Na minha cidade, os menores infratores – como nos chamam –, dependendo de seus crimes são obrigados a cumprir pena até a maior idade. No meu caso, disseram-me que eu não estava recluso, mas também não me deixavam sair. É como meu professor na escola falando sobre temos liberdade, mas até para mijar você tinha que pedir permissão.
Não tinha muito o que reclamar, porém. Naquele lugar, cada um tinha o seu quarto. Tínhamos refeições quentes durante o dia e recreação; desenhos, leitura da bíblia. Mas nem tudo eram flores. Tinha um carinha lá chamado Sergio, que se achava para os outros meninos. Se achava o fodão, sabe? Contava histórias, e quem não se mostrasse deslumbrado pelo seu espetáculo, estava fadado a virar o seu alvo. Eu sentia algo como nunca antes dentro de mim quando o via pelos corredores com aquela sua cara debochada. A vontade de abrir sua cabeça era tão grande, e nem mesmo a leitura semanal da bíblia me fazia refrear.
E então houve o dia que ele teve a infelicidade de me escolher como alvo.
Era uma tarde de verão, jogávamos xadrez. O tal Sergio perguntou se eu era demente, pois não demonstrava reação às suas piadas. Os garotos à sua volta, parecendo pombos numa praça cercando o milho, riram, como sempre. Eu tinha a peça do rei em mãos. Apertei meus dedos contra o objeto. Segundos depois, o garoto gritava. A peça do tabuleiro já não estava mais na minha mão. De alguma forma se encontrava cravada em seu olho. Não sei como foi parar ali. Mas se fosse para dar um palpite, diria que fui eu que fiz isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Antimoral
HorrorVocê acha que as pessoas podem nascer boas ou más? Ou simplesmente vão se transformando durante o tempo?