Infortunadamente o dia passou devagar para Sarah, que ficou maior parte do tempo em seu quarto lendo, esperando pelo momento oportuno em que seu marido saísse para a casa de jogos. Pelo visto ele tinha escolhido ir à noite naquele dia, o que tornava as coisas mais difíceis para ela.
No meio da tarde a mãe de Willian a convidou para um chá na área externa da casa, onde havia um pequeno e agradável jardim cheio de flores amarelas e brancas.
Ansiosa, Sarah tinha decidido manter em segredo seu plano, com medo de que a mãe de Willian pudesse discordar dela e tudo fosse água a baixo. Era difícil manter um segredo de Cecil, já que a senhora era boa em f2azer perguntas e desconfiar das pessoas.
— Está um pouco pálida hoje, querida. — atentou a mãe de Willian, enquanto levava a xícara de chá aos lábios.
A mulher a olhava com perspicácia, era como se pudesse ver acima da verdade de Sarah.
— Estou sentindo falta dos passeios pelo campo. Eu costumava tomar bastante sol, senhora. — explicou a jovem sorrindo.
Sentia falta dos campos ensolarados da fronteira, quando os recorria livremente, sem preocupar-se com qualquer preocupação da vida junto de sua amiga Celia, passando as tardes sob a sombra das arvores conversando sobre como seria viver em Londres. E agora Sarah experimentava essa sensação, e podia dizer que era angustiante.
Londres a sufocava, com seu ar carregado, seu movimento intenso de pessoas pelas ruas, os animais trotando entre os mercadores, e principalmente a falta de espaço. Mesmo que a casa de seu marido fosse grande ainda assim era sufocante. Mas ela tinha escolhido ir até ali, e não seria a saudade de casa que a faria desistir de seu plano.
— Vi que falou com Willian na noite passada. Espero que tenha conseguido algum avanço.
Sarah suspirou. Nada. O marido era difícil, se comunicava pouco, e quando o fazia era para rejeitá-la.
— Seu filho é muito teimoso, senhora. Pensarei em uma forma melhor de convencê-lo. — disse Sarah, bebendo do chá.
Cecil sorriu, porque sabia exatamente como era o filho, e como ele se comportava.
— Aos poucos conquistará o coração de Willian, menina. Seja paciente e dedicada, que em pouco tempo ele se apaixonará por você.— ela falou tranquilamente, como se esperando que aquilo acontecesse em breve.
Sarah engoliu em seco. Queria que as coisas fossem tão fáceis daquela forma. Na verdade, gostaria apenas que o marido a ouvisse, assim então as coisas poderiam decorrer de maneira melhor.
Ela tinha tanto para lhe falar. Dizer-lhe que desde o primeiro momento havia sentindo uma grande conexão com ele, que mal podia explicar, dizer também que sua aparência era apenas um detalhe diante do homem que ele era.
—Me esforçarei para isso, senhora. Eu prometo. — disse ela solenemente.
Depois disso, Cecil disse que precisava se retirar, e enquanto Sarah voltava para seu quarto viu um homem alto, de cabelos escuros entrar no escritório do marido, e ela se perguntou quem poderia ser. Algum amigo?Ela nem sabia se o marido tinha amigos, ou se mantinha uma vida completamente isolada.
Deixou o assunto de lado, subindo os degraus da escada, rumo a seu quarto.
***
—A que devo a visita, Anthony? — Willian perguntou enquanto servia ao amigo um pouco de bebida.
O lorde de olhos azuis e cabelos negros sorriu, já sabendo como era o humor do amigo normalmente.
— Cheguei de Bath ontem, e decidi que precisava ver a pessoa mais bem informada de Londres. — provocou ele, arrancando uma risada do outro lorde.
Willian entregou a taça a ele, e serviu a si mesmo, enquanto recostava-se na cadeira, e suspirava profundamente.
— Está escolhendo errado as pessoas, Anthony. Mal saio de casa, se bem sabe.
O amigo estalou a língua, revoltado.
— Sabe o que acho dessa sua reclusão, Willian. Deveria estar convivendo normalmente na sociedade. Todos esperam por sua grande volta.
— Isso não vai acontecer. — deu um gole na bebida e o fitou. — Nunca mais me verão novamente.
Anthony deu de ombros, exausto de em vão tentar convencer o amigo. Sempre tinham aquela conversa, e a resposta de Willian era sempre a mesma. Negação. Era como se estivesse lhe ofendendo dizer tal coisa, então o lorde estava decidido a deixar o assunto do lado, e desistir de tentar fazer o amigo mudar de ideia.
— Preciso ser sincero e dizer-lhe a verdade, que ouvi por aí que uma certa jovem de aparência agradável chegou em sua residência há alguns dias, e que ela se diz ser sua esposa. — confessou Anthony, animado.
Willian bufou, irritado.
— Ela é minha esposa. — sua expressão era de descontentamento. — Apareceu em minha casa depois de um ano com a ideia de que devemos viver um casamento de verdade.
Anthony riu, disfarçando depois de um olhar amargo do amigo.
— E como bem o conheço, o bom amigo não tem interesse em tornar este casamento real. Estou certo? — apostou ele, atrevido.
— Está. — concordou Willian. — Ainda não decidi o que fazer com ela.
— Mande-a de volta. — sugeriu Anthony.
Willian o fitou.
— O pai morreu, ela não tem mais ninguém, além da mãe. — explicou, servindo-se de mais bebida. Precisava de uma dose maior para suportar tudo que estava acontecendo.
— Mande-a para outra casa longe daqui. — o lorde deu mais uma brilhante ideia.
O amigo o encarou com pouca crença em sua fala.
— Ela faria um escândalo, com toda certeza. — explicou Willian, desanimado.
Anthony deixou a taça vazia sobre a mesa do amigo e respirou fundo, enquanto em sua mente passava várias coisas. Havia a solução mais fácil de todas então.
— E por que não assumir um verdadeiro casamento com essa jovem? Pelo que ouvi, ela é bonita, e agradável. Pode ser o momento de aceitar que deve se render a uma mulher, bom amigo. — falou o lorde sinceramente.
Os olhos de lorde Willian relampejaram de pura raiva. Como ele ousava sugerir tal coisa? Tinha se casado com a jovem apenas por um negócio com o pai dela. Não tinha intenção nenhuma em assumir um casamento com ela.
— Eu jamais farei isso. Não vou viver com aquela jovem simplória como se fossemos um casal feliz. — disse determinado. — Você sabe que eu não posso me dar ao luxo de ter uma vida assim.
— Eu acho que está equivocado, Willian. Talvez devesse tentar.
— Falemos de outro assunto, por favor. Como vai seus negócios no porto?
Anthony sorriu, sabendo que o amigo mudaria mesmo de assunto daquela forma. Mas mesmo assim, ele acreditava que as coisas pudessem mudar, e Willian considerar o casamento com a jovem. Bastava tempo para isso.
Mas por enquanto tratariam de outro assunto de seu interesse também.
Os navios fretados por Anthony chegavam abarrotados de mercadorias ao porto, e seguiam aos seus destinos por terra. Ele fazia negócios com vendedores da América e da China, e trazia a melhor seda e o melhor vinho. Bastava o comprador pedir.
E agora interessava a Willian investir em uma frota de navios também, e começar um negócio como o amigo, porque como ele mesmo dizia, o dinheiro precisava ser investido e não deixado guardado em gavetas.
— Recebo uma carga vinda da China amanhã. Os melhores tecidos, é evidente.
— Podemos ir até o porto no próximo mês? Eu decidirei se invisto na frota ou não. Preciso saber se é um bom negócio. — sugeriu Willian.
— Como quiser. — olhou para o relógio de bolso e se levantou imediatamente. — Me desculpe, mas estou atrasado para outro compromisso.
— Compromisso que usa saias, suspeito. — o amigo disse brincando.
Anthony sorriu.
— Não no dia claro como agora, Willian. Sei ser discreto com minhas mulheres. — provocou o lorde.
Ouve uma batida a porta, e quem abriu foi a criada, dizendo que o administrador havia chegado, e que esperava para conversar com o lorde.
— Eu vou indo, amigo. — despediu-se Anthony, caminhando para a porta. — Vejo você em breve.
Ele se encontrou com um homem baixinho e sem cabelos quando saiu, e notou no topo das escadas uma jovem de vestido azul e cabelos longos, o que ele jurou ser a esposa do amigo. Sorriu, ela era bonita, e podia sim ser a verdadeira esposa de Willian. Esperava que ela tivesse um plano dos bons para conquistar o difícil lorde.
Anthony deixou a casa esperançoso de ver o amigo feliz novamente, depois de todo aquele tempo recluso.
***
À noite, quando todos já tinham se recolhido a seus quartos, a jovem se esgueirou pelos corredores, e se escondeu no topo da escada, enquanto ouvia os passos do marido no andar de baixo. Ele estava saindo, e agora cabia a ela segui-lo como havia planejado.
Ele saiu pela porta da frente, e ela apressou-se em descer as escadas em silencio, porque não queria acordar nenhum criado ou mesmo Cecil. Fez o mesmo caminho que o marido, seguindo o vulto que saía para a rua. Sarah usava uma capa grossa, que escondia toda sua cabeça e o corpo, o que a protegeria dos olhares de quem esbarrasse.
A lua clareava o caminho, e Sarah rezava para não ser pega enquanto seguia o marido pelas ruas estreitas. Havia muitas pessoas na rua, e carruagens chegando para algum evento londrino, o que deixava a jovem infiltrada entre os outros.
O caminho não era longo, Willian apenas virou a direita e depois a esquerda uma vez, e logo estava em frente ao grande salão que estava de portas abertas, lotado de pessoas.
Por um momento Sarah se preocupou se conseguiria entrar, enquanto via o marido passar pela porta. Mas deu-se conta de que bastava agir naturalmente que ninguém desconfiaria dela. Ao que parecia havia muitas mulheres ali.
E assim, retirando a capa de sobre a cabeça, mostrando o rosto, ela passou por um homem alto e corpulento na porta e entrou no frenesi que era o grande salão.
O ambiente estava cheio de gente, a maioria sentada em volta de mesas redondas de toalhas vermelhas, e a fumaça dos charutos pairava no ar, deixando o local sufocante. Sarah notou que o marido sentou ao fundo, em uma mesa com mais quatro homens, que o cumprimentaram ao vê-lo. Uma jovem de vestido decotado apareceu, servindo-lhe bebida, e saiu depressa. Logo Willian estava com cartas nas mãos, se preparando para a partida.
Escorada contra a parede, Sarah assistia com clareza todos os movimentos do marido, estava escondida entre as pessoas que circulavam pelo salão. A jovem que servia bebidas se aproximou, e ofereceu uísque a ela, que rejeitou no mesmo instante.
Era visível a alegria do marido enquanto jogava com os amigos, e Sarah se perguntava se dessa forma ele não se importava com as dividas que havia contraído com a dona do salão. Era cruel o que ele fazia, sem pensar na mãe, que vivia sob o mesmo teto que ele.
Sarah a notou no mesmo instante. Era impossível não perceber quando aquela mulher entrou no salão, usando um vestido vermelho colado ao corpo, com um enorme decote, os cabelos negros caindo em cachos pelos ombros, e os lábios carmim. Todos a olharam, e a jovem logo entendeu que aquela era a dona do salão que tanto falavam. Era uma mulher bonita, na casa dos quarenta anos, mas bem apresentada.
Ela foi na direção exata dele, e Sarah prendeu a respiração quando a viu cumprimentá-lo e com grande ousadia sentar-se no colo dele, sorrindo largamente.
O coração da jovem disparou, e ela começou a suar frio. Aquela mulher estava sentada no colo do seu marido, que também parecia muito íntimo dela. Foi naquele momento que Sarah começou a se dar conta de tudo que estava acontecendo. Willian tinha um caso com a dona do salão, e estava endividado por conta dela. Era um ciclo sem fim.
Ela sentiu raiva, pressionou os dedos contra a palma da mão, desejando poder ir até lá e dizer algumas verdades aos dois, principalmente a Willian. Mas ela precisava se manter escondida sem que ele soubesse, porque todo seu plano acabaria ali. Então, precisaria manter a raiva controlada e não fazer um grande escândalo.
— Está sozinha, meu bem? — um homem se aproximou dela, enquanto fumava um charuto.
Sarah deu um passo para trás, com medo.
— Estou com meu marido. — respondeu de pronto, caminhando para a outra direção.
Ela se aproximou do bar, que tinhas cadeiras livres, e se sentou ali por um momento, esperando estar escondida o suficiente. Ela ficou sentada naquele lugar por um tempo; podia ver o marido dali, e estava longe o bastante para não ser notada.
Horas tinham se passado quando Sarah viu o marido se levantar e se despedir dos amigos, dando um adeus especial a dona do salão, que desavergonhadamente beijou-o nos lábios rapidamente, chamando a atenção de muitos.
Depois disso ele se dirigiu a saída, e Sarah aproveitou para segui-lo em seguida, quase perdendo-o na noite. Mantinha uma distância segura para que ele não pudesse identificá-la na escuridão. Há alguma distância de casa, uma chuva fria começou a cair, molhando completamente Sarah, que deu graças por usar a capa. Willian começou a correr, e a esposa continuou a seguir, até que ele finalmente entrasse em casa.
Ela esperou por um momento para entrar, esperando que ele se dirigisse ao quarto. Depois, achando estar mais segura, abriu a porta devagar, e entrou. O salão principal estava vazio, por sorte.
Subiu as escadas devagar, sentindo-se cansada. Chegou ao quarto e deitou na cama, suspirando. As coisas tinham saído pior do que ela tinha imaginado.
Descobrira sobre o vício em jogos de Willian, e para piorar, havia descoberto que o marido tinha uma amante, ou o que quer que aquela mulher fosse dele.
Sua realidade estava difícil. Ela já não tinha mais certeza de seu plano, e não sabia mais se poderia realmente conquistar o marido. Como poderia concorrer contra outra mulher? Como fazê-lo prestar atenção nela quando ele tinha uma outra disponível a qualquer hora que fosse?
Sarah fez o que estava se recusando a muito tempo. Chorou. De pura tristeza, de infelicidade, e de medo. Não voltaria para casa sem ter o amor de Willian. Era uma promessa, disse a seu coração.
E promessas não podiam ser quebradas.
Mas por agora ela precisava apenas dormir um pouco e esquecer tudo que vira.
CZYTASZ
Uma esposa para o lorde fantasma
Historical FictionLorde Willian se isolou em sua casa desde o acidente que lhe retirou parte da visão e deformou seu rosto, ganhando o apelido de lorde fantasma. Ele precisou refletir sobre seu passado, e seguiu a vida com um casamento de conveniência acordado com o...