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O ano era de 1945, estava chovendo muito naquela noite de domingo, e como se não bastasse, Julieta não tinha para quem pedir ajuda. Estava sozinha no humilde apartamento em que morava, mergulhada em seus pensamentos e com medo da grande tempestade que caía do lado de fora.

Quanto mais a chuva caía, mais as horas demoravam a passar. Parecia que por um instante, o tempo havia parado. Mas Julieta tentava não prestar atenção, pois tinha tarefas a cumprir e louças para lavar. Ela sempre fazia isso depois do jantar e logo após seus tios e seu irmão saírem para protestar contra o governo ditatorial brasileiro. Infelizmente tal ação havia se tornado rotina...

Depois que terminou todas os afazeres da noite, foi para o quarto estudar inglês. Era uma das coisas que seu tio exigia que ela aprendesse. Embora ela nunca soubesse o porque, nunca o desobedeceu.

Marcelo era rígido com ela, diferente de sua doce tia Sara, mas mesmo assim, ela os amava demais para desobedecer qualquer ordem dada por eles, até porque, eles eram a única família que lhe restara.

Ambos os três estavam lá em baixo, na chuva, segurando cartazes que se desfaziam por conta da água, mas isso não os desmotivavam. Eram destemidos e persistentes com relação a tudo.

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Logo depois de terminar suas tarefas foi para a janela ver as pessoas protestando: homens, mulheres, idosos, jovens, seus amigos, sua família. Todos marchavam, segurando cartazes e cantando hinos de justiça.

Aquela cena comovia demais Julieta, pois ela queria mais do que tudo estar lá em baixo, gritando e protestando contra tudo que está errado naquele país tão desigual. No entanto, era impedida por seus tios. Era perigoso demais ir contra o governo numa época como aquela.

"Mas um adolescente homem pode, não é? Que ridículo!" Pensou ela irônica. Seu irmão mais novo fora junto, e aquilo a enfurecia, mas não podia fazer nada a respeito.

A jovem estava se preparando para dormir, quando é surpreendida com uma forte e constante batida na porta. Ela rapidamente se levantou da cama e foi atender a porta de pijama: era Galileu, um senhor que morava alguns andares acima de Julieta. Era baixo, com as costas tortas, mas com um corpo forte de um antigo soldado.

Sua visita seria incrível se não fosse por um contratempo: o senhor pingava a sangue por todo o corpo.

-Por favor entre! - disse Julieta com uma expressão assustada e pegando o kit de primeiros socorros.

O homem se sentou no sofá como se estivesse tirando o mundo de suas costas, e por mais que ele estivesse desesperado e gemendo de dor, Julieta mantinha a calma e tentava acalmar o senhor. O ferimento era profundo: era uma bala alojada no ombro direito, e alguns cortes na região da cabeça.

Antes que estranhe, esqueci de lhe esclarecer uma coisa: Julieta era sobrinha de uma grande enfermeira. Ela aprendera tudo o que sabe com sua tia, que lhe deu a oportunidade de estagiar no hospital da cidade. Ela sabia o que estava fazendo.

Julieta colocou as luvas, preparou todos os instrumentos para retirar a bala e fechar o ferimento, no entanto, a ferida do ombro parecia estar mais aberta que o normal para aquele tipo de situação. O homem tirava a camiseta com cuidado para o procedimento ser feito com mais precisão, pois não era a primeira vez que passara por aquilo.

-Olha, pode doer um pouquinho. - disse Julieta olhando com dúvida para o ferimento. -Seu Galileu, porque a ferida está tão aberta? 

Entre Dois MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora