Passar as noites no apartamento vazio, era ela que preenchia de dor e luz esse lugar, se tornou a pior parte do dia. Quando estava no trabalho, ou nas horas de voluntariado no hospital, eu conseguia ligar minha mente em outras coisas, e era mais suportável viver, mas quando a noite caia, e eu tinha que retornar para o apartamento sem esperança de rever a minha pequena, eu ficava triste. No quarto as suas coisas estavam intocadas, na dispensa ainda tinha o lugar de suas coisas preferidas para o café da manhã. Mas o maior vazio estava no meu peito, e para esse eu não conseguia ver modo de cura.
Em uma de nossas conversas, ela tinha dito que queria que eu fosse feliz mesmo que ela não vencesse a luta contra o câncer. Como ela poderia pedir isso a mim? Sabendo que ela era a razão de todos os meus sorrisos. Mas mesmo assim prometi que tentaria, não foi uma promessa séria, apenas fiz para que ela não se preocupasse comigo. Era impensável ficar sem ela, e eu não estava querendo chateá-la. Embora eu tenha feito a promessa, e soubesse que não cumpriria, essa era a coisa que eu lembrava a mim mesmo em todas as manhãs quando acordava. Eu tinha feito uma promessa a ela, e deveria pelo menos tentar cumprir. Eu também pedia a Deus para me ajudar, e me dar um motivo para continuar.
Eu sei que para muitas pessoas passar pelo que passamos faz com que se afastem de Deus, da religião, mas para mim foi o oposto, eu nunca fui muito de ir à igreja, muito menos de orações, mas a doença dela me fez ver as coisas de outra forma, e pareceu natural para mim que tivesse longas conversas com o criador, e que o visitasse regulamente em sua casa para ouvir o que tinha a dizer. Juntos liamos a bíblia, e ouvíamos canções que falavam do infinito amor de Deus. Ela gostava de como as canções de bandas como MercyMe, Newsboys, e Hillsong conseguiam transmitir com tanta leveza e verdade a mensagem de Cristo. Passávamos tardes inteiras ouvindo álbuns dessas bandas, e de outras, mas sempre voltávamos para a música "I Can Only Imagine" da MercyMe. Ela é a síntese de toda perfeição e consolo que encontrávamos naquelas canções. A cada minuto eu sentia que Deus me ouvia, e que faria o que era certo, e sim eu sabia que havia uma grande possibilidade de não ser o que eu queria. E mesmo depois que tudo aconteceu, eu não me voltei contra Deus, nem achei injustiça de sua parte, nem mesmo em meu período de maior dor, e sombras, eu sabia que como cantávamos: "When all I will do, is forever, forever worship You" (Quando tudo que farei é pra sempre, pra sempre te adorar). Eu aceitava a vontade de Deus, mesmo que não concordasse com ela.
E então minhas preces foram ouvidas! Chegando ao hospital, como tinha feito no ultimo ano, para uma tarde de ajuda as pessoas. Eu vi uma garota sendo preparada para sua sessão de quimio, eu nunca tinha visto ela por ali antes, então soube que era novata, e esse é um período complicado para todos, porque é tão cheio de medos, e incertezas sobre como será a vida ali para frente. O meu trabalho, que era mais um prazer, consistia em conversar com as pessoas, ler histórias para passasse o tempo, e às vezes até cantávamos alguma música se isso fizesse a pessoa se alegrar. A maioria com quem eu interagia era adolescente, mais ou menos na faixa de idade que minha pequena tinha antes de partir. Eu resolvi começar com ela naquele dia, e quando me aproximei foi impossível não considerar a semelhança que ela tinha com a minha menina. Em seus melhores dias elas poderiam ser confundidas por um tempo, apesar de não serem exatamente idênticas. A parecença entre elas mexeu comigo, e quase me fez desistir de interagir com a garota, porque é muito fácil numa situação assim cometer o erro da transferência de sentimentos, e uma das primeiras coisas que aprendemos ao nos voluntariar é não levar o peso de nossas histórias para os pacientes. Porém acabei me aproximando, e ela parecia um pouco assustada, embora quisesse parecer forte diante da mãe, que não conseguia esconder a apreensão. Sentei-me perto delas, e disse que também já tinha passado por aquilo, e que entendia como se sentiam, então estava ali para ouvi-las, e ajudar no que fosse preciso. Elas não perguntaram como tinha sido a minha história, e eu não compartilhei, apenas falamos da tensão que essa fase inicial traz, e de como todos estavam realmente esperançosos pela recuperação da garota. Eu me afastei quando a menina disse que estava se sentindo cansada demais, e que tentaria dormir um pouco até a sessão terminar.
Ela não poderia saber, mas encontra-la foi um sopro de vida para mim. Por alguns momentos foi como estar novamente com a minha garota. Em alguns níveis era errado pensar assim, mas como eu poderia evitar sendo elas tão símiles? Naquela noite quando retornei para casa tinha algo a mais para pensar, a maioria dos meus pensamentos ainda eram de minha pequena, mas bem lá no fundo a outra garota ainda me intrigava por sua aparência e modo de ser.
Amigos Wattpaders,
Poxa queria ter as palavras capazes de consolar corações quebrados, e que todo mal e perda findassem. Retratar a realidade é sempre um golpe duro.
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Grato por tudo.
Sempre juntos!
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Beijo de Inverno
Ficção AdolescenteNem todos amores são a primeira vista. Alguns amores nascem com o tempo, a dor, e generosidade da vida. Quando Rafaela conheceu Harry, nada de especial aconteceu. Nenhum fogos de artifícios, nem frio na barriga. Borboletas não fizeram revoada em seu...