NA TV

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Alguns anos atrás.

— Áries me contou o que pretende fazer. Eu não vou deixar você acabar com tua vida, Zé!!!

A garota intrometida entra no meu quarto de supetão.

— Ma, perdeu o direito de entrar aqui sem ser convidada quando me deixou. E só pra esclarecer, eles já acabaram com a minha vida. Eu não tenho mais nada á perder. — encontro uma mochila em cima do armário e a jogo na cama.

Era boa. Tinha o tamanho ideal. Nem muito grande ou pequena demais, mas ideal para o que eu precisava.

— Tem certeza? — sinto sua mão quente em meu antebraço, mas não tenho tempo pra charminho de novela, preciso vazar dali logo.

— Bom, vejamos... minha mãe morreu de traumatismo craniano, de tanto que o filho da puta fez de sua cabeça uma bola de basquete, apesar do relatório médico constar "causas naturais", aliás, talvez fosse pelo crânio deformado que lacraram o caixão dela... o diabo do meu pai eu matei por esse mesmo motivo, meu tio quando soube do que você acabou de descobrir coagindo Áries, me virou as costas porque garanti que não ia parar até matar todos eles, e você... bom, você seguiu como eu pedi quando fui preso, não foi!? Ficamos juntos desde que saí, foi pra minha cama umas três vezes como quis, mas eu sei que voltou pra ele, e está morando com o verme fardado agora. Em resumo: não! Não tenho porra nenhuma á perder! Porra nenhuma! — a loira de família francesa assente impaciente. — Fui jogado naquele inferno por proteger a minha mãe, fui espancado por dois anos ou mais até conhecer Áries lá dentro, fui preso por homicídio qualificado como se não soubessem o que significa Legítima Defesa, cutuquei os pelinhos do saco dos piores vermes que existem, gente da laia do seu novo maridinho por sinal, e por isso não tive Semi Aberto, mal tive visitas, e só escapei porque o demônio número dois que eu vou matar, foi transferido da Casa de Detenção por algum motivo e só então um diretor honesto conseguiu me descobrir enquanto eu apodrecia lá dentro, sem recursos, porque se não fosse por isso, ao invés de dez, eu tinha completado uns cinquenta anos, ainda estaria lá, naquele inferno maldito! Perdi amigos, perdi minha amiga e advogada, a única que tentava me ajudar, a doutora que me tratava com dignidade e perdi até inimigos que fiz lá dentro, caras que estavam na mesma situação que eu, então... — falo arrastado pela pressa. —, você vai me deixar "acabar com a minha vida" sim, Marriet, é desse jeito que eu vou acabar, matando todos eles. O velho chinês, japonês, seja lá o que ele for, aquele juiz desgraçado, o médico, todos eles. Vou encontrar todos eles e se eu tiver que voltar para lá, que seja com a consciência de que dessa vez estarei lá porque é o justo, porque eu mereci estar, porque eu precisarei pagar.

— Zé.— ela finge não ver a arma que Áries conseguiu pra mim, mal enrolada no lenço sujo. Só a encara brevemente e se aproxima um pouco.

— O filho da puta não estava lá quando me libertaram, mas teve a audácia de ligar pro tio Ari! Falou comigo! Eu ouvi dele que sou um maldito esquecido, um sozinho, um ninguém. Que se eu saísse da penitenciária dele querendo brincar de justiceiro buscando vingança, me fariam voltar pra lá e eu passaria mais alguns anos vendo o sol nascer quadrado. Disse que era melhor eu seguir em frente com minha vida ou não teria uma. Disse que eles, seja lá quem fosse esse "eles", garantiriam isso. Entende a porra da magnitude disso?Você não tem noção do que passei na mão daquele homem! Dele e dos outros, não tem noção do que fizeram comigo! Vou esquartejá-los e me dar o direito de ficar feliz por isso!

— Estou grávida, Zé!

— Foda-se, porra!!!

— É seu. — a mão que guardaria o melhor casaco que eu tinha na mochila, trava no meio do caminho. A encaro talvez por tempo demais então ela se aproxima mais um pouco e segura em minha mão livre. — Fiquei contigo quando você saiu porque tinha terminado com Jake, tinha dado um tempo, e te contei, não fui desleal, você sabia, e ele sabia que também estava livre de mim. Eu te amava e te amo, estava carente, com saudade, então... não vai adiantar tentar usar isso contra mim o resto da vida porque eu não me arrependo de ter me deitado em sua cama depois que saiu da prisão. Depois que conversamos e concordei em tentar de novo com ele, nós não... não nos relacionamos até então e... fiz o teste de farmácia. É seu, eu tenho certeza, e estou disposta á provar no futuro, caso duvide de mim, tudo bem, eu não me importo e jamais ficarei magoada contigo, mas... o nosso problema maior não é esse, um bebê nem é problema. Não quero pensão alimentícia, você não tem nada, eu não quero nada de você que não seja inteiramente da sua vontade, de coração, só... preciso que não faça isso por essa criança. Senão por mim, pelo amor que ainda tenho por você, por tio Ari, ou pela memória da tia Sônia, faça por esse bebê. Eu imploro! Mesmo porquê eu não vou deixar que Jake assuma a responsabilidade, voltei pra ele grávida do meu ex, eu não vou deixá-lo comprar uma única fralda. Você é o pai, você vai me ajudar a criar essa criança, você vai assumir a responsabilidade, mas não vai conseguir se ao invés de arrumar um emprego, você passar seus dias matando todo mundo que um dia já te fez mal. Que te prejudicou e te trancafiou lá. Eu sei que não é nada banal, eu sei disso, mas não quero que se iguale a esses monstros! Eu tô grávida, Zé, e ela já tem até nome, será uma princesa que vai ter uma mãe avoada demais e que por isso vai precisar demais do pai dela pra ter um pouco de juízo! — tento negar, mas não consigo. Conhecia aquela garota desde menina, sabia quando mentia, e ela nunca mentia pra mim.

JOSÉ - Disponível até 21/11/20Onde histórias criam vida. Descubra agora