Capítulo 12

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                ◇ Alerta de Gatilho

P.O.V. Allye

Espero por cerca de vinte minutos, até ter a certeza de que ninguém vai atrapalhar meu sono. Assim que coloco a cabeça nos travesseiros, o sono simplesmente desaparece. As palavras da May rondam minha mente, vão e voltam a cada segundo.

Há alguns anos, a última vez que me apaixonei verdadeiramente por alguém, saí completamente quebrada, não só emocionalmente, mas também fisicamente. Não que ele tenha me batido, ele jamais faria isso, ele poderia ser qualquer coisa, menos um covarde. Saí fisicamente quebrada pelo acidente que sofri, logo depois de ter terminado com ele.

Já passava das duas da madrugada, estávamos dentro do seu carro, chovia muito do lado de fora, os parabrisas mal conseguiam dar conta da quantidade de água que os atingia. A pista estava escorregadia, a velocidade estava acima de 180km/h e o carro derrapava. Me desesperei em uma curva fechada, gritei a plenos pulmões para que parasse, ele não ouvia. Pensei que realmente ele queria terminar de forma amigável, engano meu, fui ingênua, não segui meus instintos. Qualquer momento após este eu não me recordo, nenhum fragmento sequer. Algo bloqueia minhas lembranças daquela noite, talvez por ter sofrido algum trauma. A única recordação de que tenho é no hospital, com o braço direito quebrado, duas costelas fraturadas, e diversos arranhões por meu abdômen, costas e acima das sobrancelhas.

Sei que não vou conseguir dormir agora, não com todos esses pensamentos na minha mente, ainda não aprendi como calá-los. Jogo os edredons para o lado com força e pressa, preciso fazer alguma coisa que ocupe minha mente, encaro as caixas no lugar onde foram deixadas. Arrumo os objetos da maneira que ficam lindamente organizados, os troco algumas vezes de lugar, até ficar convencida de que está bom, coloco os livros na prateleira, em ordem alfabética, um pouco sistemática, e louca por organização quando se trata dos meus livros. Giro no meio do quarto, onde reside um tapete claro felpudo.

Lly: Até que ficou bom.- sorrio orgulhosa, distraída aperto o tapete com os pés, a sensação é agradável e reconfortante.

Tenho vontade de ver que horas são, mas logo desisto sabendo que seria pior, ficaria contando os segundos e isso se tornaria uma tortura. É angustiante quando não consigo dormir, penso em tudo que já aconteceu, na maioria das vezes é a coisa mais horrível que poderia fazer a mim mesma. Remoer o passado, reviver toda a dor, os sentimentos ruins, corroe ainda mais o coração, o infecciona.

Olho para baixo encontrando meus pés no tapete felpudo e fofinho, sem demora sento em cima dele com as pernas cruzadas, apoio minhas mãos ali, fazendo movimentos de vai e vêm usando a mão esquerda. Sinto a textura, sua maciez me faz querer não parar nunca de acariciá-lo. Fecho os olhos, somente o escuro, respiro devagar e de forma profunda, por fim suspiro alto e levanto. Não pretendo ficar aqui, não enquanto minha mente está cheia de lembranças. Abro a porta, usando de uma cautela gigantesca, as meninas podem acordar, já é de madrugada, elas estão cansadas e precisam descansar. Percebo que passei horas arrumando o quarto. Olho para os dois lados do corredor, noto que todas as portas estão fechadas, dificultando a passagem de som. Com calma chego as escadas, só mais alguns passos, a sala está no meu campo de visão, todas as luzes apagadas, a casa iluminada somente pelo brilho da lua.

Ligo a televisão, passo de canal em canal, sem ter nada que valha a pena assistir. Leilões bovinos, telejornais, desenhos infantis, mais leilões e filmes que já assisti várias vezes. Aperto um botão, o escuro retorna a sala com a TV desligada. Olho para o teto, pisco devagar, penso no que poderia fazer. Organizei o quarto e não têm nada de interessante na televisão, não é seguro fazer alguma coisa dentro de casa, com a cabeça no encosto do sofá encaro a entrada da cozinha, sorrio e caminho para lá.

Como OlvidarOnde histórias criam vida. Descubra agora