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Tudo que saía da minha boca parecia ser sem graça. Não sabia por quê, mas eu queria impressionar aquele garoto. Queria que ele gostasse de mim. Sentia que ele estava me julgando, julgando as bobagens que eu falava. Eu também sou inteligente, queria dizer. Disse a mim mesma que estava tudo bem, que não importava se ele me achava inteligente ou não. Mas não era verdade.

- acho que vou embora daqui a pouco- comentou ele, terminando de beber sua água. E não me olhou quando perguntou:- quer carona?
- não- tentei esconder o desapontamento dele já estar de partida.- eu vim com aqueles garotos ali.- apontei para Pedro e Lucas.
Ele assentiu.
- percebi. Seu irmão não para de olhar pra cá.
Quase engasguei.
- meu irmão? Quem? Ele?
Indiquei Pedro, que não estava olhando para nós, e sim para uma garota loira com um boné do Red Sox, que também olhava pra ele, Pedro estava rindo; ele nunca ria.
- é.
- ele não é meu irmão. Age como se fosse, mas não é. Pedro só acha que é o irmão mais velho de todo mundo, é muito arrogante... Mas por quê você quer ir embora? Vai perder os fogos.
Ele pigarreou, parecendo um pouco constrangido.
- hã... Na verdade, eu tenho que estudar.
- latim?
Cobri a boca com a mão para conter a risadinha.
- não. Estou estudando baleias. Quero fazer um estágio em um barco de observação e tenho uma prova no mês que vem- explicou ele, coçando a cabeça de novo.
- que maneiro!

Não queria que ele fosse embora e me deixasse sozinha ali. Ele era legal, e eu me sentia minúscula ao seu lado, pequena e preciosa como a Polegarzinha, de tão alto que o garoto era. Se ele fosse embora, eu ficaria sozinha de novo.

- sabe, acho que vou aceitar a carona. Espera aqui, já volto.
Corri até Pedro tão rápido que levantei areia.
- ei, vou pegar uma carona pra casa- anunciei, sem fôlego.
A loira de boné do Red Sox me olhou de cima a baixo antes de soltar um mero "oi".
- com quem?- perguntou Pedro.
Apontei para Lipe.
- com ele.
- você não vai pegar carona com um cara que acabou de conhecer- declarou Pedro.
- mas eu conheço ele. É o Sextus.
Pedro estreitou os olhos.
- hein?
- nada. O nome dele é Lipe e ele estuda baleias. E não é você quem decide com quem eu pego ou deixo de pegar carona pra casa. Só vim avisar por educação, não estava pedindo sua permissão, Pedro.

Dei a volta e saí andando, mas ele me segurou pelo braço.
- não me interessa o que ele estuda. Você não vai pegar carona com esse estranho- anunciou em um tom despreocupado, mas segurando meu braço com força.- eu levo você pra casa, se quiser ir embora.
Respirei fundo. Tinha que manter a calma. Não ia deixar Pedro me tratar como um bebê na frente de todo mundo.
- não, obrigada.- retruquei tentando continuar andando, mas ele não deixou.
- achei que você já tivesse namorado.
O tom era de deboche, e percebi que ele tinha sacado minha mentira da noite anterior.

Minha vontade era de jogar um punhado de areia na cara dele. Tentei me desvencilhar.
- me solta, Pedro! Está me machucando!
Ele soltou na mesma hora, com o rosto vermelho. Não estava machucando de verdade, mas eu queria que ele passasse tanta vergonha quanto tava me fazendo passar.
- prefiro pegar carona com um desconhecido do que andar no carro de alguém que bebeu!- continuei, falando alto.
- eu tomei uma cerveja. E peso oitenta quilos. Daqui a meia hora eu levo você pra casa. Deixa de ser chata.

Senti as lágrimas se formando nos meus olhos. Eu me virei pra ver se Lipe estava observando a cena. Sim, estava.
- você é um babaca- falei.
Pedro me encarou e retrucou:
- e você é uma garotinha de quatro anos.
Enquanto eu me afastava, ouvi a loira perguntar:
- ela é sua namorada?
Dei meia volta, e eu e Pedro respondemos ao mesmo tempo:
- Não!
- então é sua irmã?- perguntou a garota, confusa, como se eu não estivesse ali.

Ela usava um perfume muito forte que formava uma nuvem ao seu redor; era como se estivéssemos respirando aquela garota.
- não, eu não sou a irmã mais nova dele.
Detestei que aquela garota estivesse presenciando tudo aquilo. Era humilhante. E ela era bonita que nem a Any, o que só piorava tudo.
- a mãe dela é amiga da minha mãe- explicou Pedro.
Então eu era só aquilo? A filha da amiga da mãe dele?
Respirei fundo e falei pra garota, sem pensar:
- olha, eu conheço o Pedro desde que nasci, então já vou logo avisando que isso é um erro; melhor se jogar em cima de outro. Pedro nunca vai amar alguém tanto quando ama a si mesmo, então...

Levantei a mão e dei um tchauzinho debochado.
- Camis, cala a boca- advertiu Pedro, com as orelhas vermelhas de raiva.
Tinha sido um golpe baixo, mas eu não ligava. Ele merecia.
A loira com boné do Red Sox franziu a testa.
- do que ela está falando, Pedro?
- ah, me desculpa, você não entendeu quando eu disse que você tava se jogando em cima de um idiota?- respondi, nervosa.

O rosto bonito dela se contorceu em uma careta de raiva.
- sua vagabunda...- sussurrou ela.
Senti meu corpo se encolhendo. Queria poder retirar o que tinha dito. Nunca brigara com garota nenhuma- nem com ninguém, na verdade.
Por sorte, Pedro interveio, apontando pra fogueira.
- Camis, vai pra fogueira e me espera lá- mandou, ríspido.
Foi quando Lucas chegou.
- ei, ei, o que tá acontecendo?- perguntou ele, com seu sorriso tranquilo e bobo de sempre.
- seu irmão é um idiota- respondi- é isso que tá acontecendo.

Lucas passou o braço pelos meus ombros. Ele cheirava a cerveja.
- ora, vocês dois, comportem-se!
Eu me livrei do abraço dele e disse:
- Eu estou me comportando. Mande seu irmão fazer o mesmo.
- espera aí, vocês também são irmãos?- perguntou a loira.
- nem pensa em ir embora com aquele cara- alertou Pedro, virando-se pra mim.
- relaxa Pê- interveio Lucas- ela não vai. Não é Camis?- disse ele, me encarando.

Assenti, contrariada, e lancei o olhar mais cruel que conseguia fazer para o Pedro e para a loira, mas só quando já estava longe o bastante para que ela não me puxasse pelo cabelo ou algo do tipo.

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