𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝙸 - 𝙰𝙼𝙴𝙻𝙸𝙰

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A NOITE está  tão normal quanto qualquer outra, seria impossível para um observador  externo dizer que esta é, de longe, a pior noite para mim

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A NOITE está  tão normal quanto qualquer outra, seria impossível para um observador  externo dizer que esta é, de longe, a pior noite para mim. É  completamente difícil ter apenas quinze anos e agir como uma adulta,  protegendo sua mãe quando era ela quem deveria lhe proteger; esta é mais  uma daquelas noites na qual papai não está em casa e está usando como  desculpa a sua empresa e a conferência com Eleonora — sua, suposta,  contadora.

Mamãe  tenta esconder o estado de calamidade no qual se encontra ou, ao menos,  costumava tentar; contudo, com o passar dos meses, seu estado foi  piorando, se degradando. Todas as cirurgias plásticas que ela fez se  provaram insuficientes para manter papai junto de si e isso parece estar  a lhe corroer cada vez mais. É extremamente triste e desesperador ver o  estado no qual ela se encontra, ainda mais quando eu sou a única pessoa  com quem ela realmente pode contar.

Como ela poderia contar com o causador de toda sua dor, afinal?

Papai  costumava ser presente em nossas vidas, mesmo que eu tenha a absoluta  certeza de que ele jamais amou mamãe verdadeiramente, ele sempre foi um  pai extremamente dedicado, nunca havia perdido um aniversário sequer;  entretanto tudo mudou depois que Lucas tomou a decisão de não ingressar  em uma universidade, indo contra tudo no que nosso pai acredita.

Permitam-me ser mais clara, para meu pai, as pessoas que não ingressam em uma boa universidade logo após concluir o ensino médio só dispõem de dois  caminhos para trilharem: o da miséria e o do roubo que, consequentemente, estão correlatados. Ele jamais parou para pensar que  pessoas sem ensino superior também podem conseguir empregos  relativamente bons, podem se dedicar à música e se tornarem cantores  famosos, à modelagem e se tornarem modelos aclamados; à atuação e se  tornarem atores consagrados. Essas, inclusive, vem sendo consideradas  sub profissões por ele.

O  sonho de meu irmão mais velho jamais foi ser administrador de uma  empresa e viver à sombra de nosso pai pelo resto de sua vida, Lucas  sempre teve objetivos maiores, melhores ambições e é triste em demasia  ver nosso pai reduzindo tudo à uma enorme pilha de cinzas. É injusto,  revoltante e sim; eu culpo a ele por toda a desgraça que tem assolado  nossa família nos últimos meses, com "ele" estou me referindo ao meu  pai, caso não tenha deixado claro o suficiente.

Tudo  seria muito mais simples se papai simplesmente tivesse se mostrado um  ser humano digno e não tivesse deixado tão na cara sua desaprovação à  decisão de Lucas e que ele estava a trair sua esposa. Eu sei que mamãe  jamais o deixaria, ela foi criada para servir e ser submissa ao homem,  assim sendo, ela seria — e é — incapaz de pedir o divórcio, mesmo  sabendo que ele a traiu, contudo, ele também não necessitava de deixar isso tão escancarado.

E pensar que depois de tudo o que fez, tem o cinismo de dizer que é Lucas quem está a pôr a boa reputação de nossa família em risco. Tipo, é sério isso?

Se  ele tivesse feito o mínimo como esposo, eu certamente não estaria  sentada na recepção de um hospital a esperar por notícias de minha mãe.  Sempre odiei hospitais e costumava evitá-los a todo custo, porém evitar  hospitais se faz impossível quando não há mais ninguém que possa servir  de acompanhante à mulher plastificada que nem ao menos sou capaz de  reconhecer como sendo a minha mãe.

Meu  irmão mais velho, muito provavelmente, está imerso em mais uma de suas  festas regadas a drogas e álcool, ele não dispõe de tempo para ajudar  aqueles que o abandonaram, o renegaram, eu certamente não o culpo por  isso, mas penso que ele deveria me ajudar, ficar do meu lado nesse  momento difícil, eu sempre o apoiei... bem, quase sempre.

Eu  podia ter comprado sua briga com o papai, poderia tê-lo defendido,  contudo optei por me manter em silêncio e, bem, é como Dante Alighieri  costumava dizer: "no inferno, os lugares mais quentes são reservados  àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise", eu escolhi a  neutralidade e não me orgulho, em nada, disso. Lucas tem o direito de  ser protegido e agora, meses após minha infortuna decisão, sinto que  estou a perdê-lo pouco a pouco, tal como se ele fosse uma bela lagarta  que, ao adentrar em seu casulo para a metamorfose, se transformou em uma  terrível mariposa; daquelas cinzas extremamente grandes das quais todos  tem medo.

Sua  metamorfose de irmão carinhoso e prestativo à drogado que não liga, nem  um pouco, para a família foi extravagante e inesperada; todavia creio  que ele tenha começado a se drogar no intuito de chamar a atenção de  nossos pais, tendo em vista que estes estavam a ignorá-lo por completo.  Vejam bem, eu não estou a dizer que essa decisão foi sábia, apenas estou  dizendo que entendo os motivos que o levaram a tomá-la e isso não quer  dizer, necessariamente, que concordo com suas atitudes errôneas.

Sou  tirada de meus devaneios por um toque suave em meu ombro. A enfermeira  alourada me olha, a pena transparecendo por seus enormes olhos  castanhos. Ela é uma velha conhecida minha, digo, desde que comecei a  ser a responsável por chamar a ambulância e ficar junto de mamãe é ela  quem me dá as notícias.

Não  aparenta ser tão velha quanto a maioria dos trabalhadores daqui, de  fato, ela parece estar naqueles programas de residência médica, na qual  os futuros médicos se decidem sobre a área que irão seguir. Ela se senta  ao meu lado e me abraça, sem dizer uma palavra sequer, eu gosto disso  nela, ela respeita meu espaço, meu silêncio, minha tristeza e minha dor.

Me  mantenho de boca fechada, apenas aproveitando o sentimento de  acolhimento que o simples ato de receber um abraço está a me propiciar. 

O  abraço se alonga por um grande período de tempo e só é desfeito quando  seu bipe toca, indicando que alguém precisa de sua ajuda mais do que eu.

O  abraço se alonga por um grande período de tempo e só é desfeito quando  seu bipe toca, indicando que alguém precisa de sua ajuda mais do que eu

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HEY MEU POVO QUE COME PÃO COM OVO!

Qual é a boa?

Eu sei, eu sei, já havia postado uma história com este título e os mesmos personagens e sim, se trata do mesmo enredo, porém amadurecido.

Me contem o que acharam do capitulo, por obséquio.

Silêncio - Não deixe que vejamOnde histórias criam vida. Descubra agora