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À noite, quando eu não conseguia dormir, sempre descia a escada de fininho e ia pra piscina. Começava dando voltas, então nadava até cansar. Depois voltava para a cama sentindo aquela dorzinha gostosa nos músculos, muitos trêmulos e relaxados. Quando saía da água, adorava me enrolar em uma das enormes toalhas azuis de Helena. Então subia para o quarto na pontinha dos pés e dormia com o cabelo ainda molhado. É tão bom dormir depois de sair da água! Não tem coisa igual.

Dois verões antes, Helena me encontrou lá em baixo. Desde então, ela passava algumas noites nadando comigo. Já debaixo d'água, dando minhas voltas, eu a sentia mergulhar e começar a nadar do outro lado da piscina. Nós não nos falávamos, só nadávamos, mas era reconfortante tê-la ali. Foram as únicas vezes do verão que a vi sem peruca.

Naquela época, depois de perder o cabelo por causa da quimioterapia, Helena passou a usar peruca o tempo todo. Ninguém a via sem, nem mesmo minha mãe. Helena tinha o cabelo mais lindo do mundo: longo, cor de caramelo, macio como algodão-doce. A peruca nem se comparava ao cabelo dela, apesar de ser cara, da melhor qualidade, feita de fios naturais. Quando o cabelo voltou a crescer, depois da químio, ela passou a usá-lo curto, na altura do queixo. Continuava bonito, mas não era a mesma coisa. quem a olhasse depois do câncer nem poderia imaginar como era antes, com o cabelo comprido como o de uma adolescente. Como o meu.

Não consegui dormir na primeira noite daquele verão. Sempre demorava um ou dois dias para me reacostumar com a cama, mesmo que tivesse dormido nela praticamente todos os verões da minha vida. Eu me remexi e me revirei por um tempo, até que não aguentei mais: botei o maiô de listras douradas com o decote nadador. Era minha primeira visita noturna à piscina naquele ano.

Quando eu nadava sozinha, à noite, tudo ficava muito mais nítido. Ouvir minha respiração enquanto levantava e afundava a cabeça me acalmava e fazia com que eu me sentisse forte e tranquila. Como se eu pudesse nadar sempre.

Durante minha quarta volta na piscina, bati com o pé em algo quando fui me virar. Levantei a cabeça pra tomar ar e vi que era a perna de Pedro. Ele estava sentado na borda, balançando os pés dentro d'água. Tinha passado todo aquele tempo me observando. E fumava um cigarro.

Fiquei dentro d'água, submersa até o pescoço, subitamente me dando conta de que aquele maiô estava pequeno demais. Eu não ia sair da piscina com Pedro ali, de jeito nenhum!

-desde quando você fuma?- perguntei, em um tom acusatório.- e o que está fazendo aqui embaixo?

- o que você quer que eu responda primeiro?

Ele estava com aquela cara debochada e condescendente de sempre. Aquela cara que me deixava louca

Nadei até a ponta da piscina e me debrucei na borda.

- a segunda pergunta.

- eu não estava conseguindo dormir e então saí pra dar uma volta- explicou ele, dando de ombros
Era mentira. Ele tinha saído pra fumar.

- e como você sabia que eu estava aqui?

Ele tragou o cigarro.

- ah, qual é, Camis. Você sempre vem nadar à noite.

Ele sabia que eu nadava à noite? Achei que fosse um segredo só meu. Meu e de Helena, claro. Fiquei me perguntando desde quando ele sabia e se todo mundo sabia. Nem sei por que isso importava, mas sei que importava. Pelo menos pra mim.

- ok, tudo bem. E desde quando você fuma?

- não sei. Acho que desde o ano passado

Ele estava sendo vago de propósito. Que raiva!

- bom, mas não deveria. Melhor parar agora mesmo. Já está viciado?

Ele riu.

- não.

- então pare. Sabe que pode parar, basta querer.

Se ele quisessem, poderia fazer qualquer coisa.

- bem, talvez eu não queira.

- mas deveria, Pedro. Fumar faz mal.

- e o que eu ganho se parar?- perguntou ele, me provocando, enquanto segurava o cigarro acima da abertura da lata de cerveja.

O clima mudou de repente. Parecia carregado de eletricidade, como se um raio tivesse acabado de cair em mim. Larguei a borda da piscina e nadei pra longe dele. Senti como se tivesse demorado uma eternidade para responder.

- nada. Você deveria parar por si mesmo.

- é verdade- concordou ele, acabando com o momento. Então se levantou e jogou o cigarro dentro da lata de cerveja.- boa noite, Camis. Não fique até tarde aqui fora. Nunca se sabe o tipo de monstro que pode aparecer a noite.

Tudo estava de volta ao normal. Joguei água nas pernas dele, que se afastava.

- vai se ferrar!- gritei, mas Pedro já tinha me dado as costas.

- espera! Vai parar de fumar ou não?- gritei.

Pedro não não me respondeu, só riu. Deu pra perceber pelo jeito como seus ombros balançaram quando ele fechou o portão.

Depois que ele saiu, fiquei boiando. Sentia as batidas do coração palpitando nos ouvidos. Batia rápido-rápido-rápido, como um metrônomo. Pedro estava diferente. Eu já tinha percebido no jantar, antes de ele me contar sobre a Lisa. Ele havia mudado. E ainda assim, o efeito que exercia sobre mim permanecia o mesmo. Eu continuava sentindo exatamente a mesma coisa. Era como se eu estivesse no topo de uma montanha-russa, prestes a despencar.

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