Dia 25

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São três da tarde
Cemitério municipal

Já desisti definitivamente do curso de design, aquilo não é para mim e não é uma desculpa para me afastar definitivamente do João.
Hoje vim ao cemitério falar com os meus "amigos".

Pareço uma psicopata a falar .

Estava a passear entre uma lápide com um ramo de lírios e uma com um par de girassóis quando sinto alguém a olhar para mim.

O que é que estás a fazer num cemitério?

Era o gajo do bar. O gajo que me levou para casa. O gajo que eu não sei o nome.
Tenho definitivamente de lhe arranjar uma alcunha até ter coragem de lhe perguntar o nome.

A visitar os mortos. Não é isso que as pessoas fazem?
Desculpa. Familiares?

Ele apanhou-me de surpresa. Eu não podia simplesmente dizer que fui visitar os meus amigos. Por muito compreensivo que ele fosse ninguém iria perceber este... hábito.

Mais ou menos. Chama-lhe conhecidos. E tu?
A minha mãe e a minha avó. E estás mesmo ao pé das campas delas. Só não percebo como conhecias a minha mãe e a minha avó, visto que já morreram à uns aninhos.

Engoli em seco. É mesmo azar eu estar a passar pela campa da mãe dele no momento em que ele aparece.

Ele aproximou-se e pôs uma mão no meu ombro.

Eu sei que és uma pessoa sozinha. Não precisas de mentir. A minha mãe ainda está viva, só para que saibas.

Ele esteve a gozar com minha cara? Foi isso que ele esteve a fazer, não foi? E eu sou uma besta por ter acreditado.

Quem é que vieste visitar?
A minha avó. Que sim, a campa dos girassóis é a dela, não faço a mínima de quem está na outra. Vim mudar as flores.

Só aí percebi que ele estava a segurar um ramo de girassóis atrás das costas. Ele baixou-se e trocou as flores um pouco murchas pelas que tinha trazido e acabámos no passadiço do cemitério a olhar para as coisas complicadas da vida.
Como sempre, a simples convivência com o gajo do bar ajudava a sentir-me menos sozinha.

PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora