Estávamos na estrada fazia uns sete milhões de anos- pelo menos era o que parecia. Meu irmão, Henrique, dirigia mais devagar que nossa avó. Eu estava sentada ao seu lado, com os pés no painel, enquanto minha mãe ia no banco de trás, apagada. Ela parecia alerta mesmo enquanto dormia, como se pudesse acordar a qualquer momento para assumir a direção.
-vai mais rápido!- pedi, cutucando o o ombro dele- vamos ser deixados pra trás por aquela criança na bicicleta
Henrique se esquivou de mim.
-nunca encoste no motorista. E tire esses pés sujos do meu painelBalancei os dedos dos pés; para mim estavam limpinhos.
- o painel não é seu. E o carro daqui a pouco vai ser meu, lembra?-isso se você algum dia conseguir tirar a carteira de motorista- zombou ele- acho que pessoas como você deveriam ser proibidas de dirigir.
-ei, olha ali!- comentei, apontando pela janela- aquele cara na cadeira de rodas acabou de ultrapassar a gente!
Henrique me ignorou, então comecei a mexer no rádio. Uma das minhas partes favoritas de viajar para a praia eram as estações de rádio de lá. Elas eram tão familiares pra mim quanto as que eu ouvia em casa, por isso sentia como se já tivesse chegado ao nosso destino.
Encontrei minha estação preferia, que tocava de tudo, de pop e clássicos a hip-hop. Tom Petty estava cantando "free fallin", e comecei a acompanhar:
-she's a good girl, crazy 'bout Elvis. Loves horses and ver boyfriend too.Henrique tentou trocar de estação, mas dei um tapa na mão dele.
-Camis, é que sua voz me dá vontade de jogar o carro no mar- explicou ele, fingindo dar uma guinada para a direita.Conforme nos aproximávamos da casa, eu sentia a vibração familiar no peito. Estávamos quase chegando.
Abaixei o vidro do carro e deixei que todas aquelas sensações entrassem. O ar tinha o mesmo gosto e o mesmo cheiro de sempre. O vento que deixava meu cabelo pegajoso de maresia, a brisa salgada do mar... Tudo parecia igual. Como se tivesse ficado a minha espera.Henrique me cutucou com o cotovelo
- está pensando no Pedro é?- perguntou debochado.Pela primeira vez em muito tempo, a resposta veio com facilidade:
-não.Minha mãe enfiou a cabeça entre os dois bancos da frente.
- Camis, você ainda gosta do Pedro? Pelo andar da carruagem, achei que tinha rolado alguma coisa entre você e o Lucas no verão passado.- O QUÊ? O Lucas?- Henrique parecia enjoado.- o que aconteceu entre vocês dois?
-Nada- afirmei, me dirigindo aos dois, sentindo o sangue correndo para minha cabeça. Queria já estar bronzeada para esconder o rubor.- Mãe, não é porque duas pessoas são amigas que tem alguma coisa rolando. Por favor, pare de ficar insinuando as coisas.
Pedro e Lucas eram os filhos da Louis - que na verdade era Helena Rivera, ex-Helena Louis, e só minha mãe a chama de Louis. As duas se conheciam desde os nove anos e diziam que eram irmãs de sangue. Tinham até cicatrizes pra provar: marcas idênticas em forma de coração no pulso.
Helena me contou que no dia em que nasci ela soube que eu namoraria um dos seus filhos. Disse que era o destino. Minha mãe, em geral não acredita nessas coisas, concordou que seria mesmo perfeito, contanto que eu tivesse pelo menos alguns outros namorados antes do casamento. Na verdade, ela disse "amantes", mas a palavra me incomodava. Helena segurou meu rosto e declarou:
- Camis, você tem minha bênção eterna. Odiaria perder meus meninos pra qualquer outra mulher.Quando finalmente chegamos à casa, encontramos Lucas e Pedro sentados na varanda. Eu me debrucei por cima do Henrique e toquei a buzina duas vezes, o que, na nossa linguagem de verão, significava: venham nos ajudar com as malas, câmbio.
Pedro acabara de completar dezoito anos. E estava mais alto do que no verão anterior, se é que era possível, com o cabelo bem curto e mais escuro do que nunca. Já Lucas, deixara o cabelo crescer e parecia um pouco desleixado- mas no bom sentido. Quando era mais novo, Lucas tinha o cabelo tão cacheado e tão loiro que ficava quase platinado no verão. Ah, mas ele odiava os cachinhos. Teve uma época em que Pedro o convenceu de que era a casca de pão que fazia o cabelo enrolar, e Lucas começou a deixar todas as bordas dos sanduíches para o irmão.Lucas fez um megafone nas mãos e gritou:
- Henriqueeeeee!Minha mãe também saiu do carro.
-oi meninos. Cadê a mãe de vocês?-oi Mari. Ah, ela está só tirando um cochilo- respondeu Lucas.
Helena quase sempre vinha correndo nos cumprimentar assim que estacionávamos.
Minha mãe os alcançou em três passos e deu abraços apertados nos dois garotos. O abraço dela era firme e vigoroso, assim como seu aperto de mão.
Sai do carro e pendurei a mochila no ombro. Eles não repararam que eu estava chegando, pelo menos a princípio. Até que me viram. E me viram de verdade. Pedro me deu uma olhada que costumo receber dos caras no shopping. Ele nunca tinha me olhando daquele jeito, e eu sentia o rubor voltando. Lucas precisou olhar duas vezes, como se não me reconhecesse. Isso durou um três segundos, mas pareceu muito tempo.
Pedro me abraçou primeiro; era um abraço frio e cauteloso, que mantinha distância. Tinha cortado o cabelo havia pouco tempo, e a pele ao redor da raiz e do pescoço estava rosada como a de um bebê. Ele tinha cheiro de mar. E cheiro de Pedro.-prefiro você de óculos- comentou ele, com os lábios bem perto da minha orelha.
Fiquei magoada. Eu o afastei e respondi:
-bom, asar o seu. As lentes de contato vieram pra ficar.Ele sorriu pra mim. E aquele sorriso... Simplesmente me ganhou. O sorriso de Pedro sempre me ganhava.
-acho que você arranjou umas pintinhas novas- completou encostando a ponta do dedo em meu nariz.Ele sabia que eu detestava minhas sardas e sempre fazia questão de me provocar.
Então Lucas me abraçou, quase me levantando
-nossa, a Camilinha cresceu- cantarolou.
Dei uma risada-me bota no chão! Você está com cecê!
Lucas riu
-ah, aí está a velha Camilla- retrucou ele, mas continuou me encarando como se não tivesse certeza de quem era. Inclinou a cabeça, comentando:- tem alguma coisa de diferente em você.Fiquei na defensiva.
-o quê? Só estou usando lentes de contato.
Eu também ainda não estava muito acostumada com minha aparência sem os óculos. Minha melhor amiga, Any, tentava me convencer de usar lentes desde o sexto ano, e eu finalmente cedera.
Lucas sorriu.-não é isso. Você está diferente.
Voltei para o carro, e os garotos foram atrás. Tiramos as coisas do porta-malas; assim que terminamos; peguei minha mala e minha bolsa de livros e fui para meu antigo quarto. Aquele cômodo fora de Helena quando ela era mais nova. O papel de parede estava desbotado, e o quarto tinha móveis brancos e uma caixinha de música que eu amava. Quando aberta, uma bailarina rodopiava ao som da música-tema do filme Romeu e Julieta. Eu guardava minhas bijuterias ali. Tudo naquele quarto era velho e desbotado, mas eu o adorava. Parecia esconder segredos nas paredes, na cama, e principalmente, na caixinha de música
Precisei fazer uma pausa pra recuperar o fôlego depois de finalmente rever Pedro, ainda mais depois daquela olhada que ele me deu. Abracei o urso-polar de pelúcia que ficava em cima da cômoda. Eu me sentei com o ursinho na cama de solteiro; meu coração batia tão alto que dava até pra ouvir. Tudo estava igual, mas diferente. Os dois tinham me olhado como seu fosse uma garota de verdade, não a irmã mais nova de um amigo.
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𝐶ℎ𝑜𝑖𝑐𝑒𝑠
Любовные романы𝑪𝒉𝒐𝒊𝒄𝒆𝒔 (𝒆𝒔𝒄𝒐𝒍𝒉𝒂𝒔) "𝑵𝒐𝒔 𝒕𝒆𝒎𝒐𝒔 𝒂 𝒎𝒂𝒏𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝒏𝒐𝒔 𝒆𝒔𝒄𝒐𝒏𝒅𝒆𝒓 𝒅𝒂 𝒇𝒆𝒍𝒊𝒄𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒆 𝒔𝒂𝒃𝒐𝒕𝒂𝒓 𝒏𝒐𝒔𝒔𝒂 𝒑𝒓𝒐𝒑𝒓𝒊𝒂 𝒗𝒊𝒅𝒂. 𝑨 𝒈𝒆𝒏𝒕𝒆 𝒔𝒆 𝒂𝒎𝒆𝒅𝒓𝒐𝒏𝒕𝒂, 𝒔𝒆 𝒂𝒑𝒂𝒗𝒐𝒓𝒂 𝒆 𝒏𝒂𝒐 𝒔𝒂...