Capítulo 1

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- Bom dia, John Lennon. - papai me chamou pelo mesmo apelido velho de sempre, aquele apelido que ele me deu aos 8 anos, quando eu estava descobrindo o mundo do rock and roll. Na mesma época eu disse que um dia seria um astro do rock, e então ele riu e disse que então eu seria como o John Lennon. Mas ele só disse isso porque meu primeiro nome é John, só que eu sou John Myles, com nenhum talento do ex-beatle. E, talvez, eu me identifique mais com o Freddy Mercury.

- Bom dia, pai - sentei-me à mesa para o café da manhã. - Bom dia, mãe.

- Bom dia, querido - ela retrucou. - O mesmo de sempre?

- O mesmo de sempre. - assenti e mamãe quebrou os ovos na frigideira.

- Tem ensaio com a banda hoje? - papai perguntou, tirando a cara do jornal.

- Sim, precisamos ensaiar bastante porque temos um show no fim do mês.

- Aonde?

- Naquele bar - estalei minha língua no céu da boca. - Não lembro o nome.

- Vão tocar o que?

- Um pouco de Beatles, Queen, Elvis Presley, Nirvana e Mamonas Assassinas.

- Mamonas Assassinas?

- Eu sei, estamos nos EUA e quase ninguém conhece essa banda brasileira - falei. - E meu português é péssimo, mas ainda dá pra cantar.

- Se você diz.

- Pronto, querido - Mamãe colocou os ovos e o bacon no meu prato. - Relaxe, Julian, o português dele não é ruim, já o vi cantar antes.

- Se vocês dizem.

Ignorei meu pai e me levantei para pegar o leite na geladeira. Nunca como nada seco.
Depois do café da manhã, tomei um banho gelado e rápido para despertar meu corpo. Não séria legal me sentir cansado durante o ensaio.
Peguei minha guitarra e me despedi dos meus pais. Entrei no meu fusca amarelo, que apesar de ser uma lata velha, é a minha maior paixão e fui para o local de ensaio.
Só a mesma rotina de sempre.

- Bom dia, John Lennon - Jason, o baixista da banda, brincou, assim que me viu entrar. Quem disse que só meu pai me chamava assim? - Atrasado como sempre.

- Desculpem, eu acho.

- Relaxa - Peter, pianista e segundo guitarrista, falou. - Já é quase um hábito.

- Só vamos ensaiar logo, ok? - conectei minha guitarra à caixa de som e testei o microfone. - Que tal começarmos com Vira-Vira dos Mamonas Assassinas?

- Não, espera - Caio, o baterista, interrompeu. - Queremos conversa com você, todos nós.

- Sobre o que?

- Cara, a gente não quer só sair por Nova York tocando covers de bandas famosas, entende? - olhei para Peter, que tinha começado a falar. - A gente quer ser "a banda" e você é o vocalista, então isso é trabalho seu.

- Como assim? - perguntei, confuso. - O que é trabalho meu?

- Estamos falando de escrever músicas. Cantar e tocar nossas próprias músicas. - Caio explicou.

- E vocês querem que eu escreva as músicas? - todos assentiram. - Mas eu não posso! Não consigo escrever nada, já tentei, não consigo. Não tenho talento.

- Claro que consegue! - Peter passou seu braço em volta do meu ombro. - Escreve qualquer merda, nem que seja sobre o quanto você ama aquela lata velha do seu fusca.

- Cara, quem faz música pro próprio carro? - Jason resmungou e Peter apontou para mim.

- Idiota - afastei seu braço. - Eu não vou escrever uma canção sobre o meu fusca.

- Deus! Ninguém quer saber sobre aquela lata velha amarela! - Caio se intrometeu. - Só precisamos de músicas, certo?

Todos falaram "certo", menos eu.

- John.

- Eu vou tentar, mas não prometo nada.

- Já é um começo.

- Então, podemos ensaiar agora? - todos foram para o seu local e pegaram seus instrumentos. - Vira-Vira, dos Mamonas.

Eles concordaram e escutei Caio bater suas baquetas e dizer "Um, dois, três..." e começamos a tocar e eu a cantar.
Sim, meu português era realmente horrível. Mas quem liga? Quase ninguém em Nova York sabe quem é Mamonas Assassinas. E, por favor, todo mundo sabe que português é uma das línguas mais difíceis do mundo e eu só falo inglês, que é uma das línguas mais fáceis. Porém, fazer o que se você acaba gostando mais do rock and roll de outro país? E, apesar de tudo, a minha voz é bonita, o que me salva todos os dias.

🎸

Acreditem se quiser, eu realmente tentei escrever uma canção para meu carro. Mas claro, foi uma última opção, o que eu podia escrever? Nunca fui bom nisso, não séria agora. Só porque todo mundo me chama de John Lennon não significa que vou começar a escrever clássicos da música, do rock and roll, sendo que nem uma canção sobre fuscas funciona para mim.
Joguei aquele outro papel no lixo e encarei o teto do meu próprio quarto.

- Astro do rock? - questionei, em tom sarcástico. - Isso não é para mim. Foi mal, Deus do rock, mas não adianta ter uma voz bonita e saber tocar a droga de uma guitarra.

Peguei um maço de cigarros e isqueiro e sai para fora, se eu ficasse mais um pouco ali dentro eu iria a loucura.
Por que escrever músicas é tão difícil?
Coloquei um cigarro em meus lábios e o acendi, jogando fumaça prós lados e alimentando mais meu hábito nojento.
Comecei a andar por Nova York, minha cidade natal, já que minha mãe não iria gostar de me pegar fumando em frente a casa dela, e eu não iria gostar de levar uma bronca no meio da rua.
Sem dúvidas, não adianta ter só uma voz das boas e saber tocar uma porcaria de guitarra, eu precisava de talento, um que eu não tenho, talvez eu acabe mesmo ganhando a vida em bares e fazendo covers, quem sabe sozinho, já que meus amigos querem ser "astros do rock", eles podem me substituir, de qualquer forma.

- Moço? - senti algo me cutucar. - Moço?

Joguei o cigarro fora e olhei para trás, e foi ali que tudo começou. Foi quando o Deus do rock me abençoou da forma mais idiota de conhecer alguém.

- Aqui - ele me entregou uma palheta de guitarra, a minha palheta, da minha guitarra. A minha palheta favorita. - Você deixou cair.

Eu não peguei a palheta de volta e nem falei nada, só fiquei um bom tempo com aquela minha cara de idiota olhando para aquele garoto que parecia ter resolvido todos os meus problemas com um olhar.

- É você - sussurrei. - Você!

- O que? - ele corou. - Desculpa, mas nos conhecemos de algum lugar?

- Qual seu nome?

- Samuel - ele olhou para a palheta e só então me dei conta de pegá-la de volta. - Eu acho que não te conheço. Quer dizer, não conheço ninguém que toque guitarra ou algo assim.

- Não, não nos conhecemos - enfiei a palheta de volta no meu bolso. - Mas podemos.

- Podemos?

- A propósito, Samuel, meu nome é John.

Estendi minha mão para ele e ele apertou, mesmo que parecesse confuso. Aquele toque com ele me fez sentir como se tivesse levado um choque.
É, com certeza é ele.
Senhoras e senhores, o rock and roll só acabou de começar.

O seu amor é Rock And RollOnde histórias criam vida. Descubra agora