𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚇𝙸 - 𝙰𝙼𝙴𝙻𝙸𝙰

8 1 0
                                    

— O que houve? — Pergunto ao meu tio

Ele me olha com a preocupação claramente estampada em sua face, eu não sou acostumada a vê-lo assim. De fato, são raras as vezes em que ele está com um semblante tão sério e preocupado e todas as vezes no qual o está algo de ruim aconteceu.

Cruzo meus braços sobre o peito, não para esbanjar superioridade, mas sim no intuito de esconder toda a insegurança e medo que estou a sentir. Eu odeio suspense, sempre odiei e meu tio tem plena ciência de tal fato; assim sendo, chega a ser desumano sua forma de me olhar com ternura enquanto mantém um silêncio ensurdecedor. Tenho vontade de gritar a plenos pulmões algo como fala logo o que houve, porra; porém contenho-me, boas garotas não dizem palavras feias, afinal.

Não estarei mentindo caso afirme que, muito provavelmente, essa é a única coisa com a qual eu concordo com papai. E sim, o fato de eu estar a concordar com ele é estranho em demasia.

— Poderia, por obséquio, pular todo o suspense desnecessário e me falar o que houve com a mamãe? — Solto, por fim e ele parece me analisar por mais alguns instantes, provavelmente está a ponderar se deve ou não me contar o que está acontecendo — Por favor? — Insisto um pouco mais

— Acho melhor você se sentar. — Titio diz, fazendo um gesto terno para a cadeira posicionada em frente à sua mesa

Adultos... sempre nos julgando incapazes de aceitar as coisas ou fazer algo direito. Puxo o ar para meus pulmões, talvez com mais força do que realmente necessitava, ajeito as mangas de meu suéter azul bebê em um claro gesto de desconforto e sento-me na cadeira. Meus braços estão cruzados sobre meu peito e meu olhar encontra-se fixo na enorme janela de vidro negro posicionada atrás da cadeira de meu tio.

E é então que o choque de realidade me atinge, tal como um boxeador atinge seu adversário: com força em demasia. Titio jamais foi o tipo de pessoa que menospreza adolescentes, que os julga incapazes de aceitar algo sério, muito pelo contrário, ele sempre acreditou piamente que adolescentes são mais corajosos do que os adultos. Se ele pediu-me para sentar, certamente há algo de muito errado acontecendo.

Sinto meus olhos encherem-se de lagrimas antes mesmo que ele comece a falar. Posso ver seus lábios se mexendo, contudo, algo impede que eu ouça sua voz, o que, creio eu, pode ser algo bom em demasia, tendo em vista que eu estou em estado de pânico e, muito provavelmente, ouvir as palavras proferidas por ele acabariam por piorar minha situação.

— Amy!? — Ouço sua voz me chamar, desvio o meu olhar, de maneira que passe a olhar nos fundos dos seus olhos

Os olhos de titio, diferente dos de mamãe, são negros, é como olhar para o abismo sem fundo, ou para o centro de um buraco negro; há algo em seu olhar que tem a estranha capacidade de me acalmar.

— Oi? — Indago, forçando-me a voltar para a realidade

Por pior que ela seja, é a realidade que me mantém viva, é ela — e seus constantes socos em meu estômago — que me faz persistir para viver um dia a mais, que me faz levantar da cama mesmo sabendo que o dia que está a se iniciar dificilmente se divergirá dos dias anteriores.

— Sua mãe está em estado grave... — Ele começa com cautela — E quando eu digo grave, quero dizer que ela precisa de um transplante de rim o mais rápido possível. — Suas mãos estão cruzadas sobre a mesa e seu olhar, embora ele não queira, expressa tristeza

A primeira coisa a se passar por minha mente é que eu devo ligar para Lucas e papai, entretanto, não é como se algum dos dois realmente se importassem com a mamãe. Creio que a única pessoa com quem Lucas Gideon Magnussen realmente se importa — além dele mesmo, é claro — é a misteriosa garota com quem tem saído — e eu ainda acredito que, na verdade, não há garota alguma nessa equação é que ela é apenas uma desculpa bem conveniente para se afastar de toda a nossa família.

De novo: eu não o culpo por querer manter distância da gente.

E papai, bem, certamente ele está a comprar alguma joia cara em demasia para algumas de suas amantes. Encolho meus ombros com tal pensamento, é sufocante saber que eu jamais poderei contar com ele...

Ainda que sem esperança, apanho meu celular e digito os números tão conhecidos por mim, ligando, desta forma, para meu irmão mais velho. Chama umas dez vezes e, quando eu estou prestes a desistir, a voz tão conhecida por mim soa do outro lado da linha, ainda que um pouco mais grossa e rouca do que o normal.

— Amy... — Esse é o jeito dele de dizer "só te atendi pra você não ficar falando em minha cabeça durante o jantar", ou, ao menos, é o que me parece

— Lu, a mamãe está mal... — Ele me interrompe

— E quando foi que ela esteve bem, Charlotte?

Bingo! Eu sou incapaz de recordar de algum momento no qual mamãe estivesse realmente bem. Quando não eram suas cirurgias plásticas completamente desnecessárias, eram as brigas com o papai ou o seu problema com o álcool. Não é como se Lucas estivesse errado ao fazer tal pergunta, afinal.

— Dessa vez é pior. — Afirmo com convicção e posso ouvi-lo suspirar de maneira cansada do outro lado da linha, titio está a me observar com preocupação — Ela precisa de um transplante...

— Quando se diz respeito à ela, Amy, todas as vezes nas quais a mãe adentra no hospital são piores do que as anteriores. — Touché — Não há muito o que possamos fazer por ela. — E o choque de realidade foi gratuito em demasia

— Há sim. Podemos ver qual de nós dois é compatível para o transplante, podemos ajudá-la de verdade... — Mais uma vez sou interrompida

— Amelia, eu te amo, de verdade, mas por que; em nome de Deus, eu iria querer ajudá-la quando tudo o que ela fez por mim foi um monte de nada? — Suas palavras são frias e extremamente cortantes — Eu posso estar ao seu lado e segurar sua mão, mas não me peça pra fazer mais do que isso... estou indo para aí. — E o telefone é desligado

Silêncio - Não deixe que vejamOnde histórias criam vida. Descubra agora