CAP.1

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            Meu nome é Cecília, moro num lugarzinho normal e monótono como todo o resto. Estamos no ano de 2075, e a 55 anos atrás uma pandemia se instalou no mundo. Não existe mais ninguém vivo que lembra daquela época ou oque a causou, existem registros é claro, mas é de acesso restrito e somente o governo sabe. Só sabemos o básico, oque devemos fazer pra sobreviver, usar máscaras e roupas longas, tanto como camisetas e calças. Sapatos fechados e ambientes esterilizados, o contato pele com pele é proibido, abraços tem que ser rápidos e folgados, mãos dadas só de luva. Relações sexuais ou beijos estão fora de cogitação, se tocar não é proibido, mas nunca nos tocamos de fato.
         Roupas brancas, uniforme habitual, é uma cor pura e como mal saímos de casa não tem o por quê se preocupar tanto. Muitos livros foram descartados, dado a exposição do ar provavelmente contaminado ou de pessoas que tem o vírus terem tocado neles, imprimiram todos de novo mas ninguém parece se interessar além de mim. Não há nada nas capas deles além do nome, todas são brancas mas as folhas são amareladas oque dão um ar antigo e ficam bem mais bonitas. Não existem escolas, temos aparelhos especiais o qual professores formados gravam vídeos, que assistimos a partir dos 5 anos.
           Todos têm a vida como antes, a não ser pelas restrições que citei, ainda temos amigos e ainda saímos juntos mas com menos frequência e a menos lugares. A vida é normalmente sem graça, como já havia citado monótona, eu chamo de sobrevivência porquê só sinto que vivo ao ler livros, eles que me levam pros anos antes da pandemia e pra realidade que nunca viverei de verdade.

-Tchau mãe, tchau pai.- Digo antes de pegar minha mochila e me direcionar a porta.
-Pra onde pensa que vai?-Minha mãe pergunta fechando uma revista qualquer.
-O de sempre Mary, pode ir garota. Lembre-se, não tire a máscara.- Meu pai diz antes de de mudar o canal da TV.
-Jamais.- Respondo sorrindo e saio pela porta.
        
          Andei pela rua, que pra mim sempre parecia limpa demais e comum demais. Acenei com a cabeça pra algumas pessoas que passavam pela rua, a maioria idosos, moro aqui desde pequena e na mesma casa. Meus pais não queriam que eu morasse numa rua com muitos jovens, julgaram que eu me apaixonaria ou faria muitos amigos. Disseram que eu me apegaria e eles não querem uma filha que quebra as regras, ninguém quer.
          Eu leio muito, leio vários livros de fatores diferentes. De romances a biografias, e eu sempre me fascino pelas palavras que o mesmo contém as achando esplêndidas. Tento captar e sentir o gosto de uma torta de morango, ou um café quente descendo por minha garganta, meus dentes mastigando uma fruta ou algo do tipo. Nunca comi como leio nos livros, todos comemos por sondas exceto quando somos bebês até os 2 anos. Antes disso tomamos um tipo de leite artificial aprimorado pra parecer com oque a mulher deveria dar ao seu filho.
          Depois de caminhar bastante chego ao meu destino, o de quase todos os dias. Meus pais só me deixam vir sozinha porque me deixaram aqui e me buscaram até meus 12 anos, tive uma infância bem controlada eu diria. Chego sorrindo sobre a máscara e acenando com a cabeça pra Kate, a bibliotecária que me vê todos os dias. Ela começou a trabalhar aqui com 16 anos, nos conhecemos a bastante tempo e eu a chamaria de melhor amiga.

-Bom dia Kate, vim trazer os livros de ontem. Eram curtinhos sabe.- Digo os tirando e mostrando a ela.
-Bom dia Ceci, bom...-Ela tenta falar algo mas minha animação e maior.
-Você já leu aquele? O plot twist e incrível!
-Sim eu já li mas...
-E o vilão? Jamais esperaria que fosse ele, não nego que me emocionei...-Dessa vez é ela que me interrompe
-Ceci! Me deixe falar por favor.- Ela diz num tom imperativo mas logo se acalma e me dá um sorriso doce-Tem outra pessoa aqui.
-Outra pessoa?!- Pergunto incrédula.
-Outra pessoa! Está no corredor 6.- Kate diz pegando meus livros e colocando-os no carrinho pra guardá-los nas prateleiras.
         
           Ando rápido com minha mochila até o corredor indicado, me surpreendo ao ver um garoto moreno com as pontas de seu cabelo onduladas. As ondas morenas que pendiam de sua cabeça não chegavam em seu olho, olhos castanhos. Usava uma máscara padrão como as outras: de plástico e cobrindo toda a área do nariz pra baixo.

-Oque faz aqui?-Pergunto analisando sua postura e me aproximando, ele era alto comparado a mim.
-É proibido ler nessa cidade?- Ele pergunta e parece ter soltado um riso sarcástico.
-Nessa cidade? Você não é daqui não é?
-Não sou docinho.- Ele me provoca.
-É claro! Por quê não desconfiei? Só mais um burguesinho de fora.- Digo analisando a capa do livro que ele segura- Suspense, sério?
-Eu não sou burguesinho, e é sério, suspense.- Ele diz e analisa a própria capa do que ele segura- Você não respondeu minha pergunta, é proibido ler? Porque deve existir um motivo pra ter uma biblioteca.
-Argh!- Grunho, o sarcasmo e ousadia elevada dele me irritavam- Não é proibido, mas ninguém além de mim e Kate leem nessa cidade, por quê você leria?
-Porque eu não sou dessa cidade.- Ele responde e solta outro suspiro pela máscara indicando que deve ter rido de novo.
          
            Bufo e saio indo até a Kate que folheava um livro já de volta na mesa principal, a que ficava perto da entrada já do lado de dentro. Ela sorria apaixonada, do mesmo jeito que eu sorria ao ler meus romances repetidos.

-Você precisa tira-lo daqui.
-Por quê eu faria isso?-Ela fecha o livro marcando a página com o polegar.
-Ele é um estranho, numa cidade estranha, numa biblioteca estranha e com gente estranha...- Susurro somente a ela- Você acha isso normal?
-Não, mas eu gostaria de conversar com outras pessoas que gostam de ler além de você. E você deveria fazer o mesmo, fazer amizade com alguém que compartilha os mesmos gostos.- Ela diz impaciente ainda me olhando, também odiava quando me interrompiam em minha leitura diária.
- Ele me parece estranho, não confio nele.
-Não precisava confiar nele pra discutir sobre livros.
-Mas eu não gosto de suspense.
-Sério? Porquê eles são divinos.- O moreno diz se aproximando da mesa e colocando o livro lá- Stephen King, já leu?
-Não li, nem pretendo- Ando rápido até uma estante e pego um livro- Vou levar esse de novo.- Digo a Kate.
-Stephen King e Saint-Exupéry, belas escolhas...- Ela diz colocando nossos nomes no sistema- Qual é seu nome?Ela pergunta ao garoto.
-Thomas, Thomas Martin.- Ele diz e sorri.
-Okay, suspense pra Thomas e romance pra Cecília.- Kate fala apertando alguns botões do teclado.
-Ceci... Nome bonito, e o sobrenome?- Thomas diz voltando o olhar pra mim.
-Campbell.-Pego meu livro e coloco dentro da bolsa- Mas pra você só Cecília.
-Na boa, qual seu problema?- Thomas pergunta também pegando o livro e me acompanhando na saída.
-Eu não tenho nenhum problema, só acho estranho. De onde você veio?-Pergunto já não tão nervosa como antes.
-Logo você saberá, mas pode me perdoar por gostar de ler?- Ele diz com a voz chorosa.
-Talvez. – Rio e arrumo a alça da minha mochila– Bom, nos separamos aqui. Foi um desprazer Thomas. Tomare que nunca nos vejamos por aí. – Sorrio e acelero o passo o deixando pra trás.
-Até outro dia Ceci!- Ele grita quando me afasto.
-É Cecília!-Falo olhando pra trás e em seguida volto a andar indo pra casa.

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