Eu não cheguei à cidade, eu nem mesmo continuei tentando depois que cerca de três carros passaram em alta velocidade pelo asfalto. Estavam juntos aparentemente e seguiam na direção da fazenda. Eu simplesmente esqueci qualquer prioridade do momento e voltei para casa sem parar para descansar.Meu medo não era irracional, e isso era o pior de tudo. Mesmo com as armadilhas, eu não estava mais lá para proteger a fazenda e, de qualquer forma, o que eu poderia fazer sozinha? Estava bem óbvio para mim que eles estavam em maior quantidade e eram hostis o suficiente para me matar se eu representasse qualquer empecilho. Aquele grupo era como outros que cruzei em algumas ocasiões, eram ladrões, quase como gafanhotos, indo de plantação em plantação, pegando tudo o que queriam sem se preocupar com nada além de si mesmos.
Quando cheguei perto da fazenda, andei através de um atalho para me aproximar sem ser vista. Havia uma floresta no lado noroeste da casa, ficava um pouco distante, mas eu conseguiria observar de lá sem ser detectada. Minha última esperança era de que, quem quer que fossem, eles não tivessem encontrado a fazenda. Eu não estava preparada para perder tudo tão repentinamente, não tinha nem um segundo esconderijo para me abrigar caso o pior tivesse acontecido. Foi a primeira vez que vi como bom sinal a saída de Reid e Pauline da fazenda.
Aquelas pessoas eram parasitas, se aproveitando do trabalho e do esforço dos outros sobreviventes. Isso me fazia odiá-los ainda mais. Eles não plantavam, como eu tive de fazer durante longas semanas, eles simplesmente usavam todo combustível que dispunham para procurar lugares como a minha casa, cheia de comida e mantimentos, e se me encontrassem, o pior que poderia me acontecer era levar um tiro na cabeça, outras hipóteses eu simplesmente não tinha estômago para cogitar.
Talvez finalmente alguma das minhas preces tenha sido ouvida.
A fazenda estava tão deserta quanto antes de mim sair de lá, e encarei toda aquela solidão como um bom sinal. Eu não me importei se teria de continuar pelo resto da minha vida tendo apenas como companhia a voz na minha cabeça. Por hora, eu estava segura, e só aquilo importava.
Nos dias seguintes eu comecei a racionar comida, o suficiente para que o inverno não fosse tão difícil quando finalmente chegasse. Eu me acostumei a comer pouco e sempre me enchia de água para demorar a sentir fome. Eu não saí da fazenda e não tinha qualquer plano de fazer isso nos próximos dias, a única coisa que planejei foi uma fuga rápida caso acontecesse uma invasão. Deixei mantimentos escondidos em alguns pontos específicos da floresta e minha mochila permanecia cheia, debaixo da cama. Se eu visse ou ouvisse qualquer coisa suspeita, bastava pegá-la e correr pela porta de emergência que fiz à base de machadadas na parede da cozinha.
Tudo isso me manteve ocupada e me fez sentir segura conforme os dias passavam e nada de estranho acontecia.
Chegou o dia em que restaram apenas um conjunto de pilhas e tive de abrir mão das músicas. Eu odiei cada segundo até me acostumar novamente a não ouvir nada que não fosse a natureza ao redor. Pelo menos, assim como muitas outras coisas na minha vida, eu mantinha os sons e as letras na minha cabeça e as reproduzia mentalmente quando não suportava mais. Era assim também com alguns acontecimentos da minha vida e a presença da minha família há anos atrás. Eu tinha tudo na cabeça, mas conforme os dias seguiam, alguns detalhes começavam a faltar. Damien tinha uma pinta na bochecha direita ou na esquerda?
O que era mesmo que dizia na quarta estrofe da canção Soldier On?
“Soldado em marcha, soldado em marcha
Mantenha o seu coração no chão... ”Acho que era isso mesmo...
Usei as últimas duas pilhas no walkie-talkie. Parte de mim acreditava que aquilo era um tremendo desperdício. Muita coisa poderia ter acontecido com Reid depois da morte da filha, ele mesmo poderia ter se matado. Eu não queria isso, mas sabia que era uma possibilidade. Quantas vezes eu mesma pensei sobre isso após a morte da minha família? Vezes demais para contar.
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Em Algum Lugar Lá Fora
General FictionUma praga assolou o mundo civilizado como o conhecemos e mesmo cinco anos depois, a jovem Kave de apenas 17 anos ainda têm de aprender a sobreviver num mundo novo, porém tão cruel quanto o antigo. Num fatídico dia, sua vida infeliz é salva por Camde...