10 - A cascata

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No dia seguinte, o pequeno-almoço decorreu em silêncio. Alan levantou-se a certa altura e foi tomar o café junto à janela. Não estava a chover mas as nuvens baixas, escuras, davam a impressão de não ter amanhecido.
Ele voltou-se e perguntou-me bruscamente:

— Estás pronta?

Eu vestira uns jeans que me assentavam perfeitamente, uma camisola azul de lã grossa e uns ténis. Puxara o cabelo para trás e talvez o meu aspecto fosse mais melancólico do que de costume porque quando ele olhou para mim pareceu sobressaltar-se.

— Só vou buscar um casaco.

— É melhor levares a gabardina. Não gosto daquelas nuvens.

Ele limitou-se a vestir um pullover preto sobre a camisa, jeans e as velhas botas que usava para as caminhadas.
Foram apenas alguns minutos de automóvel até à entrada do bosque. Fazia escuro ali, e a voz de Alan soava um pouco irritada, mesmo quando se dirigia ao Sam.

As árvores tornavam a vereda ainda mais escura. Caminhávamos sobre as folhas que tinham caído nas últimas semanas. Passámos uma ponte de madeira e debrucei-me para ver a água límpida de um ribeiro a correr entre as pedras. Ele caminhava depressa, o rosto fechado, e agarrei-lhe o braço.

— Podemos ir mais devagar?

Ele fitou-me, como se tivesse esquecido a minha presença.

— Desculpa.

— Sabes… o livro mais importante da minha infância tinha uma cascata.

Ele sorriu.

— Eu sei. Já me disseste muitas vezes.

— Disse?

— E um vale sem saída. Um vale onde não havia ninguém.

Por um momento, aceitei aquilo com naturalidade, depois um arrepio percorreu-me.

Os livros da infância de Karen seriam os meus?

Mas não era assim tão estranho, muitas crianças da Grã-Bretanha tinham crescido com aqueles livros…
E o que era isso comparado com o facto de termos o mesmo rosto e, como verificava todas as manhãs ao vestir-me, o mesmo corpo?

A vereda agora descia, e tornava-se mais íngreme em cada curva, havia degraus talhados na rocha, e um vago corrimão de madeira que surgia de vez em quando. O bosque estava mergulhado em si mesmo, senti que éramos uns intrusos ao atravessá-lo.

— Isto é tão bonito.

Ele comentou ironicamente:

— Esqueceste-te do caderno de esboços.

— Sim…

Mas as palavras dele como que despertaram uma memória, foi repentina e violenta, eu descera a vereda naquele dia, a rapariga de Londres descera aquela vereda, com o seu velho casaco castanho e os seus ténis sujos, e a mochila, ela tivera consciência dos sons, a água, os pássaros, o roçar das folhas, o murmúrio indeciso das árvores, nos últimos tempos os sons também integravam as suas pinturas. Tivera consciência das inúmeras presenças à sua volta e isso assustara-a um pouco.

— Meu Deus!

— O que é?

— Nada.

Era como se por instantes tivéssemos coincidido, e era um sentimento penoso, até doía fisicamente.

Desejei ser uma só, e o homem ao meu lado tornava a escolha fácil. Ele ajudava-me a descer os degraus, a sua mão segurava o meu braço com firmeza. Para que eu não caísse.

WHO IS KAREN?Onde histórias criam vida. Descubra agora