Se houvessem apenas ratos esperando por mim no próximo mercado em que eu entrasse, eu os comeria, tamanha era a minha fome.Era o meu segundo dia sozinha, eu estava na cidade abandonada, cujo o nome eu ainda não sabia e nem me importava. Quase não consegui dormir na primeira noite, sempre que eu cochilava, lembrava das pessoas da loja de conveniência, de qualquer forma, elas não poderiam estar piores do que eu.
Voltei a falar com minha mãe morta, isso sempre acontecia quando eu começava a acreditar que morreria em breve. E sempre pela mesma razão, a fome. Pelo menos eu ainda não havia sentido muita sede, mas isso não significava que meu corpo não precisava de líquidos.
Andei pela cidade com medo até da minha própria sombra. Eu era o mais imperceptível possível, para o caso da cidade não estar completamente abandonada, mas duas ou três vezes tive que correr de alguns cadáveres, não queria atirar neles e, matá-los de outra forma iria me cobrar uma energia que eu não possuía.
Invadi quantos lugares consegui, desde moradias simples, mercados, lanchonetes e até estabelecimentos de qualquer coisa que surgisse pela frente. Encontrei ratos, baratas e aranhas, mas nada muito comestível ou que já não tivesse estragado completamente. Depois fui para uma loja de roupas e troquei as minhas antigas por peças mais confortáveis e de tecido duradouro, peguei algumas roupas para as estações mais frias, roupas íntimas e substitui minha velha mochila por uma maior de couro, assim, quando chovesse meus pertences continuariam secos. Encontrei um par de tênis e decidi levá-los por precaução, mas continuei com as botas de Camden, por algum motivo não quis me desfazer delas. Por último, peguei um boné preto para me proteger do sol. A maioria das coisas estavam cobertas de poeira, mas eu não podia me ocupar lavando-as, então apenas tirei o pó o quanto pude.
Saí da loja e percebi que era fim de tarde. Decidi passar a noite ali mesmo. Como a loja era de três andares, subi para o último, onde eu poderia ter uma visão mais ampla da cidade. Antes de arrumar uma cama para mim, fechei todas as portas de acesso ao terceiro andar, me permitindo sentir o mínimo de segurança, mas isso se perdeu quando ouvi gritos e tiros durante a madrugada. Tudo acabou muito rápido e eu não tinha certeza se alguém havia sobrevivido ou se algo havia realmente acontecido, poderia ter sido tudo fruto da minha imaginação cansada e meu corpo faminto.
Quase não me movi até que o sol nascesse novamente.
Demorei para sair da loja. Passei as primeiras horas da manhã observando a cidade pelas janelas. Tudo estava calmo, não condizendo com o que ouvi de madrugada, mas eu ainda precisava encontrar comida, então tive de sair.
Encontrei uma antiga Starbucks perto do que parecia ser o centro da cidade, tudo lá dentro havia sido comido por ratos e outros bichos, mas encontrei uma boa faca na cozinha do lugar e deixei a minha antiga para trás. Encontrei uma única garrafa d'água, esquecida no fundo do refrigerador. Saindo de lá, vasculhei os carros parados ao longo da rua, nem todos estavam vazios.
Cadáveres se remexiam num Ford Ranger azul-escuro que parecia ter capotado, embora estivesse sobre as quatro rodas. Eram dois, provavelmente marido e mulher, os corpos não estavam num estado de degradação tão grande, o que me fez pensar se eles não estavam dirigindo e após sofrer o acidente, não conseguiram se livrar do cinto de segurança e morreram daquela forma. Um acidente como aquele não seria capaz de matá-los na mesma hora.
Entrei num carro vermelho de duas portas. No chão haviam papéis amassados, alguns comprovantes de compra e embalagens vazias de comida, nada de relevante. Pendurado no espelho retrovisor, um crucifixo de madeira e sobre o painel do automóvel, um daqueles cãezinhos de decoração que movem a cabeça com os solavancos do carro, era um dálmata, como o cão que meu irmão Travis tinha e que foi devorado pelos mortos na segunda semana de decadência do mundo. Ouvimos seus latidos em plena luz do dia, mas não tivemos coragem de sair de casa para ver o que estava acontecendo.
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Em Algum Lugar Lá Fora
General FictionUma praga assolou o mundo civilizado como o conhecemos e mesmo cinco anos depois, a jovem Kave de apenas 17 anos ainda têm de aprender a sobreviver num mundo novo, porém tão cruel quanto o antigo. Num fatídico dia, sua vida infeliz é salva por Camde...