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Naquela noite, dormi com o moletom do Lipe. Era meio bobo, mas eu não ligava. Também usei no dia seguinte, mesmo estando um calor impressionante. Adorei as mangas gastas, como se a roupa já tivesse passado por várias coisas. Parecia mesmo um casaco de um garoto.

Lipe foi o primeiro garoto que prestou atenção em mim daquele jeito, que disse com todas as letras que queria sair comigo. E que não teve vergonha de admitir isso.

Quando acordei, percebi que por alguma razão tinha dado a ele o telefone da casa. Devia ter dado meu celular, pra facilitar.
Fiquei esperando, mas o telefone nunca tocava. Só quem ligava pra ele era Helena, pra saber qual tipo de comida levar para o jantar, ou minha mãe, para pedir a Henrique que colocasse a toalha na máquina de lavar ou que acendesse a churrasqueira.

Fiquei no deque, pegando sol e lendo revistas, com o moletom do Lipe no colo, como se fosse um bicho de pelúcia. As janelas estavam abertas, e eu sabia que ouviria se o telefone tocasse.

Coloquei bastante protetor solar, depois passei duas camadas de bronzeador. Não sabia se fazia sentido, mas achei melhor prevenir do que remediar. Misturei um pouco de suco de morango solúvel em uma garrafa de água, peguei um rádio, óculos escuros e revistas. Os óculos tinham sido presente da Helena, uns anos antes. Ela adorava me dar presentes. Quando saía, sempre voltava com alguma coisa pra mim. Coisas bobas, como aquele par de óculos vermelho, redondo, da última geração, que ela disse que eu precisava ter. Ela conhecia meu gosto, trazia coisas que eu nunca nem tinha pensado em ter, muito menos desejado comprar, como creme de lavanda para os pés ou um estojo de seda para colocar maquiagens.

Minha mãe e Helena tinham saído cedo para uma de duas visitas às galerias de arte de Trancoso, e Pedro, graças a Deus, já tinha ido para o trabalho. Lucas ainda estava dormindo. A casa era só minha.

Na teoria, a ideia de me bronzear parecia muito divertida. Ficar deitada aí sol, bebendo refresco de canudinho e dormindo como um gato gordo. Mas, na prática, era meio chato e entediante. E quente. Eu preferia mil vezes tomar sol boiando no mar a ficar deitada em uma cadeira, suando. E dizem que bronzeador vem mais rápido com a pele molhada.

Naquela manhã, porém, eu não tinha escolha m porque Lipe poderia ligar a qualquer momento. Fiquei ali, deitada, suando e fritando como um frango na chapa. Era chato, mas era uma necessidade.

O telefone tocou depois das dez. Levantei em um pulo e corri até a cozinha.

- alô?- atendi, sem fôlego.

- oi, Camis. É o Sr. Rivera.

- ah, oi, Sr. Rivera- falei, tentando não soar muito desapontada.

Ele pigarreou.
- e aí? Como vão as coisas?

- tudo bem. Mas a Helena não está. Ela e minha mãe foram visitar umas galerias.

- está bem. E os garotos?

- bem...- eu nunca sabia como falar com o Sr. Rivera.- Pedro está no trabalho, e Lucas está dormindo. Quer que eu o acorde?

- não, não, tudo bem.

Houve uma longa pausa, e fiquei tentando encontrar algo para dizer.

- o senhor... Hum... Vem este final de semana?

- não, este fim de semana, não- respondeu ele. Sua voz parecia muito distante.- bem, eu ligo mais tarde. Fique bem, Camis.

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