"Soturno" deveria nomear o segundo capítulo, mas acabei optando por "Anjo". Acho que tomei a decisão correta.
Aproveitem ⏳As vezes, para compor uma boa melodia é preciso sair e ouvir os sons do mundo, o que pode ser surpreendentemente inspirador.
Alastor, como era de sua natureza no passado, inspirou-me a continuar tocando violão e começou a me ajudar na criação das minhas próprias letras.
Ele me fazia tão bem que nem me lembrava mais do motivo de ter o mandado embora da primeira vez. Alastor fazia mágica na minha vida e eu estava cada vez mais curiosa para saber qual era o seu truque.
† Décimo Sexto Flashback - Soturno †
As ruas estavam movimentadas. Carros passando a todo segundo, sem descanso; pessoas andando apressadas em direção a destinos questionáveis; tudo cheio de sons, vindo de todas as direções, os sons da cidade grande nunca falham.O quê, para muitos, soa como a imagem cacofonica de cidadãos apressados, para mim parecia o nascimento de uma melodia, um emaranhado de fios que eu fazia questão de desembaraçar até encontrar sons que pudessem ser transformados em notas, e então em acordes e, por fim, virarem uma bela melodia, que viria a ser preenchida com palavras e sentimentos diversos.
— Está ouvindo algo interessante, meu anjo?
Alastor andava um pouco a minha frente, as mãos atrás das costas e os passos animados, ele olhava para tudo encantado. Não era sempre que podíamos sair, como Alastor podia interagir com matéria as pessoas estranhariam se começassem a tropeçar ou esbarrar no ar.
— Fique por perto.
— Sabe, eu não sou uma criança.
— Não é como se eu soubesse o que você é.
Ele parou de andar, encolheu os ombros e abaixou a cabeça. Poupei um suspiro impaciente, acontecia sempre a mesma coisa quando o lembrava de algo relacionado a sua natureza. A resposta também era sempre a mesma: Você me mandaria embora se soubesse.
— Não acha que está na hora de me contar? Não é como se eu fosse surtar e te chutar do dia para noite.
Acompanhei seus passos quando voltou a andar. Evitando que esbarrássemos em quem passava pela calçada.
— E eu não sei por que se apega tanto a esse tipo de detalhe.
— Não vamos poder ter um relacionamento normal se não souber o que você é.
Olhou para mim surpreso, seus olhos arregalados e um adorável tom avermelhado cobrindo suas bochechas.
— Você pensa em ter um relacionamento comigo?
— É claro, eu te amo Alastor.
— Acho que seus pais estavam certos — desviou o olhar. — Você é louca Tina.
Segurei a vontade de correr atrás da pequena peste que era Alastor e sorri doce para uma família que me olhava entranho, provavelmente por me verem passar o braço pelos ombros do meu namorado invisível.
A verdade é que eu própria não sabia como isso estava dando certo? Alastor me fazia tão bem e era, na maior parte, realmente o garoto prefeito. Ele me apoiava em toda e qualquer decisão, conseguia me fazer sorrir com o mínimo esforço, me ajudava com tudo em casa e estava disposto a fazer qualquer coisa por mim. Quais as chances de encontrar outra pessoa assim?
Mas só eu podia vê-lo. O que diria a todos no futuro? Como explicar algo que nem eu mesma sabia?
— Gostaria que houvesse um jeito de te tornar um menino de verdade — tentei repetir a fala clássica de Pinóquio.
Novamente alguns passos a frente, Alastor virou um pouco a cabeça para me encarar.
— Ou você poderia ser uma de nós — falou, sem especificar quem era o "nós" da frase.
— Sério? Como faço isso.
— Suicídio — vi seu sorriso se alargar, lembrando-me do Alastor da adolescência.
— O quê?
Voltou a sua expressão suave.
— Brincadeira anjinho!
— Isso não teve graça.
— Escute, concentre-se na sua letra, por enquanto estamos bem e não vale a pena se preocupar tanto por questões que podemos resolver no futuro.
Dei de ombros. Alastor estava certo, teríamos tempo para pensar nisso depois, naquele momento eu só queria aproveitar a companhia agradável do meu garoto e conseguir um bom ritmo.
Observei os sons engraçados que um bebê fazia, atentei-me as músicas dos carros que passavam e me foquei ao som dos latidos de um cachorro ou outro. Como sempre, isso me deixou inspirada para trabalhar, um ideia sempre surgia, uma chance de pegar tudo que ouvia e melhorar.
Assim que chegamos em casa me sentei na sacada, peguei o violão e um bloco de notas. Alastor fez café e passamos o resto da noite sob o luar, compondo a canção que declarava meus sentimentos.
Uma canção de amor, dedicada a alguém que ninguém nunca poderia conhecer e comprovar quê, minhas palavras eram verdadeiras e que Alastor era o garoto perfeito. Ou, como ele diria, o homem perfeito.
— Já pensou em um título? — Alastor perguntou assim que terminei.
— Soturno.
Lançou-me um de seus olhares questionadores, a duas sobrancelhas erguidas porque não conseguia levantar só uma.
— Por causa do nosso futuro, parece tudo tão incerto.
Alastor não hesitou em se aproximar, passando as mãos de forma delicada pelo meu rosto.
— Temos um futuro mais brilhante do que você imagina — aproximou-se um pouco mais, as mãos atrás das costas e uma expressão travessa. — Eu prometo.
E eu acreditei, porque quando se tratava de Alastor, eu sabia que poderia confiar, mesmo num futuro que a cada dia parecia mais sombrio, seríamos brilhantes juntos e isso era tudo que importava.
†
Ainda não tinha me dado conta de que estava começando a viver para Alastor. Antes eram apenas os finais de semana, mas começamos a ficar juntos todas as noites, dias úteis ou não.Os compromissos com os amigos foram aos poucos se extinguindo e as visitas dos meus pais acabaram quando comecei a colocar cada vez mais empecilhos.
Alastor não estava me pedindo para fazer essas coisas, as decisões foram todas tomadas por mim e eu não notei que tinha virado uma obsessão.
Mas não é isso que é a paixão? Uma grande atividades de hormônios que resultam em obsessão, compulsão e possessividade? Eu sempre queria estar com Alastor e nunca era o suficiente, um vício que fazia questão de cultivar em meu coração.
Encontrava-me no ponto alto da montanha-russa que é o amor e estava ansiosa para descer a toda velocidade e saber, o que acontece depois da paixão?
Acabou! Espero que tenham gostado.
Esse foi um pouco difícil. Nunca compus nada, então não tenho certeza se andar pela cidade pode inspirar alguém a compor uma música. É sempre um desafio escrever sobre o que você não sabe.
De qualquer forma... Obrigada por lerem e beijinhos caramelados ⌛
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amência
RomanceValentina aos treze anos criou em sua mente o que chamou de garoto perfeito. Um garoto cujo único propósito era fazê-la feliz. Mas o que acontece quando uma fantasia inocente perde o controle? O que acontece quando o criador teme sua própria criaç...