Destino

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Flashback
Atlanta, agosto de 2014
Audições para a escolha do elenco de Stranger Things. 

As pernas ainda pequenas de um Finn Wolfhard mais jovem travavam uma batalha desesperadora para se manterem imóveis ao máximo. Suas mãos suavam em puro nervosismo. Mais patético do que aparentava estar agora, só se existissem dois dele, o garoto pensava.

- Wolfhard? - Uma voz fina como garoa e brevemente familiar, chama por ele. O jovem volta-se sobressaltado para a figura pequenina de uma garota de cabelos castanhos e ondulados, trajando um vestido e utilizando uma tiara levemente rosada. Seus olhos eram dourados e sua expressão, apesar de incerta, também era doce. De uma coisa o canadense tinha absoluta certeza: nenhum outro sotaque fora tão lindo murmurando seu sobrenome, foi a primeira vez que ele sentira cócegas no estômago sem a ajuda das mãos de algum adulto durante brincadeiras.

Era estranho, mas também era bom.

- Oi, Brown. - O garoto sorri, ainda que tímido, entrando na brincadeira. - Como foi? - Ele questionou, escondendo as mãos nos bolsos de sua calça. Finn não gostaria que Millie percebesse seu nervosismo.

- Foi bem. - Ela responde, simplesmente, como se não fosse nada demais. - E pra você, como foi? - Foi bem também. - O garoto diz, quase que no mesmo tom.

Alguns segundos de um silêncio constrangedor entre duas crianças incertas. As íris de Millie despencaram até o chão e as de Finn decidiram encarar um ponto qualquer da parede pálida do corredor. Seus corações tremiam repleto de dúvidas e de pavor, o pavor da rejeição, de terem desperdiçado o tempo de suas respectivas famílias a toa. Aquele terror era maior em Millie. A pressão a qual fora submetida pelos próprios pais mal podia ser classificada como humana. Ambos haviam deixado as audições há alguns minutos e estavam ansiosos para saber qual fora a escolha dos diretores e roteiristas. Eles atuaram juntos, em seguida Millie atuara com outro garoto e Finn com outra garota. E agora, a ansiedade lhes corroía.

- Eu acho que você seria a melhor Eleven. - Wolfhard arrisca dizer, voltando a olhá-la. Brown levanta os olhos apavorados para os olhos pacifícos do menino. Ela abre um pequeno sorriso, sentindo-se mais leve com a visão de seu rosto cheio de sardas. Sardas pequeninas. Pontinhos que poderiam ser estrelas vistas de longe em uma nova galáxia.

Constelações. A garota pensa, reprimindo uma risadinha. Ela guardara aquele momento em seu coração por anos a fio.

Quando percebe, está mais calma e seus batimentos cardíacos já não estão demasiadamente acelerados.

- E eu acho que você seria o melhor Mike. - Millie diz suavemente, fazendo-o sorrir dessa vez.

- Espero que os diretores percebam isso também. - O garoto murmura, libertando as mãos de seus bolsos, sentindo-se igualmente mais relaxado. - Porque não consigo me ver fazendo esse papel com outra menina.

- Eu também não consigo me ver fazendo o papel com outra pessoa. - Brown confessa, suspirando. - Tem que ser a gente.

- Estou torcendo por isso.

Finn não lhe respondeu, não precisava afinal. Seus sorrisos encararam-se, certos de algo. Os olhos negros do pequeno Finn Wolfhard sabiam. Os olhos douradas da pequena Millie Bobby Brown sabiam. Seus corações sabiam também.

O destino lhes preparara aquele momento.  

🎬💖 Millie

- Então, quer dizer que eles fizeram você ficar sensual pra poder te fotografar? - Sadie ia dizendo, enquanto terminava de se maquiar de frente para o espelho, após ouvir-me lamuriar sobre o photoshoot por alguns minutos.

- Basicamente. - Respondo, suspirando, deitada na cama de barriga para cima encarando o teto.
- Estou com medo.

- Medo do que? - A ruiva deixa o pincel que utilizava para espalhar blush rosado por suas bochechas por sobre a penteadeira. Os olhos azuis encaram-me, aguardando uma resposta.

- Do como vão reagir diante disso. - Confesso. Fecho os olhos por um segundo e pouso as mãos sobre a barriga. - O que a família do Finn não vai pensar? O que os meus fãs não vão pensar? O que os pais das meninas adolescentes que me seguem não vão pensar? Eu deveria servir como um modelo a ser seguido. Lutei para isso por anos e ainda assim não consegui manter a imagem.

Sadie e eu estávamos nos arrumando para comemorar o seu vigésimo aniversário. Daqui há alguns minutos deveríamos estar todos lá embaixo para chegarmos ao boliche no horário combinado. Eu já estava pronta há algum tempo e desde que Noah entrara para o banho, decidi vir me aconchegar no quarto de minha amiga, pois o pavor me corroía e eu não poderia ficar sozinha por muito tempo.

Sadie caminha até a minha figura e deita-se ao meu lado para me fazer companhia. Ambas encaramos o teto, pensativas, respirando calmamente. Aquele assunto era delicado, nenhuma de nós aprova a sexualização de garotas jovens, ainda que maiores de idade. Para a mídia, no entanto, éramos muito mais produtos do que simples garotas.

- Mas isso não é culpa sua. - Sink murmura, encarando o meu rosto. - Não foi você quem escolheu o tema do ensaio e como seriam as fotos. Além disso, o Finn tem razão: você ainda pode inspirar diversas garotas por aí. Pode usar essas fotos como uma ferramenta de aceitação, e os pais do Finn sabem quem você é de verdade. Nós sabemos.

- Como você se sentiu? - Questiono, incerta, ainda sem coragem de olha-la. Meus olhos ocupavam-se, no instante, em observar o teto pálido, enquanto o coração palpitava dolorido, preocupado.

- Como assim? - O tom de sua voz demonstrava confusão.

- No ensaio que fez ano passado.

Silêncio novamente. De soslaio, vejo o rosto de Sadie voltar-se inexpressivo para cima outra vez. Sink fizera um photoshoot para a Vogue no ano interior, onde expôs a marca de roupas na qual trabalhava. Lembro-me do quanto comemoramos e do quanto ela ficara feliz com a notícia. Era louvável, de fato, uma moça tão jovem posar para uma das revistas de moda mais famosas do mundo. No entanto, o ensaio demandou da ruiva sensualidade exacerbada e ela precisara, inclusive, manifestar-se em suas redes sociais esclarecendo o tema proposto pelo photoshoot, justamente graças a opinião negativa massacrante do público. Ainda assim, demorou um tempo para os ataques pararem.

Ela suspira, antes de falar:

- Foi terrível. - Confessa. - Eu não pude fazer nada quanto aquilo, infelizmente. A minha gestão não me deixou esquivar do trabalho.

Eu a olho. Nossos olhos encontram-se, compreensivos, empáticos.

- Apesar disso, e de todos os ataques que sofri, tive pessoas que ficaram ao meu lado. - Ela sorri, segurando em minha mão. Devolvo o sorriso, feliz por saber que não deixei de estar presente. - Pessoas que me amavam, sabiam quem eu era e que eu não tinha culpa das coisas pelas quais escolhiam por mim, graças a minha carreira. Fiz o mesmo com você durante todos esses anos e continuarei fazendo. Mesmo que os ataques venham, uma hora eles vão parar e ficarão no passado, você sabe disso melhor do que ninguém.

- Você tem razão. - Meus olhos enchem-se de lágrimas. Eu não queria incomodá-la, mas estava impossível guardar aquilo e definitivamente não desejava sofrer mais e mais com comentários maldosos na internet de pessoas que nem mesmo me conheciam.

- Não chora, Ketchup. Vai estragar a maquiagem e você está linda. - Sadie volta o resto de seu corpo para mim, sorrindo.

- Olha quem fala. - Reviro os olhos, rindo. Fungo, lutando para conter o choro que viria a qualquer segundo. - Você está amassando o seu cabelo e ele está lindo.

- Isso eu dou um jeito fácil. - Sink pisca. - Maquiagem dá trabalho.

- Tem razão. - Respiro fundo, chacoalhando a cabeça. - De novo.

Rimos juntas por alguns segundos. Ocupo-me em voltar o corpo para minha amiga também, sem soltar as nossas mãos.

- Eu só não queria que as mulheres fossem tratadas assim nessa indústria. - Digo, após cessarem as risadas.

- Eu também não. - Sadie suspira. - Mas se no anonimato isso ocorre, imagina com as figuras que são públicas? Britney Spears, Demi Lovato, Camila Cabello, Ariana Grande, Selena Gomez... E mais algumas incontáveis celebridades que passaram pelo mesmo. Conosco não seria diferente, infelizmente.

- Isso é injusto. - Enrugo a testa, enraivecida com essa situação. - Os homens não precisam passar pelo mesmo, é quase como se não fossemos ser valorizadas o suficiente se não exibirmos as nossas peles.

- Sim. - Sadie concorda. - Mas passaremos por isso juntas, certo? E da melhor forma possível. Vamos quebrar a internet. Eles querem sensualidade, você vai esbanjar segurança com seu corpo.

- Eu não sei ser fora da lei. - Brinco, rindo.

- Eu te ensino. - Sink diz. - Ás vezes ser fora da lei é necessário.

Nesse mesmo instante, a porta do quarto da garota é escancarada e nós nos levantamos em um pulo, assustadas.

- Sentiram minha falta? - Jack Grazer cruza os braços e sorri, encostando-se ao batente da estrutura.

- Grazer! - Sadie saltita de alegria até o garoto, o sufocando em um abraço. - Que saudades, cunhadinho.

- Feliz aniversário, Sads! - Dylan sorri, afagando-lhe os cabelos ruivos.

- Solta o meu boy, piranha. - Noah surge, separando-os.

Gargalho, levantando-me da cama.

- É meu aniversário, encosto. - Sadie faz uma careta. - Dá um tempo.

- De nada por vir te buscar por estar atrasada pro seu próprio aniversário, cover barato da Marina Ruy Barbosa. - Schnapp rebate.

- Quem é Marina Ruy Barbosa? - Franzo o cenho, cruzando os braços enquanto reprimia uma risada.

- Atriz e modelo brasileira, desinformada. - Noah diz, puxando-me junto de Sink para deixarmos o cômodo.

Ao mesmo tempo em que gargalhava de nossa bagunça, disparamos em direção a saída do apartamento, nos certificando de que tudo estaria fechado e desligado. Enquanto estivesse em suas companhias, eu teria o mundo em minhas mãos, sentiria-me amada, aceita e sem medos. Passar por isso poderia ser mais fácil do que aparentava. Além do mais, eu tinha Ana, que sempre me auxiliava. Tudo daria certo.

Ao menos, eu esperava que sim. 

Behind The ScenesOnde histórias criam vida. Descubra agora