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Jill ficou de pé ao lado de Carlos nos controles do bonde, olhando para fora enquanto as ruínas de Raccoon
passavam vagarosamente. Eles não conseguiam ver muito através do único farol amarelado da dianteira, mas
havia inúmeros pequenos incêndios fora de controle, e uma meia lua jogando sua pálida luz em tudo − ruas
cheias de escombros, janelas quebradas, sombras vivas que vagavam sem destino. “Continue devagar”. Jill disse. “Se os trilhos estiverem bloqueados e estivermos rápidos demais...”.
Carlos olhou irritado para ela. “Nossa, eu não tinha pensado nisso. Gracias”.
Seu sarcasmo pedia uma resposta, mas Jill estava cansada demais para fazer piadas, e seu corpo parecia um
único e grande machucado. “Tá bom, desculpe”.
Os trilhos desenrolavam−se à frente deles enquanto Carlos guiava cuidadosamente, desacelerando quase que
por completo a cada curva. Jill queria sentar, talvez ir para o outro vagão com Mikhail e deitar − eram poucos
quilômetros até a torre do relógio e alguém correndo podia facilmente acompanhá−los − mas sabia que Carlos
também estava cansado; ela podia sofrer de pé mais alguns minutos com ele.
Por um acordo não falado, eles não discutiram sobre Nicholai, talvez porque a especulação sobre onde estava e
o que fazia, não serviria para nada; seja lá o que pretendia, eles estavam saindo da cidade. Considerando que
sobreviveriam, Jill estava mais comprometida em ver a Umbrella pagar pelos seus crimes, pois era a Umbrella e
não Nicholai, que carregava a responsabilidade pela morte de Raccoon.
Sua intuição sobre Nicholai estava certa, ele sabia sobre as maldades da Umbrella, e Jill não percebeu um pingo
de decepção nele. Pelo que leu no diário que Carlos achou, parecia que a companhia estava preparada para a
contaminação de Raccoon e preparou uma equipe secreta para fazer relatórios sobre a catástrofe. Era
repugnante, mas não uma surpresa.
Estamos lidando com a Umbrella, afinal. Se eles podem projetar vírus e máquinas assassinas para serem
infectadas, por que não investir em assassinato em massa? Faça algumas anotações, documente algumas
agressões −
Crash!
Jill caiu em Carlos quando o bonde chacoalhou, o som de vidro quebrando vindo do vagão de trás. Meio
segundo depois, eles ouviram Mikhail soltar um tenebroso grito − de medo ou dor, Jill não sabia.
“Aqui, assuma os comandos”. Carlos disse, mas Jill já estava no meio do vagão, o pesado revólver empunhado.
“Eu cuido disso, continue andando”. Ela gritou, não querendo pensar no que era enquanto ia para a porta. Para
fazer o bonde balançar daquele jeito −
-− tinha que ser um dos monstros. E Mikhail mau podia se sentar.
Ela empurrou a porta e pisou na plataforma de ligação, o pesado barulho das rodas nos trilhos parecendo
incrivelmente alto enquanto abria a segunda porta, o desamparo de Mikhail no topo de seus pensamentos.
Essa não.
Os elementos do cenário eram simples e mortais: uma janela quebrada e vidro por toda parte; Mikhail à sua
esquerda, suas costas contra a parede da porta enquanto lutava para ficar de pé, usando a metralhadora como
muleta − e o matador de S.T.A.R.S. de pé no meio do vagão, sua cabeça jogada para trás, sua grande boca sem
lábios abrindo enquanto gritava sem palavras. As janelas restantes vibravam com a força de seu berro insano.
Jill abriu fogo, cada tiro como uma explosão ensurdecedora, o alto calibre acertando o peito superior enquanto
continuava gritando. O impacto das balas o fez recuar alguns passos, mas se houve algum outro efeito, ela não
conseguia ver.
A partir do sexto tiro, a metralhadora de Mikhail a acompanhou, os projéteis menores furando as gigantescas
pernas de Nemesis assim que acabou a munição de Jill. Mikhail ainda estava apoiado na parede e sua mira era
ruim, mas Jill aceitaria qualquer ajuda. Ela sacou a Beretta − mesmo com um carregador automático, demoraria
muito para carregar a .357 − e abriu fogo, quatro tiros no rosto −
− e não funcionou −
− e Nemesis parou de gritar voltando sua atenção para ela, seus brancos olhos rasgados como cataratas, seus
grandes dentes lisos e brilhantes. Tentáculos iguais a cobras em volta de sua cabeça sem cabelo.
“Saia daqui!”. Mikhail gritou, e Jill olhou para ele, sem ao menos considerar a idéia enquanto atirava de novo −
até perceber um instante depois que ele estava segurando uma granada, um dedo temendo entre o anel. Ela
reconheceu o formato sem pensar nele − uma RG34 Czech, Barry também colecionava granadas anti−pessoas
− enquanto mandava outra bala em sua costurada sobrancelha, mas sem efeito. Granada de impacto, uma vez
puxado o anel, detonaria em contato −
− e Mikhail não sobreviveria, seria suicídio −
“Não, você sai daqui, fique atrás de mim”. Ela gritou, e o matador de S.T.A.R.S. deu um largo passo adiante,
diminuindo a distância quase pela metade. “Saia daqui!”. Mikhail ordenou de novo e puxou o anel, uma expressão de incrível concentração e propósito em
seu pálido rosto. “Eu já estou morto! Vai, agora!”.
Sua Beretta atirou mais uma vez e recuou.
Jill girou e correu, deixando Mikhail para enfrentar o monstro sozinho.
Carlos ouviu os gritos em meio aos tiros enquanto tentava parar o bonde, desesperado para ajudar Jill e Mikhail,
mas estavam no meio de uma curva relativamente fechada, e os controles mau cuidados combatiam seus
esforços. Ele estava a um segundo de se juntar à eles quando a porta atrás dele abriu fortemente.
Carlos girou, apontando sua M16 com uma mão enquanto mantinha a outra instintivamente na válvula, e viu Jill.
Ela praticamente voou pelo vagão, suas feições como uma máscara de horror, seu nome surgindo entre os
lábios dela −
− e um tremendo balanço de fogo e barulho estourou atrás dela, fazendo−a mergulhar, rolando desajeitada
sobre o ombro enquanto um boom−crash ecoava do segundo vagão. Línguas de fogo passaram pela janela da
porta assim que o chão tremeu violentamente. Carlos pulou no assento, o apoio do braço acertando forte o
bastante para trazer lágrimas aos seus olhos.
Mikhail!
Carlos deu um vacilante passo em direção à porta −e só viu pedaços em chamas do vagão rasgado sendo
puxado, distanciando−se enquanto o bonde ganhava velocidade. Não havia chances de Mikhail ter sobrevivido,
e Carlos começou a ter sérias dúvidas sobre suas próprias chances assim que Jill se aproximou, sua face
assombrada pelo que tinha visto.
O bonde entrou em outra curva, e ficou fora de controle, balançando para frente e para trás como um navio em
mares tempestuosos, exceto pelos trovões e relâmpagos estarem sendo causados pelo vagão raspando em
prédios e batendo em carros, criando grandes plumas de faíscas. Ao invés de diminuir, o bonde parecia ganhar
velocidade a cada impacto, colidindo no escuro em uma série de agudos gritos metálicos.
Carlos lutou contra a gravidade para agarrar a válvula, ciente de que tinham descarrilado, de que Mikhail se fora,
de que a única esperança era o freio manual. Se tiverem muita sorte, as rodas travariam.
Ele puxou o freio manual o mais forte que pôde −
− e nada aconteceu, nada mesmo. Eles estavam ferrados.
Jill chegou na frente apoiando−se nos assentos e barras enquanto o bonde continuava a sacudir e raspar.
Carlos a viu olhar inconformada para a válvula sob os dedos dele, viu desespero em seus olhos, e sabia que
precisavam saltar.
“Os freios!”. Ela gritou.
“Não funcionam! Nós temos que pular!”.
Ele virou, pegou a metralhadora pelo cano e usou a coronha para quebrar a janela ao lado, um súbito balanço
lateral mandou cacos de vidro em seu peito. Ele segurou na lisa moldura da janela com uma mão, e esticou−se
para agarrar Jill −
− e a viu descer o cotovelo num pequeno painel de vidro na parte debaixo do console, um olhar de desesperada
esperança no rosto dela enquanto apertava o botão que ele não conseguia ver −
SKREEEEEEE −
Freio de emergência.
− e incrivelmente, o bonde estava parando, inclinando um pouco para a esquerda antes de equilibrar−se,
continuando a deslizar sobre o decrescente brilho das faíscas. Carlos fechou os olhos e agarrou a inútil válvula,
ansioso, tentando preparar−se para o impacto − e alguns segundos depois, um suave e anti−climático esmago
disse que sua viagem havia acabado; o vagão parou em cima de uma pilha de pedaços de concreto no meio de
um gramado bem cuidado, perto de algumas estátuas sombrias e arbustos. Um último tremor balançou o vagão
e estava acabado.
Silêncio, exceto pelos estalos de metal resfriando. Carlos abriu os olhos, quase incapaz de acreditar no
assustador passeio que fizeram pela cidade. Ao lado dele, Jill deu um trêmulo respiro. Tudo aconteceu tão
rápido que foi um milagre terem sobrevivido.
“Mikhail?”. Ele perguntou delicadamente.
Jill balançou a cabeça. “Foi o Tyrant, a punição do S.T.A.R.S. Mikhail tinha uma granada, o monstro continuou andou até nós e ele −“.
Sua voz parou, e ela começou a recarregar suas armas, concentrando−se nos simples movimentos. Eles
pareciam acalmá−la. Quando falou de novo, sua voz soou firme.
“Mikhail sacrificou−se quando viu que Nemesis estava vindo para mim”.
Ela desviou o olhar, olhando para o escuro lá fora assim que uma fria brisa passou pelas janelas estilhaçadas do
bonde. Seus ombros caíram. Carlos não sabia o que dizer. Ele deu um passo até ela, tocando gentilmente um
de seus ombros arranhados, e sentiu o corpo dela endurecer sob seus dedos. Ele rapidamente tirou a mão, com
medo de tê−la ofendido de alguma forma, e percebeu que ela olhava para algo lá fora, um olhar de pura
surpresa em suas delicadas feições.
Carlos seguiu seu olhar, olhando para fora e para cima, vendo uma torre de três ou quatro andares erguendo−se
sobre eles, em forma de silhueta contra um fundo de nuvens noturnas. A face de um brilhante relógio branco
estava no topo e marcava quase meia−noite.
“Alguém nos ama, Carlos”. Jill disse, e Carlos só conseguiu acenar, calado.
Eles estavam na torre do relógio.
* * *
Nicholai andou pelos trilhos refletindo a luz da lua, sem se preocupar em se esconder enquanto marchava à
oeste. Ele seria capaz de ver qualquer coisa vindo e a mataria antes que o alcançasse; ele estava irritado e
agradeceria pela oportunidade de estourar as tripas de alguma coisa humana ou não.
Sua raiva tinha diminuído um pouco, dando lugar a um estado de consciência pessimista. Não havia mais
condições de perseguir o líder de pelotão e os dois jovens soldados − basicamente, não havia tempo o bastante.
Levaria pelo menos uma hora para chegar à torre do relógio; se conseguirem descobrir como tocar os sinos, já
não estariam mais lá quando chegar.
Nicholai franziu, tentando se lembrar de que os planos não tinham mudado, de que ainda tinha um roteiro para
seguir. Quatro pessoas ainda esperavam por ele inconscientemente. Depois do Dr. Aquino, havia os soldados −
Chan e o Sargento Ken Franklin − e o funcionário da fábrica, Foster. Quando todos estiverem fora do caminho,
Nicholai ainda tinha que organizar os dados, marcar uma reunião e sumir de helicóptero. Ele tinha muito o que
fazer... e ainda não podia deixar de se sentir enganado pelas circunstâncias.
Ele parou de andar, inclinando a cabeça para o lado. Ele ouviu um barulho, um impacto de algum tipo mais
adiante, talvez até uma pequena explosão abafada pela distância. Um segundo depois, ele sentiu uma levíssima
vibração vindo dos trilhos. A linha corria pelo meio da rua, qualquer coisa sólida podia fazê−la vibrar −
− mas eram eles, Mikhail, Carlos e Jill Valentine. Eles esbarraram em algo, ou algo deu errado com o motor, ou...
Ele não sabia o quê, mas de repente ficou certo de que eles encontraram problemas. Isso reforçou o sentimento
positivo de que ele era o único com habilidade; os outros precisavam confiar na sorte, e nem toda sorte era boa.
Talvez nos encontremos de novo. Tudo é possível, especialmente num lugar como esse.
Adiante e à esquerda, entre um prédio e um terreno cercado, veio um ronco borbulhante. Três infectados
cambalearam até o espaço aberto, dez metros de onde ele estava. Ele estava muito longe para vê−los
claramente sob a pálida lua, mas Nicholai viu que nenhum deles estava em boa forma; dois não tinham braços e
o terceiro parecia ter perdido metade das pernas, dando a impressão de estar andando ajoelhado, cada passo
criando um barulho igual a alguém estalando os lábios.
“Uhllg”. O mais próximo reclamou, e Nicholai atirou em seu cérebro desintegrado. Mais dois tiros e os outros se
juntaram ao primeiro, caindo no asfalto como leves tapas.
Ele sentiu−se bem melhor. De alguma forma ganhou uma oportunidade para ver seus camaradas novamente − e
percebeu estar confiante de que os veria − ele era um homem superior e triunfaria no final.
Isso o encheu com nova energia. Nicholai passou a correr devagar, animado para enfrentar qualquer desafio que
encontrar.

Resident Evil #5 Nêmesis Onde histórias criam vida. Descubra agora