Cinquenta

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Corações que se perdoam

Enquanto meu pai jogava minhas roupas dentro da mala, eu me ocupava em atira-las para fora.

—Tudo bem, cansei! —falei, me sentando no chão.

—Eu não entendo porque não quer sair daqui! —ele disse, se sentando na ponta da cama.

Eu suspirei, apertando uma meia entre os dedos.

—Tem algo que preciso fazer antes de sair daqui.

—O que é mais importante que sua segurança? Não vai me dizer que se apaixonou por alguém? —perguntou rindo.

—Sim. Quer dizer, NÃO. Na verdade sim, mas...

A boca de meu pai se abriu e se fechou algumas vezes, e eu poderia dizer que ele até mesmo empalideceu um pouco.

—Tudo bem. —murmurou. —Eu estou tentando fazer a coisa certa. Errei tanto com você e sei que se não fosse tudo isso eu jamais... —ele suspirou. —Olha Alice, eu não sou um bom pai. Não sei como ser. E estou tão assustado quanto se houvesse acabado de descobrir que minha esposa está grávida. —ele riu nervoso. —
Gostaria que sua mãe tivesse me dissuadido a não fazer o que fiz, mas acho que no fim, ela é tão ruim nisso quanto eu. Mas a questão é que você precisa sair daqui!  Eu posso mandar alguém terminar o seu serviço ou...

—Ninguém além de mim  pode fazer isso! E tudo bem. —falei. —O que te trouxe até aqui final? —perguntei.

Não podia ser só uma ligação. Meu pai era um homem racional, que sempre se certificava de tudo duas vezes, que nunca voltava atrás e que jamais se deixava levar por sentimentos, independente de quais fossem.

—Pode ser difícil acreditar, mas me arrependi de te mandar para cá no dia seguinte à sua ida. Eu não podia voltar atrás porque estava crente de que você precisava aprender, embora essa certamente não fosse a melhor forma. —deu de ombros, afrouxando ainda mais o nó da gravata. —Eu tive tanto tempo para pensar, que considerei estar ficando louco. Afinal, eu nunca tive todo esse tempo antes. E então um dia ouvi eu Bryan falando baixinho no celular, ele estava no seu quarto e fungava alto, perguntando quando você ia voltar. Sabe, tem um momento na vida de um homem que ele percebe o quão destrutivo pode ser. E para mim foi bem ali. —falou. —Ergui todo aquele discurso sobre você ser uma ameaça ao futuro de Bryan e eu mesmo só fui lembrar da existência dele por acaso, dias ou semanas depois. Percebi que não só castiguei você, como a todos nós e foi difícil. Porque sempre foi mais fácil culpar você pela minha ausência. Eu ignorava os olhares duros que você me dava e todas as exigências, porque era tão mais fácil, Alice.

Naquele momento, foi como se o mundo houvesse prendido a respiração. Eu prendi.
Passei anos e anos tentando lidar com o fato de que meu pai jamais olharia por mim com amor, mas ali estava ele, pela primeira vez em uma vida, sendo sincero comigo. Não era como se eu ou mesmo ele estivesse sendo absolvido de toda a culpa. Não, não era nada disso. Mas ali, ele se mostrou mais humano do que eu jamais havia visto. Com a camisa social amassada, meio aberta, a gravata solta e o semblante desolado, meu pai finalmente pareceu real.

—Os primeiros dias aqui foram estranhos. Tudo parecia irreal demais. Acho que eu não queria acreditar que você tinha mesmo conseguido se livrar de mim. Porque não devia ser tão fácil. —eu ri. —Mas aí eu conheci pessoas que tornaram mais fácil, algumas até um pouco mais difícil, mas foi deixando de ser tão ruim. Sempre foi assustador para mim me sentir tão sem lar, e aqui, acho que me encontrei. Mas eu não sou uma pessoa ruim, faço escolhas estúpidas o tempo todo, mas não sou ruim. Não quero ser. —disse e suspirei. —Eu nunca soube se devia culpar você ou a mim, então sempre dividi a culpa entre nós dois. Você só estava lá quando eu errava e eu acho que errava porque no fim isso te trazia de volta e você era o único que enxergava a gente. Mamãe estava sempre lixando as unhas ou no telefone, as vezes nem se lembrava qual eram os nossos nomes. Você não. Você mesmo que tentasse ignorar, estava ciente da nossa existência e da sua culpa nisso.

Apertando minhas mãos no colo, eu o olhei:

—A questão pai, é que somos responsáveis pelas escolhas que fazemos e pelas consequências que elas trazem. Boas ou ruins. —disse e encolhi os ombros. —Tá tudo bem você ter me posto aqui, eu odiei é claro, mas se não fosse isso Noah, Ian... e até eu e Bryan, estaríamos esquecidos em algum canto do mundo. Não foi bonito o que nós fizemos, mas gosto de pensar que foi necessário.

E tinha sido! Cada segundo naquele reformatório havia me dado algo novo. Coisas como sentimentos, objetivos e até mesmo traumas. E o mais importante de tudo: havia me ensinado que liberdade é muito mais do que ir e vir. Ela começa em nós!

E nesse ponto eu era uma fraude! Porque eu ainda era cheia de amarras. Meu passado, minha relação familiar e até mesmo meus sentimentos são provas incontestáveis.

Eu ainda tinha um longo caminho a percorrer.

—Mas me diz: a gente não vai ter que fazer aquela coisa de sorrir um para outro a todo momento a partir de agora, não é? —perguntei.

Ele tentou conter um sorriso, mas eu pude ver o leve repuxar de seus lábios antes dele passar as mãos pelo rosto:

—Não, eu nem gosto de sorrir. —disse.

—É por isso que está tão velho.—resmunguei, revirando os olhos.

—Eu não estou velho. Estou? —perguntou.

—Ah está sim! Devia tentar sorrir, para conter essas rugas. E tentar reduzir o estresse, antes que acabe com os cabelos brancos antes dos quarenta. —provoquei.

—Você é a responsável pelos cabelos brancos! —acusou sério.

—Ah, então eu também posso resolver! Nada que tinta capilar e mãos experientes não resolvam! —falei animada. —Já pensou em ficar ruivo?

***

—Você não tem muito tempo, Alice! —meu pai disse, antes de entrar no carro. —Resolva o que tem que resolver antes que eu decida vir buscar você!

—Não vou demorar! O tempo não está exatamente a meu favor. —resmunguei.

—Vou me arrepender disso... —ele resmungou e então respirou fundo. —Precisa de algo? —perguntou.

—Um advogado seria bom. —pensei alto.

—Você não fez nada para acabar presa de verdade, fez? —perguntou se alterando.

—Relaxa. Redução de estresse, lembra? —perguntei rindo.

Ele suspirou e passou as mãos pelo cabelo. Não havia mais nada em ordem nele.

—Vou mandar alguém! —falou. —Alice, tente não...

—Morrer? —sugeri e ele assentiu.

—Acho que já passei dessa fase, mas vou estar preparada para me esquivar disso. —disse.

Ele sorriu e entrou no carro, enquanto eu tratei de entrar.

No chão, na porta de meu quarto havia um pequeno papel.

Checando o corredor e a porta de Ian, me abaixei, analisando o pequeno bilhete, cuja a caligrafia eu jamais havia visto.

"Você me ajuda e eu te ajudo! Seu pai tem muito poder sobre você boneca, mas você tem ainda mais sobre ele. Não desperdice isso!
Randon"


OI MEUS AMÔ!
Depois de uma vida consegui terminar o capítulo! um desastre? Sim, mas estou tentando melhorar, juro!
Bom, peço desculpas pela eternidade que levou para soltar esse capítulo. Eu realmente gostaria que vocês não precisassem esperar :(
De toda forma, informo que já comecei a reescrever Vermelho e lembro para aqueles que leem Right Here que vou fazer uma mini maratona ainda hoje!

Bom, é isso!

Eu amo vocês 💙


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