4 - Gritos

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Marta, a assistente social, disse que era minha amiga, porém nunca mais tornei a vê-la.

Depois dali, fui para um reformatório pior. Fiquei numa cela onde as paredes eram sujas, com infiltrações e mofo. Me dava vontade de espirrar. Haviam guardas escrotos naquele lugar. Lhe jogavam a comida por baixo das barras de ferro. Às vezes metade caía do prato no movimento brusco. Ignorantes. Já não era muita coisa que vinha.

Se bem que aquilo era uma gororoba só! Sem sal, sem gosto, apenas um aspecto nojento. Não era feijão e caldo; estava mais para caroço e água.

Sem falar nas histórias que se ouvia daquele lugar. Havia uma ala desabitada, sem condições de uso. Pelo que soube, foi um incêndio que destruiu tudo. Os guardas falavam sobre as almas que gritavam por seus corpos queimados até hoje. Todas vagando por ali.

E de fato, eu podia ouvir os gritos, todas as noites. Mas aquela merda nunca me meteu medo. E sim um certo fascínio. Era meio dia, a hora do nosso banho de sol no pátio, quando me esgueirei por aqueles corredores desolados.

Cheguei facilmente neles seguindo os gritos. Pensei que só se podia ouví-los à noite. Mas pareciam bem vívidos agora também.

Uma ratazana do tamanho de um gato chispou por ali, sumindo por um buraco no chão (mais tarde eu a nomearia de Sara). A maioria das celas não tinham barras, e as que tinham, os portões não se fechavam. As paredes eram negras, marcadas pelo incêndio.

O lamento do espírito perdido tornou-se mais alto. De perto, percebi que aqueles gritos e choros não se pareciam muito com os de um espírito – não que eu saiba como é um de verdade. Espreitei dentro de uma das celas abandonadas e vi que haviam pessoas ali. Dois guardas, um deles segurava um garoto da minha idade, enquanto o outro, com as calças na altura dos joelhos, ficava por cima dele.

Não podia ficar mais decepcionado. As lamentações vinham do garoto. Não era espírito coisa nenhuma. Um dos guardas olhou para trás e me viu. Sabia que aquilo não era boa coisa.

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