Essa é uma questão aguda, pertinente, universal. Imagino que todos já se fizeram essa pergunta, alguns filósofos ainda refletiram ontologicamente sobre qual o sentido da vida. O clássico "de onde vinhemos, para onde vamos e por que estamos aqui?". A intenção aqui não é necessariamente fazer essa pergunta, Heideggers e Sartres já dissecaram tão bem o existencialismo que, para mim, já não faz tanto sentido repetir com minhas palavras o que outros já disseram. Não, meu intuito não está em pensar na resposta mas na pergunta em si. Afinal: Por que nos questionamos sobre qual o sentido da vida?
Podemos dizer que a necessidade de dar um sentido à existência vêm do reconhecimento humano de padrões. Sabemos que o ser-humano reconhece e associa padrões que apreende, uma das muitas ferramentas herdadas do primitivismo humano. Eu particularmente gosto das investigações naturalistas e epistemológicas acerca da natureza humana, mas o que leva o indivíduo a procurar um sentido ou um significado para a sua existência não está necessariamente e exclusivamente no fato de o ser humano reconhecer e associar padrões naquilo o que apreende do que lhe é extrínseco. Vale ressaltar que isso por sua vez é algo inédito no que diz respeito às espécies, o humano é a única criatura capaz de questionar-se acerca do sentido de sua existência. Dito isso, por que as questões existencialistas não cabem às demais criaturas? Ora, e por que caberiam? O que é natural em estados primitivos não é a razão e sim o instinto, não a vivência mas sim a sobrevivência, o sentido da vida para as demais criaturas é a perpetuação de sua espécie, e isso por sua vez não requer discussões maiores, é intrínseco a toda criatura existente a sobrevivência e perpetuação de sua vida, e isso, por sua vez, é o sentido mais essencial, primitivo e natural daquilo o que é vivo: permanecer vivo, este é o sentido biológico da vida dos seres vivos em geral. Aquilo o que na filosofia é conhecido como a pulsão da autoconservação, uma das pulsões primárias do homem.
Sendo assim, investigar a gênese da questão levantada implica investigar onde o homem perdeu o seu primitivismo, afinal, quando foi que o instinto passou a não mais bastar para o homem? E acredito que pode-se dizer que foi no advento da organizações sociais e do estado. Ora pois, quando o homem dominou a cadeia alimentar a ponto de não mais sujeitar-se ao selvagerismo ele perdeu parte daquilo o que o tornava essencialmente animal(não que o tenha deixado de ser), a partir do ponto em que sua espécie passou a superar e subjulgar as demais apenas sobreviver já não fazia mais sentido, as associações que os homens faziam entre si. E em certo ponto, os homens já não eram mais pequenos grupos de caça, clãs ou apenas famílias, o homem passou a se organizar em estruturas maiores, povoados, vilarejos, pequenas pólis e as grandes cidades-estado. E nesses meios de organização e sociedade abandonou-se a luta pela cadeia alimentar(afinal os humanos já estavam no topo) e a luta agora tinha seu cerne na cadeia de castas, isso é, "luta-se", a grosso modo, pela perpetuação da sociedade e do estado, luta-se para ter significância e importância nas estruturas sociais; pouco importa agora se seremos atacados por lobos ou ursos, os soldados nos defenderão, minha luta agora é pagar os impostos, não desobedecer às leis ou ao estado e ser o indivíduo que a minha organização social espera que eu seja. A partir disso foi que o homem passou a questionar qual o sentido da vida, quando este se tornou extrínseco, quando o instinto passou a não mais bastar e o homem, agora um indivíduo social, passou a trabalhar e agir não em nome de sua perpetuação ou da perpetuação de sua espécie, mas sim pela perpetuação de seu meio social e de sua cidadania. Com isso concluímos que a pergunta "qual o sentido da vida" tem sua gênese com o advento da sociedade e do estado.
Agora, pensemos mais um pouco: o que nos leva a perguntar "qual o sentido da vida"? E pode-se dizer que o que nos faz ter essa pergunta(não entrando em metafísica ou ontologia aqui) é a insatisfação. Quando estamos inquietos, insatisfeitos, ou simplesmente tristes essa pergunta nos convém, é nesses momentos em que questionamos qual o sentido de nossa existência, nesse aparente vazio de significado e de sentido. Perceba que não fazemos essa pergunta em momentos de felicidade ou de êxtase, essa pergunta não é própria desse tipo de sentimento, ninguém tem crises existenciais quando está em proveito de um momento com amigos ou quando está em êxtase com seu parceiro na cama, o significado da vida não importa, quando estamos tomando um bom café ou fazendo as coisas que gostamos e que temos proveito em fazer. E mesmo se assim o fosse, logo a pergunta seria respondida, se a tivéssemos em um momento com nossos amigos logo responderiamos "o sentido da vida é viver bons momentos com as pessoas que gostamos", e se então, nos vinhesse esse questionamento em meio ao tálamo(o que é algo um tanto improvável) logo pensaríamos "o sentido da vida é o amor, o êxtase e o prazer", se enquanto tomamos nosso desejado café nos perguntarmos qual o sentido da vida, logo responderemos "o sentido da vida é ter proveito dos pequenos momentos", e se a questão, enfim, vinher a nós enquanto estamos fazendo aquilo o que mais gostamos de fazer responderemos enfim que "o sentido da vida é fazer aquilo o que gostamos". Em suma, a problemática da existência pouco importa aos momentos de felicidade, êxtase e satisfação, não é aí que ela se manifesta, ninguém se preocupa com a problemática existencial quando se está em proveito da existência, essa pertinente pergunta cabe aos momentos tristes, insatisfatórios, aos momentos de tédio ou de desespero. E a pergunta "qual o sentido da vida?" está tão intimamente ligado aos momentos de insatisfação, inquietude, dor ou sofrimento que perguntar "qual o sentido da vida?" no fundo não é perguntar qual é mesmo o sentido da vida, qual a finalidade da existência. Perguntar "qual o sentido da vida?" é na verdade perguntar "qual o sentido do sofrimento?", isso é, se a felicidade, o prazer, o bem maior é possível então por que a tristeza e o sofrimento também o são? Essa é a verdadeira pergunta, e isso é o que verdadeiramente importa. E é assim que se responde "qual o sentido da vida?" não através de páginas e páginas de dissertações filosóficas mas sim através da introspecção e do auto-julgamento, a gênese da problemática existencial está na gênese da problemática do sofrimento. Afinal, perceba, a problemática existencial só preocupa àqueles que, de alguma forma, estão insatisfeitos com a própria existência.
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Aurora do Pensamento
Non-Fiction"Máximas e considerações que constituem prolegômenos para uma filosofia posterior". Aurora do Pensamento reune uma diversidade de ensaios de cunho filosófico, que tratam dos mais diversos assuntos dentre estes o conhecimento, a literatura, a socieda...