Penúltimo Capítulo

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Winn suspirou e bateu com o punho fechado na mesa. O café em sua caneca espirrou pela borda e caiu perigosamente perto do teclado de seu computador. Ele deveria estar na sua festa de promoção no andar de baixo. Era, finalmente, chefe da divisão. Mas ele nunca se importou com comemorações, não seria naquele momento que iria começar.

Muito menos depois de ter uma luz nova sobre um caso antigo. As peças estavam se juntando muito rápido para ele tentar entender alguma coisa, mas tudo parecia fazer um tipo de sentido absoluto e inegável.

Começou com um cartão-postal ridículo de alguma montanha na Suíça. Era assinado por Kara. Ele quase teve um ataque quando viu, afinal, ela havia passado sete anos sem dar notícias depois de sair correndo atrás de Lena. Até onde ele sabia, ela ficava viajando o mundo atrás de pistas, seja lá o que isso significa. Sua antiga assistente havia assumido o escritório depois de alguns papéis chegarem lá passando todo o domínio para ela, mas nunca recebeu qualquer explicação, ligação ou carta. Kara, assim como Lena, desapareceu do mapa.

Achei que gostaria de saber que vou me casar amanhã.

Era só isso que dizia atrás do cartão grosso, com as mesmas letras desarrumadas de sua antiga colega. Às vezes ele considerava mandá-la praticar em um caderno de caligrafia. O que chamou sua atenção e reacendeu a chama do caso antigo, foi a forma como ele estava assinado. O nome de Kara estava lá, é claro, mas havia uma vírgula e um... pé. Isso mesmo, um desenho de pé pequeno e sem muitos detalhes.

Foi isso que o fez ignorar sua festa naquela noite e ficar no seu novo escritório enquanto todo o departamento comemorava com seu dinheiro. Pastas, papéis, arquivos e sacos de provas estavam espalhados por sua mesa, fotos estavam grudadas na porta à sua frente, e um organograma estava pendurado no teto. Já fazia cinco horas que ele estava ali. Depois que um ponto se ligou, nunca mais parou. Tudo fez tanto sentido que chegou a assustá-lo.

Ele analisou as folhas da empresa telefônica mais uma vez. Bastou apenas duas ameaças para fazê-los entregar os papéis que ele queria. Era tão óbvio que ele quase se estapeou por não ter percebido antes. Outro número, simples assim. Kara tinha um número para o trabalho que apenas sua secretária possuía, mas que ela usava para se comunicar com ele e alguns amigos antigos também. Ela nunca disse ter ou não outro número para coisas pessoais. Ela nunca mentiu sobre isso, apenas não deu todas as informações.

Haviam ligações para um número desconhecido. Uma ligação por semana, nada mais que isso, mas não era como ele esperava. Winn pensou que encontraria ligações que começaram logo após o divórcio de Kara, mas elas não surgiram até bem depois. Na verdade, esse foi o primeiro ponto que ele teve que ligar. Começou um mês antes da morte de James. Apenas quatro ligações. A empresa não podia lhe dizer de quem era o número já que era sem identificação, mas ele só podia pertencer a uma pessoa.

Ela tramou tudo isso. Cada passo.

Ele estava, definitivamente, impressionado.

Não foi Kara, foi Lena. Ela sabia quem Kara era antes de a conhecer naquela noite. Winn sabia o que levou ao divórcio de sua ex-colega, mas agora ele sabia toda a verdade por trás disso. Lena estava atrás dela desde que Kara se envolveu em um tiroteio pouco tempo depois de começar a trabalhar em campo.

Winn teve que fazer uma pausa para digerir a nova informação.

Foi o dia que Kara perdeu a visão de seu olho e ganhou aquela cicatriz assustadora. O tiroteio aconteceu em um restaurante mexicano dentro da Universidade Stanford onde Lena era a caixa. Kara foi chamada com seu então parceiro depois de um grupo de homens anunciar o assalto. Eles estavam fazendo uma ronda pelos limites da universidade atrás de um garoto acusado de estuprar as calouras e eram os mais próximos para atender ao chamado. Lena foi obrigada a colocar todo o dinheiro em uma bolsa, então teve as mãos e pés amarrados e colocada embaixo do balcão do caixa. Ninguém tinha dúvida que eles não iriam simplesmente deixá-la ali, no entanto. Ela estava em seu segundo ano de formação em história e trabalhava ali para poder pagar seus livros. Foi ali também que ela conheceu James, um estudante de direito que a desamarrou depois que os homens foram algemados.

Winn sabia que Kara nunca viu Lena naquele dia, mas tinha certeza que Lena a viu. Logo que os dois policiais chegaram, os ladrões entraram em pânico e começaram a disparar suas armas. Kara conseguiu atingir um deles no ombro antes que o outro atirou no pilar de madeira ao seu lado, cegando-a.

Desde aquele dia, Lena queria reencontrar Kara de qualquer forma. Nunca foi possível, no entanto. Ela não sabia seu nome e ninguém na delegacia estava prestes a lhe dar informações. Winn imaginou o tamanho de sua alegria ao ver Kara do outro lado de sua porta na noite que James decidiu foder com a mulher errada.

A partir daquele momento, ela planejou cada segundo para se encontrar com Kara. Winn tinha que tirar o chapéu para sua destreza, era tudo impressionante.

Lena armou tudo minunciosamente para que Kara não desconfiasse de nada, mas que ainda fosse atrás dela. Ela se tornou a representação do mistério e todos sabiam que Kara não podia resistir a eles. Foi o mistério que atraiu Kara para o restaurante no dia que Lena marcou um almoço. Foi o mistério que atraiu Kara no enterro de Mark. Foi o mistério que a atraiu para as casas de Olsen. E Lena sabia exatamente o que fazer para atraí-la. Ele estava impressionado com sua inteligência.

Ele sabia, entretanto, que lena realmente não tinha matado James. Ele não tinha dúvidas que ela não estava triste pelo desenrolar dos acontecimentos, mas não estava, de qualquer forma, envolvida no assassinato em si. Era, apesar de tudo, sua pegada no sangue dele. Haviam dezenas de contas ilegais espalhadas pelo mundo no nome de James Olsen, mas apenas um cartão havia sumido de sua carteira naquela noite que era do conhecimento da polícia – informação esta que fora passada por Kara. Era o cartão que William havia pego da conta onde ele tirou os dois milhões posteriormente. Mas haviam outros, muitos outros, que ninguém tinha conhecimento. Ninguém além de Lena e Kara.

Winn teve que reler as informações que escrevera várias vezes para que tudo fizesse sentido em sua cabeça. Ele estava impressionado pelo tamanho da teia de aranha que o caso havia se tornado.

Kara sempre fora a melhor detetive da cidade. Ela estava investigando James desde o dia que Lucy lhe pediu, e Winn foi idiota o suficiente para crer que ela só descobriu de seu caso com William poucos dias antes de lhe contar e mandar o homem para a cadeia. Ela sempre soube de seu caso e sabia de, pelo menos, metade de suas contas no exterior.

Ela não o roubou, ele sabia disso, mas ela não tentou impedir Lena de fazer isso. Era verdade que tudo que James tinha seria herdado pela viúva, mas as contas ilegais jamais seriam repassadas para ela. Várias transferências foram feitas para a conta de Lena nas semanas seguintes. Para qualquer outro detetive, a resposta seria óbvia: a herança que ela está recebendo gradualmente. Nenhum deles teria acesso ao valor inteiro de quanto ela herdaria, mas bastaria uma piscada e um sorriso dela e todos iriam acreditar em qualquer coisa que ela falasse.

Os valores passavam de 1 bilhão ao todo. Winn suspeitava que James recebia muito dinheiro por fora dos criminosos que ele representava. Alguns eram mafiosos conhecidos, não era difícil imaginar de onde tudo aquilo viera.

Cinco anos atrás, a conta de Lena foi fechada no país e seu último vínculo com o mundo desapareceu. Winn não tinha mais nenhuma informação dela para seguir, mas a conta de Kara recebeu uma transferência de 700 mil antes de ser fechada também. Lena estava financiando sua viagem através do mundo para encontrá-la. Imaginou que esta foi a forma que Lena encontrou de prender Kara. Continuar um mistério, continuar um enigma.

Winn não sabia o que havia acontecido depois disso. Imaginava que Kara havia a encontrado e elas se esconderam em um desses paraísos fiscais e agora, claramente, iriam se casar.

Ele zombou de si mesmo.

Kara era a melhor detetive da cidade, tanto para a polícia quanto particular, era obcecada por enigmas e a melhor mentirosa que ele já viu. E ele caiu nas suas palavras.

Ok, tecnicamente, ela nunca havia mentido. Ela ocultou fatos e deixou de dizer algumas coisas. E ele caiu em cada palavra.

E agora ela estava, aparentemente, na suíça, podre de rica e apaixonada, e ele não podia fazer nada sobre isso. Ela nunca cometeu nenhum crime direto. Mas ele podia pegar Lena por fraude. James já estava morto quando ela começou as transferências de suas contas.

Juntando seu distintivo e seu celular, Winn saiu da sala, pronto para interromper a festa e começar uma busca. 

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