Post-it Amarelo

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Aproveitem ⏳
 

  Parecia o estágio inicial da loucura, Alastor estava me deixando maluca.

  Ele estava por todo lado, sorrindo e me chamando para perto. Meus pais não conseguiam enxergá-lo, somente eu o via. Sentado no sofá, caminhando pelos corredores ou parado no canto dos quartos.

  Tentando acabar com a assombração que Alastor tinha virado, tentei tirar satisfação direto com a fonte. Os reflexos que via pela casa não me respondiam e eu não conseguia projetá-lo para fora da minha mente como antes, então, sem opções, tive de visitar a casa da família Maldonado.

† Décimo Flashback - Post-it Amarelo 

 Observei a porta com o dobro da minha altura, branca a ponto de refletir meu rosto e com uma reluzente aldraba de ferro no meio. A "eu" do passado possuía gostos meio excêntricos, tudo naquela mansão parecia exagerado demais.

  Entrei sem bater, ignorando o grito de Eliza, mãe de Alastor, e os protestos de Samuel, tentando fazer com que me identificasse. Subi a escada, virei à esquerda e entrei na última porta do corredor.

  O quarto de Alastor misturava suas cores preferidas, vermelho e roxo, combinação que sempre achei bizarra. Nada era muito chamativo, tinha o básico que um quarto normal precisa e um aquário com cinco peixinhos azuis.

  Alastor estava deitado na cama, um violão repousava ao seu lado e Penélope sentava na ponta da cama, estavam no meio de uma discussão, embora Alastor parecesse calmo. Lembro de querer que ele sempre estivesse calmo, pois costumava ser um tanto quanto instável quando ficava brava.

— Que história é essa de ficar aparecendo na minha casa? — cheguei perguntando, sem esperar que Penélope gritasse e que os pais de Alastor terminassem a ameaça sobre chamar a polícia.

— Tina? Quanto tempo — Alastor sorriu, levantou-se e abriu os braços. — Pensei que nunca viria me visitar.

— Meu irmão, nem vêm com essa, nois' precisa conversa sobre um probrema — esqueci o português no quarto.

— Meu filho, você conhece essa garota?

— Pô tia Eliza, fui eu quem te criei.

  Alastor revirou os olhos antes de acalmar seus pais e mandá-los de volta à sala. Infelizmente, Penélope estava indignada demais para sair e tivemos que ouvir seus gritos de protesto incoerentes contra minha pessoa.

— Por que eu não consigo mais falar com você fora daqui? — perguntei quando Penélope calou a boca.

— Ora, por que eu não quero falar com você?

— E desde quando você decide isso?

— Eu tenho liberdade para ir aonde eu quiser Tina, não sou mais um boneco manipulado por você — pendeu a cabeça para o lado. — Na verdade, nunca fui.

— Nun... ca... Foi? — repeti lentamente, tentando processar.

  Se nunca controlei Alastor, se ele não era uma fantasia, com quem eu estive interagindo durante todos esses anos?

— O que você é então?

  Penélope ficou quieta, ela se levantou da cama e seguiu para fora do quarto. As paredes pareceram derreter, o teto se abriu e meus olhos contemplaram o salão dos meus sonhos.

  Quando me dei conta, meu cabelo estava solto e eu vestia um vestido branco. Alastor caminhou devagar pelo ambiente, estava de terno, a cabeça abaixada me impedindo de enxergar seus olhos.

— Os olhos são a janela da alma — relembrei a frase popular.

— Você acha que eu não tenho alma, meu anjo?

— O que estamos fazendo aqui?

— Você queria conversar — riu sem graça, bagunçou o cabelo e me encarou.

  Ele não parecia alguém maligno, apenas o bom e velho Alastor.

— Fica longe da minha família.

  Ouvi a pessoa no fundo do salão gargalhar, pena não ter tido tempo para contestar.

— Eu nunca toquei na sua família.

— Fica longe de mim, da minha casa e da minha vida Alastor. Você não é bem-vindo.

— Isso me magoa, sabia?

— Cala a boca — gritei o mais alto que pude. — Você não é real.

— Isso também.

  Queria que Alastor fosse embora. Nunca mais queria ouvir sua voz, contemplar seus olhos, sentir seu perfume e tocar seus cabelos. Queria esquecer os momentos bobos que passamos e reconsiderar suas palavras carinhosas.

— Olha, não é como se eu fosse te possuir ou machucar alguém, eu só quero ficar perto de você — sorriu de forma doce.

  Me remexi inquieta em cima da cama, tentei abrir os olhos e gritar por socorro, mas meu cérebro não obedecia aos comandos, minha boca estava seca e eu lutava para respirar.

— Por que não consigo sair? Me deixa sair Alastor!

  Tentei correr na direção do garoto, mas algo impedia minha movimentação. Eu estava presa.

  Devia ser engraçado assistir eu me contorcer como um inseto na teia de aranha, pois a pessoa ao fundo ria como se não houvesse amanhã.

— Ei, Tina! Valentina! Calma, você tem que ficar calma — Alastor veio até mim fazendo gestos estranhos com as mãos. — Precisa respirar.

  Gritei o mais alto que pude, suplicando por ajuda. Alastor falava frases desconexas com a pessoa risonha do fundo.

— ...sair... Marlos... confiar... vingança...

  Meus olhos foram se fechando conforme o ar acabava e minha cabeça girava. Senti Alastor me agarrar antes de chegar ao chão, ele colocou um mecha do meu cabelo atrás da orelha, falou alguma coisa sobre ter paciência e tudo ficou escuro.

  Acordei no chão do meu quarto. Sentei-me ao pé da cama, recuperando as memórias das últimas horas. Analisei os detalhes quarto, procurando algum sinal de Alastor. A cama continuava arrumada, as fotografias nas paredes organizadas e os móveis sem nenhuma mensagem macabra, mas havia algo...

  Na minha porta estava colocado um posti-it amarelinho.

"Desculpe-me pela confusão, meu anjo."

  O apelido e a letra perfeita que imaginei entregavam, Alastor esteve ali.


  Não sendo novidade na minha vida, as falas de Alastor começaram a me atormentar. Ele era real? Seguia ordens de alguém? O que ele queria de mim?

  Quis saber mais sobre o que Alastor poderia ser de verdade. Luan, o ser humano mais sábio e informado sobre esoterismo e religiões pagãs que conhecia me contou sobre algo chamado "forma e pensamento". As vezes, os pensamentos ganham forma e então, consequentemente, se você começa a pensar muito ele ganha autonomia.

  Isso pareceu familiar. Alastor podia sim ser uma forma e pensamento que criei, mas ele não era a primeira. Há muito anos atrás existiu Kakó, meu melhor amigo imaginário.


Espero que tenham gostado. Beijinhos caramelados ⌛

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