Os médicos insistiram que observando as recomendações, e descanso, e sono, eu poderia ir ao hospital apenas para as sessões de quimio, e que, portanto não tinha porque eu ficar internada. Sinceramente eu gostei muito disso, apesar de saber que minha mãe estava pouco à vontade com isso. Nos primeiros ciclos do tratamento, ela tinha batido o pé que preferia que eu ficasse internada, mesmo os médicos dizendo que não tinha qualquer necessidade disso, mas como os custos da internação seriam pagos pela nossa família, eu acredito que eles preferiram não bater de frente com a mamãe. É bem verdade que os sintomas estavam muito mais fortes antes, e tinha dias que eu nem conseguia manter os olhos abertos. Eu sempre fui fraca para doenças, e não foi diferente com o câncer, então talvez a decisão dela tivesse algum fundamento afinal. Mas era diferente agora, eu estava respondendo muito bem ao tratamento, os sintomas estavam bem menos severos, e eu tinha dias que eu quase me sentia normal.
Não era algo que pudesse ser comprovado cientificamente, mas eu sentia que grande parte da minha recuperação se devia ao fato do Harry estar comigo. Eu não poderia ter uma companhia melhor, e estava imensamente feliz em ter encontrado ele. A minha mãe marcava em cima, então desenvolvemos o costume de mandar bilhetes, pequenas declarações, uma para outro, às vezes o Nicholas era nosso carteiro, em outras deixávamos embaixo da almofada do sofá, e o outro pegava. Como ele sempre vinha a minha casa com o meu irmão, ficava fácil assim. A minha mãe não era contra o nosso namoro, sem títulos, e gostava de verdade do Harry, mas como ela mesma dizia "Teríamos a vida toda para ficarmos juntos, então podíamos esperar alguns meses para ficarmos muito próximos." Ela tinha de certa forma razão, e sempre podíamos trocar mensagens, como fazíamos, mas os bilhetes parecia algo tão nosso, e tão romântico, talvez por isso tentássemos fazer escondido, mesmo sem necessidade. Queríamos dar um ar de perigo, a algo que não tinha.
O modo que mais nos falávamos era mesmo por mensagem, não me pergunte por que, mas dificilmente fazíamos chamadas de voz, e uma ou duas vezes por semana fazíamos chamada de vídeo. Por mim falaria com ele o dia inteiro, sempre adorei a voz dele, porém a impressão que tinha era que ligações não era o lance dele, pelo menos foi o que senti em nossas conversas. Uma vez conversando com a Zélia, uma enfermeira voluntaria, ela me disse que garotos são assim mesmo, não gostam muito de falar, mas que eu não devia me preocupar, porque estava na cara que o Harry era caidinho por mim. Sim, ela disse caidinho, e eu pensei "meu deus quem fala caidinho?", mas ai eu lembrei que a Zélia devia ter a idade da minha mãe, então foi um milagre ela não ter o chamado de Pão, ou sei lá como chamavam os garotos nos anos oitenta. Eu sei que a vovó dizia que meu vô era um pão quando mais novo. Embora ele ainda fosse um senhor muito bonito, e cheio de vida. Eu adorava conversar com a Zélia, porque ela tinha muitas histórias legais, e eu até esquecia que estava recebendo medicamentos na veia. Ela foi umas das primeiras pessoas que conheci na quimio, e sempre estava tentando colocar os pacientes para cima, não era ela que ministrava os medicamentos, mas era bom ter a companhia de alguém além da mãe, e ocasionalmente do Nicholas, quando a velha águia, como passamos a chamar a mamãe porque não saia de cima de mim, deixava ele me acompanhar. O Harry ia a cada sessão, mesmo não tendo permissão para entrar na sala, geralmente ficava na sala de espera, eu achava fofo, apesar de não ter necessidade. Por isso a Zélia dizer que ele era caidinho por mim.
Fora o tratamento eu conseguia ter uma vida bem normal, dentro dos padrões de segurança dos meus pais, porque sim a mãe era a porta voz, mas o papai estava junto nas decisões. Ia à escola, apesar dos olhares de piedade que algumas pessoas me lançava, mas quem não lançaria para alguém que usa uma mascara em pleno horário de intervalo. Não posso falar que era desnecessário, porque o câncer estava regredindo, mas meus anticorpos estavam baixos, e meus pulmões sofrendo um pouco com o tratamento, o que me dava muita falta de ar. Uma complicação que o Dr. Fabrício já tinha nos dito que poderia ocorrer, e que estava sendo tratada. E como foi uma escolha minha ir ao colégio, a mascara foi a condição dos meus pais, mas eu não parecia maluca sozinha, porque o Harry, o Nicholas, e as minhas amigas aderiram a moda da mascara. Inclusive no dia do meu retorno para a escola, a Micaela organizou para que todos de nossa sala usassem mascaras, em apoio a mim. Foi algo muito lindo da parte deles, um gesto de muito carinho, principalmente da minha amiga.
A Micaela era a única pessoa, fora da família, que tinha passe livre para ficar perto de mim o tempo que quisesse, uma vez que os meus pais amavam ela como uma filha, além de ser a minha melhor amiga. Ela fazia de tudo para em animar, mesmo que às vezes no meio do processo começasse a chorar, e eu tivesse que dar uma animada nela. Não existe pessoa mais emotiva que a Micaela, e eu a entendia, porque também choraria um oceano se ela passasse por algo parecido. Na maioria do tempo tentávamos não focar em coisas ruins, e apenas fazíamos coisas normais, ou ela me mimava testando receitas novas que achávamos na internet. Os pais ficam bem liberais para com os filhos doentes, então mesmo que eu falasse que ia gastar cem reais em ingredientes para uma receita nova, acho que eles deixariam, mesmo que nunca tenha testado essa teoria, porque estava doente, não sem noção. Quando íamos para a casa dela, que ficava a cem metros da minha, ela fazia três paradas para eu não me cansar, mesmo eu dizendo que não estava cansada, e ela sempre vinha me buscar, eu poderia me sentir mal com tanto cuidado, mas na verdade me sentia agradecida por ter uma amiga tão legal, e fiel. E bastava eu dizer que minha garganta estava um pouco irritada, ou que tinha um pouco de diarreia, para ela mandar mensagem para a minha mãe, e ai as duas queriam me levar ao hospital, na maioria das vezes eu conseguia tranquilizar elas, porque um pouco dessas coisas é normal durante o tratamento.
Wattpaders,
Vocês já passaram, ou imaginaram passar por algo extremo como uma doença tão grave. Ou alguém que amam?
Dói demais!!
O que acharam do capítulo? Por favor deixem suas impressões nos comentários e não se esqueçam de votar.
Grato por tudo.
Sempre juntos!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Beijo de Inverno
Teen FictionNem todos amores são a primeira vista. Alguns amores nascem com o tempo, a dor, e generosidade da vida. Quando Rafaela conheceu Harry, nada de especial aconteceu. Nenhum fogos de artifícios, nem frio na barriga. Borboletas não fizeram revoada em seu...