𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚇 - 𝙻𝚄𝙲𝙰𝚂

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ESTOU SENTADO na cama de meu melhor amigo enquanto ele está a procurar algo decente para vestir; já estou com minhas roupas no corpo, encontrei as peças espalhadas pelos cômodos da casa

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ESTOU SENTADO na cama de meu melhor amigo enquanto ele está a procurar algo decente para vestir; já estou com minhas roupas no corpo, encontrei as peças espalhadas pelos cômodos da casa. Anthony está a tagarelar algo, contudo sua voz parece distante, abafada; tal como se um andar nos separasse e minha mente começa a vagar por seus cantos mais sombrios.

Penso em tudo o que está acontecendo em minha família, desde o meu pai deixando escancarado seu descaso por minha mãe, até o fato de que mamãe se mantém cortando a pele e esticando o rosto, na esperança de que papai a olhe da mesma forma que ele olha para as garotas de vinte anos na rua.

Parece-me que ela escolheu ignorar a premissa de que ele jamais a olhou de tal forma, nem mesmo quando ela era mais nova, ao menos é isso o que os pais dela dizem pelos cantos. Vovó e vovô deveriam aprender a falar mais baixo, ou se tocar de que, às vezes, as paredes realmente têm ouvidos; sobretudo quando você está no quarto ao lado do quarto de seu neto e a parede que separa os quartos é finíssima.

São palavras jogadas ao vento quando se é uma criança de três anos de idade e é incapaz de compreender o duplo sentido existente na palavra "desejo", porém as coisas começam a se encaixar com a chegada da adolescência. E foi na adolescência que eu descobri que meu pai jamais quis se casar com minha mãe, que apenas se casou com ela pois ela engravidou de mim. Ela era apenas um caso para ele... talvez isso faça de mim um filho bastardo, certo?

Nego com a cabeça algumas vezes, eu não deveria estar a me preocupar com essas coisas, nenhuma delas é problema meu; afinal. Deveria apenas deixar as coisas seguirem seu rumo, serem como devem ser, permitir que o destino siga seu curso.

— Cara!? — A voz de Tony soa mais próxima dessa vez; sua mão direita passa freneticamente em frente ao meu rosto e eu pisco algumas vezes — Faz uma eternidade que estou te chamando. Fumou unzinho antes de eu acordar? — Sua voz soa realmente ofendida e eu rio

Não por estar achando a situação engraçada, meu riso está mais para um riso nervoso do que para um riso de divertimento. Me pergunto se ele percebeu algo, ele não pode perceber o quão fodido estou.

Não pode!

O que? — Meneio a cabeça em negação — Óbvio que não. Só estava pensativo... uns lances familiares aí. — Explico rapidamente, acabando com o assunto antes que a pauta família tivesse início

— Complicado. — É tudo o que ele diz

Os pais dos gêmeos se separaram alguns anos após o nascimento deles, foi o maior escândalo de Becker Hills, ao menos, é isso o que os adultos dizem. Mamãe me contou, certa vez, que o divórcio do casal foi tão inusual que chegou a virar manchete no principal jornal da cidade; ela chegou, até mesmo, a sugerir que Antony e Anne não eram boas companhias para mim devido a isto.

Hoje eu percebo o quão corajosos seus pais foram ao dar fim em algo que, claramente, não iria para frente mesmo sabendo que seriam julgados pela vizinhança que vive de aparências. Anne me disse, certa vez, que a separação de seus pais foi amigável, então eles passavam metade do ano com o pai, metade do ano com a mãe, intercalando em escala de dia sim dia não.

Seu pai não foi para longe após o divórcio, nem ao menos saiu da vizinhança, apenas mudou de bairro, assim sendo, não houveram problemas com o colégio.

— Mais do que você pode imaginar. — Solto sem pensar

Ele me olha com curiosidade e eu me atenho a balançar a mão, em um claro pedido para que ele esqueça as palavras que acabaram de ser proferidas por mim. Tony suspira, posso dizer, com fidedignidade, que ele está frustrado; se há algo que meu amigo odeia é quando alguém começa uma linha de raciocínio para com ele e não a conclui, tal como acabo de fazer.

Peço desculpas mentalmente, eu sei que, bem lá no fundo, ele já me desculpou, não é como se ele não estivesse acostumado com meu jeito de ser; afinal.

Sinto que ele se senta ao meu lado, sua mão encontra a minha e nossos dedos se entrelaçam. Sempre amei cada mísero contato pele a pele dos quais desfrutamos muito raramente; já exclui de minha mente a possibilidade de, algum dia, chegarmos a trocar um beijo sequer, Antony é heterossexual e isso é algo inegável, mesmo que ele não faça questão de deixar sua sexualidade explícita.

Eu, por minha vez, sou o tipo de pessoa que não gosta de se impor rótulos; eu apenas gosto de pensar que acabarei junto de uma pessoa que eu amo e que corresponda o meu amor, não me importo muito se essa pessoa será do sexo masculino ou feminino. O que realmente importa é a reciprocidade dos sentimentos.

— Se você quiser falar sobre isso algum dia, quero que saiba que estou aqui. — Sua voz soa calma, amena

Assinto levemente; eu sempre soube que ele me ouvirá quando estiver pronto para me abrir sobre toda a merda que acontece em minha família, contudo, isso não anula o fato de que eu não sei se algum dia eu estarei pronto para fazê-lo.

Nossos dedos se mantêm entrelaçados, isso não é algo normal para nenhum de nós, as poucas vezes nas quais entrelaçamos nossos dedos foram rápidas e nossas mãos costumavam se desentrelaçar tão rápido quanto haviam se unido. O contato está durando em demasia agora e esse contato todo faz com que meu peito aqueça, é como se um simples entrelaçar de dedos fosse capaz de me manter preso na realidade.

Mas então ele solta minha mão e sorri para mim, um sorriso doce, gentil, um sorriso de quem diz compreender todos os seus sentimentos conturbados mesmo sem nunca ter os vivenciado de fato.

Sorrio de volta, e levo a atenção de meus olhos para o chão, o quão clichê pode ser o fato de eu nutrir algo por meu melhor amigo?

Silêncio - Não deixe que vejamOnde histórias criam vida. Descubra agora