𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝙸𝚇 - 𝙻𝚄𝙲𝙸𝙻𝙻𝙴

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AMY DEVE ter se despedido, no mínimo, vinte vezes e pedido desculpas umas trinta, foi após receber uma ligação de um número desconhecido — por mim, vale frisar — que minha amiga se desesperou e saiu às pressas, sem nem ao menos me falar sobre o qu...

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AMY DEVE ter se despedido, no mínimo, vinte vezes e pedido desculpas umas trinta, foi após receber uma ligação de um número desconhecido — por mim, vale frisar — que minha amiga se desesperou e saiu às pressas, sem nem ao menos me falar sobre o que, cargas d'água, se tratava a ligação.

Não que ela tenha alguma obrigação de me explicar sobre sua vida, ela é livre para fazer o que bem entender, entretanto ela aparentava estar deveras preocupada, queria poder a ajudar com isso, da mesma maneira que ela me ajuda. Eu sei que Amy sempre foi assim: ama ajudar mas, em contrapartida, odeia ser ajudada, pois sempre pensa que está sendo um incômodo para as pessoas que se dispõem a ajudá-la... e isso é triste, é triste porque faz com que a garota se tranque em uma bolha junto de seus problemas.

Ultimamente ela está cada vez mais inalcançável, é como se minha melhor amiga guardasse um grande segredo e que pense que  apenas ela é capaz de lidar com ele, sinto que Amélia está a carregar o peso de responsabilidades que não deveriam, de forma alguma, serem atribuídas a ela, uma mera adolescente que está a cursar segundo ano do ensino médio.

Mas tudo bem, ela é uma garota forte — certamente bem mais forte do que eu, o que, convenhamos, não é um parâmetro muito confiável —, Amy ficará bem, é uma pena que eu não possa dizer o mesmo sobre mim.

Poucos minutos após minha amiga sair de meu quarto da mesma forma com a qual entrou: escondida, meus pais começaram a esbravejar na cozinha, pelo visto não terei sequer um minuto de paz nessa casa. Suspiro cansada e coloco meus fones de ouvido, deixando a música o mais alto possível mas, ainda assim, sou capaz de os ouvir a gritar.

As palavras ditas por meu pai são mais duras do que as que foram, também por ele, jogadas ao vento noite passada. São mais incisivas, mais perturbadoras... tanto é que elas me doem muito mais, mesmo que eu não seja capaz de ouvi-las em sua integridade.

— Eu vou embora! — Ele esbraveja, de fato, desta vez seu grito foi tão alto que eu não estaria a exagerar caso dissesse que a vizinhança toda o ouviu — Não sou obrigado a continuar em uma casa onde minha esposa apoia a blasfêmia que a minha filha está a cometer. — Meu pai conclui sua fala e então ouço a porta bater em um baque agudo, sou capaz de imaginar a proporção da força que ele utilizou para fechá-la

Meus olhos lacrimejam, eu acabei com o casamento de meus pais, justo ele que costumava ser tão sólido. Que tipo de monstro acaba com o casamento daqueles que lhe deram o dom da vida?

Encolho-me na cama, não sou capaz de ouvir, mas sei que mamãe está a chorar. Ela sempre amou papai mais do que tudo, ela o amava tanto que foi contra o desejo de seus pais e se casou com ele... e para quê? Apenas para ter uma filha que seria o estopim para a sua separação.

— Sinto muito. — Falo baixinho, mais para o universo do que para mim, para mamãe ou para papai

Eu realmente sinto muito. Poderia ter feito as coisas de uma maneira diferente; poderia sim, e, muito provavelmente, isso acabaria salvando o casamento que meus pais costumavam prezar tanto. Papai abomina o divórcio, contudo está a praticá-lo apenas porque foi demais para ele ter uma filha estragada, uma filha que Deus seria incapaz de amar.

Creio que esse seja o motivo para o qual vim ao mundo, afinal: estragar a vida de todos aqueles que se importam comigo, os fazendo se afastar de outras pessoas que amam e que são, claramente, mais importantes do que eu. Eu nasci para destruir as vidas das pessoas, só não esperava fazer isso com os meus próprios pais.

Talvez eu deva me afastar de Amélia, antes que eu seja capaz de a arrastar para o buraco negro no qual eu habito. Seria egoísmo de minha parte continuar a insistir em nossa amizade enquanto vejo, claramente, que esta não está mais fazendo bem à garota.

Ela tem seus próprios problemas para lidar e, de certa forma, acredita que eu não seria capaz de a ajudar com eles, cheguei a tal conclusão devido ao fato de que ela raramente me conta os problemas pelos quais está passando. Amy carrega o peso de sua família — claramente mais estragada do que a minha — sobre seus ombros e me dói perceber que ela sente que não pode desabafar comigo, que eu não posso ser sua confidente do mesmo jeito que ela é a minha.

Eu preciso permitir que ela vá, talvez ela volte novamente quando estivermos mais amadurecidas, quando formos capaz de perceber que, de fato; o que sentimos uma pela a outra ultrapassou as barreiras impostas pela amizade, quando admitirmos o que somos uma para a outra. Talvez aí as coisas voltem a dar certo, talvez as coisas voltem a ser como eram quando estávamos no jardim de infância: talvez uma volte a proteger a outra, talvez passemos a dividir nossos fardos para que estes não nos pede tanto nos ombros.

Mas são muitos talvez, tudo ainda é incerto, até mesmo porque não sei se Amélia me vê como algo a mais do que uma amiga de infância que precisa ser, constantemente, protegida de si mesma.

Creio, eu, que coisas assim apenas o tempo será capaz de revelar.

Amy, precisamos nos afastar. Sinto que você minimiza seus problemas para dar prioridade aos meus e isso não é certo! Você raramente se abre comigo sobre seus problemas, provavelmente por pensar que eles seriam demais para eu aguentar. Mas isso não é certo, Amy, não é certo você priorizar minha saúde mental à sua. Espero que não fique com raiva de mim e que possamos voltar a ser amigas quando estivermos mais maduras. Te amo. — Digito a mensagem com os olhos marejados e; após clicar em "enviar" sinto as lágrimas começarem a rolar por meu rosto

Eu sei que fiz o certo ao decidir me afastar um pouco; provavelmente Amy também desejava fazê-lo, contudo ela sempre foi boa demais para conseguir tomar decisões deste nível; mas, mesmo sabendo que fiz o certo, dói. Dói saber que não poderei mais contar o meu dia a dia à ela.

Talvez seja melhor assim, estávamos demasiadamente dependentes uma da outra.

Silêncio - Não deixe que vejamOnde histórias criam vida. Descubra agora