Existem coisas para as quais somos programados desde a nossa concepção, coisas como suportar algum frio, passar um curto período de limitação alimentar, ou mesmo ficarmos algumas noites sem dormir. Apesar de não ser o ideal para a conservação de nossas vidas, ainda assim são coisas que conseguimos resistir. Em contrapartida existem outras que não estamos preparados física, ou mentalmente para elas. Tal como flagelos, temperaturas extremamente elevadas, e a perda de ente queridos. De episódios como esses nunca realmente nos recuperamos, mesmo após um grande período de tempo. As marcas sempre estarão estampadas em nós.
Após ela partir me entreguei a um buraco negro que me sugava mais a cada dia. Nada mais tinha as mesmas cores, os sabores antes tão vividos e diversos, pareciam sem brilho e vibração. Os dias eram cobertos e nublados pela dor de não ter a garota que tinha trazido a vida para mim. As pessoas diziam que a dor diminuiria, e que logo tudo seria apenas boas lembranças do tempo que tivemos, mas talvez a minha dor fosse diferente de qualquer coisa já sentida por eles, pois a cada dia ela aumentava mais e mais. Por pressão da família recorri à ajuda de um psicólogo, e isso ajudou um pouco, era bom poder falar com alguém que conseguia ver toda a situação com imparcialidade, mas a impessoalidade das conversas também me deixava aflito, porque ele nunca poderia entender a magnitude que ela teve em minha vida, uma vez que nunca a conheceu em vida. Tudo que ele dia era seus métodos e clichês, que ajudavam, mas nunca poderiam confortar.
Quando se está num caminho descensional a única certeza que se tem é que em algum momento se alcançará o fundo, entretanto nunca se sabe o que encontrará ao fim, ou o que terá se tornado nesse processo. Mas é certo que a descida te muda sem perspectiva de retorno ao estado quo. No meu caso no mais profundo recôndito de minha dor encontrei uma pessoa destruída pela ausência da importância da vida, por incrível que parece isso não me incomodava bem um pouco. Demorou muito tempo para que o mínimo desejo de restauração surgisse em mim, e quando senti forças para tentar voltar a algum resquício de vida, ela já tinha partido há dois anos. E eu sentia um medo enorme de que qualquer mínima felicidade fosse o estopim de minha destruição.
Foi nessa época que aprendi a me vestir com um sorriso. Tente! Finja! Até que seja verdade!
Assistimos a filmes que narram histórias de pessoas com câncer, e até lê livros sobre isso, e neles tem toda aquela licença poética, e cada etapa é permeava poesia, e vibrações sempre positivas, e quase chegamos acreditar que o processo é tão lúdico quanto o mostrado nessas representações artísticas. Mas não é, e está bem longe de ser, na realidade a coisa é cheia de medos, inseguranças, e súplicas mudas para que o tratamento funcione, e para o que o dia seja bom, porque você não quer que a pessoa que você ama sofra mais um dia de efeitos colaterais, ou que apesar de estar presente esteja tão sofrida que não consegue interagir. Você acorda a cada dia torcendo para que na próxima consulta o médico diga o tratamento está surtindo o efeito desejado, e que não será preciso radioterapia após os ciclos de quimioterapia. Porque sabe que um só tratamento já maltrata muito a pessoa, mas também sabe que se for preciso você colocará se vestirá de um entusiasmo, sabe-se lá tirado de onde, e apoiará, porque dentre tudo que pode pedir para o futuro, o que mais deseja é ter a pessoa amada contigo.
No começo eu não sabia nada disso, nem imaginava que teria que aprender, mas acho que aprendi rápido, porque a cada dia que ia com o Nicholas ao hospital visitar a Rafaela, eu sentia menos vontade de deixa-la, e nossas conversas ficavam mais interessantes. O meu amigo passou a dizer que eu parecia mais amigo dela, do que dele, apenas para pegar no meu pé. E quando o médico aconselhou que apenas os pais e o irmão tivessem acesso a ela, para evitar contaminações. E mesmo eles tinham que cumprir um ritual de limpeza. Nós continuamos a trocar muitas mensagens durante o dia, e às vezes eu mandava umas guloseimas para ela, principalmente sorvetes, porque ela sempre dizia que era bom tomar depois das sessões de quimioterapia. Eu pedia para o Nick comprar, e dizer que eu tinha enviado, e ele não se importava em fazer isso, porque tudo que não fizesse mal para ela, ele e a família estavam dispostos a fazer. E ele dizia que conversar comigo deixava ela mais animada, até mais que com as amigas.
Eu acho que o senhor Cavalieri percebeu o que estava acontecendo, antes até de nós mesmos, e me surpreendeu quando pediu para conversar comigo. Ele disse que a filha estava passando por um período muito complicado, e que estava frágil demais tanto fisicamente, quanto sentimentalmente, e que era preciso ter cuidado com ela. Coisa que eu concordava, e disse isso a ele, que completou dizendo que estava na cara que a Rafaela tinha um carinho especial por mim, e que eu fazia bem a ela, o que deixava ele feliz por ver ela animada. Ele disse ainda que não se importava de eu ser mais velho que ela, ele mesmo era mais velho que a esposa, mas o que o preocupava era ver a filha dele já tão debilitada ser magoada sentimentalmente. Então se eu não tinha intenção de estar com ela para tudo que viria a seguir, o melhor que eu tinha a fazer era não dar esperanças para ela.
O pai da Rafa tinha razão, e eu passei o restante do dia pensando nisso, no que realmente estava acontecendo entre nós, e como eu me sentia a respeito dela. Eu ainda não sabia qual era a extensão dos meus sentimentos, mas tinha certeza que não queria ficar sem ela.
ey Wattpaders,
Mistério! A vida é cheia deles, e cada um mostra nuances difíceis de serem totalmente compreendidos. Você já pensou no que faria se sua vida virasse de cabeça para baixo de repente?
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Grato por tudo.
Sempre juntos!
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Beijo de Inverno
Teen FictionNem todos amores são a primeira vista. Alguns amores nascem com o tempo, a dor, e generosidade da vida. Quando Rafaela conheceu Harry, nada de especial aconteceu. Nenhum fogos de artifícios, nem frio na barriga. Borboletas não fizeram revoada em seu...