica, desde antes de eu nascer já tinha o meu futuro todo planejado por aqueles que eu tenho o enorme desprazer de chamar de pais; qual é, não me parece nada justo eu não poder, nem ao menos, escolher o meu destino.

Porra! A vida é minha, é tão injusto eles terem passado a me ignorar após meu anuncio, deveriam, ao menos, terem ponderado sobre o assunto, me dado uma chance de explicar meus motivos, minhas razões.

— Porra! — Esbravejo baixinho e soco a parede

Não forte o suficiente para que machuque os nós de meus dedos, apenas forte o suficiente para que uma dor incômoda passe a assolar minha mão. Um suspiro cansado deixa meus lábios e eu torno a jogar água em meu rosto. É ainda mais injusto papai não permitir que Amélia tome conta da empresa apenas porque ela é uma mulher... em que século nós estamos, afinal?

Ela sempre foi boa em matemática e sempre implorou para que nosso pai lhe desse um estágio em sua empresa, pedidos que foram completamente ignorados por ele. Talvez o fato de eu não querer tomar frente na empresa seja uma forma de o destino castigá-lo por não ter permitido que a filha verdadeiramente interessada no assunto trabalhasse junto dele. Ele sempre foi cabeça dura; sempre, assim sendo, nem ao menos ouso cultivar a esperança de que ele voltará a falar comigo algum dia; tenho absoluta certeza de que ele tirará meu nome de seu testamento isso, é claro, se ele já não o fez.

Saio do banheiro e me deito no outro sofá do quarto, passando a encarar o teto azulado. Eu simplesmente odeio o fato de que tudo, exatamente tudo, nessa merda de vizinhança é azul. É sério, dentre todas as cores existentes, tinha de ser justamente azul; a cor da tristeza?

Fecho os olhos com força enquanto tento enfiar em minha mente que nada disso é culpa da cor predominante, que meus pais sempre foram cuzões e que isso é culpa da criação extremamente falha que receberam em casa. Papai não costuma nos falar muito sobre seus pais, nós apenas sabemos seus nomes pois estes constam em nossas certidões de nascimento, eles foram testemunhas; ou algo do gênero... o fato de não tocarmos no assunto avós paternos, somado com o fato de que papai nos proibiu de procurá-los, me faz acreditar que eles não se dão muito bem; que meus avós fizeram algo tão terrível que foi capaz de fazer com que papai os odiasse.

Creio que, caso eu venha a me casar e tiver filhos, farei o mesmo; eles não precisarão, de maneira alguma, conviver com aqueles que apenas me desejam o mal. Não quero que eles sofram o mesmo que eu e almejo, mais do que tudo, ser um pai melhor do que o meu tem sido; não quero ser um reles reflexo da bagunça que ele fez em meu cérebro.

Ouço meu celular tocando em algum canto da casa, contudo nem ao menos me dou o trabalho de levantar para procurá-lo; provavelmente se trata de minha irmã querendo averiguar se eu ainda estou vivo, mas hoje eu estou sem paciência alguma para escutar todo seu sermão e sua positividade; não estou em um bom dia para ouvir seu discurso de "tudo ficará bem caso permaneçamos unidos".

Eu sei que ela quer ser otimista, bem como sei que esta é sua forma de lidar com a dor, porém não posso simplesmente deixar de viver minha dor do meu jeito e ser um otimista de merda junto dela. Amy tem um coração grande demais e, por diversas vezes, é incapaz de perceber toda a maldade existente no coração humano.

Silêncio - Não deixe que vejamOnde histórias criam vida. Descubra agora