Eu tinha apenas uma bala e a fome era tanta que eu pensava se não seria mais sensato apontar a arma para minha cabeça e acabar com tudo, inclusive com a dor no meu estômago, e não aquela dor irritante de quando percebemos que talvez devêssemos fazer um lanche, era uma dor forte que me dizia que eu estaria morta em breve se não encontrasse qualquer farelo que fosse de comida.Pela milionésima vez naquela manhã, massageei meu estômago, tentando em vão acalmá-lo, mas eu estava tão vazia que agora não era só minha barriga que doía e reclamava, todo o meu corpo parecia doer e reclamar enquanto eu continuava avançando através de uma pequena floresta de árvores espaçadas, e para minha infelicidade, nenhuma delas era frutífera.
Olhei para o céu e minha garganta se apertou com aquela visão. Aquele ainda era o mesmo céu azul de quando eu tinha seis anos, de quando eu tinha dez, ou doze, mas agora ele me fazia ter vontade de chorar, apesar de mim não poder desperdiçar qualquer lágrima, não naquele momento.
Atravessei cerca de vinte árvores incrivelmente vivas e belas, foi quando a floresta se abriu e deu espaço para uma campina de grama espantosamente verdejante que encheu meus olhos de cor no mesmo instante. Me aproximei questionando se minha fome já estava me proporcionado miragens, mas ao que tudo indicava, eu realmente estava vendo uma árvore de maçãs. Com o resto da minha energia, corri e parei aos pés da árvores, deixei que minha mochila deslizasse dos meus ombros, mas mantive a arma no coldre em minha cintura. E finalmente, sob a sombra daquela magnífica macieira, que me representava um pouco de esperança, fechei os olhos, inspirei fundo e soltei uma forte gargalhada.
O som da minha voz reverberou pela campina e pela floresta, quase como a risada de um fantasma, de alguém que de fato não existia mais neste mundo, era estranho pensar assim. Nunca acreditei em fantasmas.
Não demorei muito tempo para começar a escalar a árvore, não era alta, mas se houvesse qualquer fruto nela, estaria nos galhos mais altos, onde meus braços seriam incapazes de alcançar do chão. Foi uma decepção perceber que não havia mais maçãs, embora eu devesse ter percebido, já havia passado a temporada de maçãs há algumas semanas. Eu havia chegado tarde demais.
Meu estômago pareceu doer ainda mais com a última revelação, então tentei me deitar num dos galhos mais grossos e disse para mim:
– Você venceu, mãe. Eu vou te encontrar...
Minha mãe estava me chamando em meus sonhos há alguns anos. Sussurrando-me para desistir desta vida e de todas as misérias que eu tinha de enfrentar para continuar vivendo. É claro, eu sabia que aquilo não era real, afinal, ela estava morta há muito tempo, mas no fundo da minha mente, eu queria que ela estivesse realmente me chamando, e eu a abraçaria e choraria em seu colo por finalmente estar salva desse mundo. Eu choraria como nunca antes. Eu choraria tudo o que reprimi, começando pelo dia em que ela morreu, e depois o dia em que meus irmãos tiveram que morrer, e finalmente, o dia em que meu pai se matou por remorso.
Prestes a fechar os olhos, minha visão capturou a imagem de algo reluzente entre as folhas da macieira. Algo vermelho como sangue e vivo.
Levantei, ainda com medo de uma nova decepção. Eu já havia me rendido e permitido que a morte me buscasse, mas alguém ainda não havia desistido de mim. Subi mais alguns galhos, cada um perigosamente mais fino que o anterior, eu tive medo, porém os ignorei quando cheguei até aquela suculenta maçã. Era a coisa mais viva que eu tinha encontrado nos últimos meses, vermelha cintilante, sem quaisquer imperfeições visíveis na casca, quase tão grande quanto meus dois punhos fechados. Parecia com toda a sinceridade, um milagre.
Era isso. Não havia qualquer outra explicação. Aquilo não era uma maçã, numa macieira qualquer, numa campina qualquer. Aquilo ali, aquela visão enchendo meus olhos de lágrimas e minha mente de esperança, aquele pequeno pedaço de alimento vermelho, às vezes comparado ao primeiro pecado do homem, aquilo ali era um milagre. O meu milagre.
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Em Algum Lugar Lá Fora
Ficción GeneralUma praga assolou o mundo civilizado como o conhecemos e mesmo cinco anos depois, a jovem Kave de apenas 17 anos ainda têm de aprender a sobreviver num mundo novo, porém tão cruel quanto o antigo. Num fatídico dia, sua vida infeliz é salva por Camde...