Capítulo OITO - Casa

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Meu rosto estava pressionado contra a madeira velha e suja do chão. Eu estava com frio e com um dor de cabeça terrível, mas não conseguia me levantar. Podia ver que chovia lá fora e que já passava e muito do horário em que eu costumava acordar. Apesar de saber o quão importante era encontrar comida, o tempo não parecia muito disposto à me ajudar, e nem o meu corpo dolorido.

Passei vários minutos – ou seriam horas? – tentando me acostumar com a realidade ao acordar, assim como no sonho que tive, eu estava com alguma dificuldade para aceitá-la. Não conseguia me decidir o que era pior, sonhar com algo impossível ou acordar para a realidade que uma vez eu também acreditei ser impossível. Eu me encontrei tão sozinha quando despertei que nem me importaria se tivesse um gato gordo para me distrair.

Afinal, decidi que precisava tomar banho e tomar um dos analgésicos que encontrei no dia anterior. Talvez eu não devesse ter tomado toda a garrafa de vinho, ao menos não vomitei.

A chuva que caía foi o suficiente para encher todas as vasilhas que deixei na sacada. Carreguei alguns baldes até o banheiro e enchi parcialmente a banheira, depois levei tudo para a sacada novamente para encher mais. Tomei um banho rápido, a água estava mais fria do que eu imaginava e precisei lembrar à mim mesma de passar em alguma farmácia para encontrar mais gazes e faixas, meu ferimento ainda não estava curado completamente e eu preferia não deixá-lo descoberto.

Lavei minhas roupas e as deixei estendidas no encosto do sofá. Decidi sair e procurar mais algumas coisas nos apartamentos vizinhos, mas voltar e passar a noite no mesmo lugar. Até lá minhas roupas estariam secas e eu não perderia toda a água acumulada da chuva.

Entrei em dois apartamentos no mesmo andar onde passei a noite. Ambos estavam completamente vazios, inclusive sem móveis. Supus que ninguém morava neles quando os mortos começaram a sair das covas.

Desci para o outro andar e tentei entrar no primeiro apartamento do corredor, estava trancado e preferi não insistir muito. O próximo estava aberto e encontrei um cadáver preso no banheiro. Antes de abrir a porta, ouvi seus passos no pequeno espaço, ele percebeu minha presença ao sentir meu cheiro e tentava abrir a porta arranhando com as unhas inexistentes na madeira e nas paredes. Não quis perder tempo matando-o, olhei o restante da casa enquanto ele permanecia trancado no banheiro.

Encontrei um pacote de frutas cristalizadas, um pote de vidro com picles em conserva, uma lata de Coca Cola cujo refrigerante devia estar tão velho que provavelmente me causaria câncer no estômago assim que eu ingerisse, uma garrafa de Jack Daniels pela metade, algumas bandagens, isqueiro e um conjunto de pilhas AAA; tudo num só apartamento. No outro consegui apenas pasta de dente e ovos, que eu não me arriscaria a comer nem se fosse a única coisa na face da terra.

Subi e deixei tudo no meu dormitório provisório. Enquanto bebia água e observava a rua pela janela, percebi um movimento não muito distante dali e logo depois o ronco familiar de um veículo. Pensei que poderiam ser as mesmas pessoas que invadiram a casa do Camden, mas esse estava sozinho e parecia um homem com cerca de quarenta anos. Ele parou o carro na frente de um prédio, mas não consegui ver o que era. Depois de demorar alguns minutos dentro do carro, ele finalmente saiu e correu para dentro do edifício. Passaram-se horas, então levei um susto imenso quando ouvi um tiro.

Eu esperei por mais alguns minutos, mas tudo continuou quieto. Alguns mortos começaram a aparecer na rua, e ficaram andando de um lado para o outro, sem saber ao certo de onde ouviram o tiro.

Não consegui pensar em mais nada além da chance de botar as mãos naquele carro. Até onde eu sabia, o dono do automóvel poderia muito bem estar morto, mas eu continuava viva e precisaria mais do que ele de um meio de transporte.

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