Capítulo QUATRO - Morte

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Nós tomamos o café da manhã como se o dia estivesse sendo absolutamente normal. Apesar do susto, depois da nossa crise de risadas, nos sentimos um pouco melhor.

Fomos para a sala e conversamos um pouco, não falávamos nada muito importante ou íntimo demais. Acho que nenhum de nós estava preparado para isso. Havia alguma coisa em Camden que me forçava a não exigir respostas concretas dele, como se ele pudesse quebrar ou ficar irritado, e eu não estava querendo ser expulsa da sua casa por ser intromedita demais.

– Baralho ou xadrez? – ele perguntou quando decidimos nos distrair um pouco. Ele ainda não estava pronto para sair de casa, embora soubesse que os animais estavam muito bem.

Analisei os jogos que ele segurava enquanto esperava pacientemente minha resposta. A verdade é que quando eu era mais nova, tinha uma vida normal e muito tempo de sobra, nunca me importei em aprender como se joga xadrez ou baralho, estava ocupada demais sendo uma criança travessa e muito provavelmente mimada. Eu era possivelmente a única pessoa que não sabia isso, de uma forma ou de outra, Cam teria que me ensinar.

– Eu não sei jogar nenhum dos dois, então...

– Haja paciência – murmurou, fingindo tédio, mas eu sabia que qualquer coisa que o ocupasse ao menos por pouco tempo era sempre bem vindo.

Cam me explicou resumidamente como cada um dos jogos funcionava e qual era o objetivo principal, depois me fez escolher o que me parecia mais interessante. Escolhi o baralho, mas só porque não entendi absolutamente nada sobre xadrez, obviamente não disse isso à ele.

Jogamos a primeira partida e ele ganhou, apesar disso, passei a entender o jogo muito melhor. Depois, eu quase ganhei umas três vezes.

– Você tem sorte que o dinheiro não vale mais nada – comentei, quase ganhando pela quarta vez seguida –, senão eu jogaria para valer e te depenaria vivo.

Ele soltou uma risada semelhante a um bufar.

– Ah, sim, e eu pagaria para ver isso.

Sorri enquanto distribuía mais nove cartas para cada um de nós. Antes de pegá-las, ele ficou me observando por um tempo, um olhar de curiosidade, o que raramente ele deixava escapar.

– Quantos anos você tem, Kave?

– Dezessete – respondi, dando de ombros. Apesar de termos esse tipo de curiosidade, a idade não importa muito mais agora.

– E você disse que estava sozinha há cinco meses – analisou, comprando uma carta antes de fazer sua jogada. – Antes de mim, quem foi a última pessoa que esteve com você?

Desviei os olhos para as cartas em minhas mãos. Eu não queria pensar sobre isso. Fazia muito tempo, tanto tempo que eu me julgava capaz de esquecer a última vez em que alguém se preocupou comigo, qual era a sensação de ter um pouco de calor humano e saber que eu tinha uma proteção irreal ao meu redor, como a proteção que Camden representava agora.

– Brandy James – respondi, depois de demorar alguns minutos, Cam esperou pacientemente, e não deu indícios de que mudaria o rumo da conversa. – Ela era um pouco mais nova que eu, estávamos num grupo maior. Quando fomos atacados, fugimos juntas. Nos abrigamos no cinema de uma cidade perto da fronteira com o Canadá. Ela morreu de hipotermia durante o inverno.

– E a sua família? Há quanto tempo eles...?

Ele nem precisava dizer as palavras, era bastante óbvia sua pergunta. Eles haviam morrido há mais tempo do que a Brandy, mas a dor do luto que eu sentia por eles era muito maior e mais forte.

– Minha mãe morreu no segundo ano, eu tinha catorze. Ficamos meu pai, meus dois irmãos e eu durante quatro meses...

As lembranças surgiram muito intensas na minha mente. Eu nunca havia contado nada daquilo para ninguém, nem mesmo para Brandy com quem fiquei por quase três meses. Conversávamos muito, mas raramente falávamos sobre o passado.

Em Algum Lugar Lá ForaOnde histórias criam vida. Descubra agora