CAPÍTULO I

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Este livro é dedicado
ao meu marido, Ed,
e a nossos filhos
Kurt, Jill, Christie,
Jeff e Jon.
E a nossos netos,
Lívia, Blake, Kennedy
e Brooklynn.

CAPÍTULO I

Fort Smith, 1870

— Oh, céus, o que eu fui fazer? — sussurrou Hanna Malloy, apreensiva, enquanto descia do barco a vapor que a transportara rio acima desde Nova Orleans.
Olhou para o céu carregado e cinzento, que prometia outro aguaceiro de primavera a qualquer momento, e ouviu o zumbido de insetos que voavam perto do rio. Desapontada, inspecionou o lamacento entreposto de fronteira de Fort Smith. Aquilo era sua salvação? Aquilo era a resposta para suas preces e a recompensa para seis meses de planejamento cuidadoso para assumir o controle de seu futuro? O que, afinal, estivera pensando!
— Quer ajuda com a bagagem, dona?
Hanna afastou-se do sujeito de odor desagradável que se aproximara dela enquanto estivera absorta em pensamentos. O homem de cabelos por cortar e maliciosos olhos cinzentos abriu-lhe um sorriso que revelou duas falhas nos dentes da frente.
— Obrigada por sua gentil oferta de ajuda, mas posso me arranjar sozinha — respondeu ela.
O sujeito baixo e atarracado observou as valises dela com ar de cobiça, olhou para lá e para cá e, então, afastou-se. Hanna teve a nítida sensação de que, se não houvesse dezenas de barqueiros do rio, caubóis recém-chegados de suas jornadas, jogadores de cartas e trabalhadores da ferrovia andando a sua volta, o homem teria apanhado suas valises e saído em disparada.
Ela engoliu em seco e olhou, inquieta, ao redor. Não estava na melhor das companhias no momento. De fato, em todos os seus vinte anos de existência, jamais estivera em ambiente tão ruim sem a proteção de um acompanhante.
Uma sensação de pânico e desilusão esteve perto de dominá-la. Em busca de apoio moral e algum conforto, segurou o medalhão de ouro que levava ao pescoço... um presente de infância de sua mãe. Respirando fundo para se acalmar, deixou o cais, passando pelo antigo forte abandonado, murado de pedra, que fora construído num despenhadeiro de arenito acima do rio Arkansas.
— Oh, céus — murmurou ela, enquanto subia na direção da cidade fronteiriça, situada a uma mera centena de metros de distância da divisa com o infame território indígena... onde, segundo se dizia, ladrões e assassinos corriam à solta.
Não havia avenidas com calçamento, hotéis de luxo, butiques sofisticadas, nem lampiões a gás para iluminar as ruas de terra. Havia, no entanto, notou ela, perplexa, uns trinta saloons, a sede de um jornal, um banco e várias lojas que atendiam a necessidades básicas. Dezenas de carroças, charretes e cavalos selados esperavam ao longo de calçadas de madeira irregulares.
Ela fizera planos detalhados, guardara sua mesada e usara o dinheiro deixado pela falecida mãe para seu enxoval para aquilo? Pelos céus! Mesmo em seu vestido lilás simples, parecia vestida com requinte demais e deslocada em comparação às poucas mulheres pelas quais passou na rua.
Hanna endireitou os ombros, ergueu a barra do vestido e marchou em frente com determinação. Tinha de lembrar a si mesma... repetidamente... por que dera as costas a seu estilo de vida aristocrático, sacrificara todos os seus luxos opulentos em Nova Orleans e deixara o noivo escolhido a dedo por seu pai no altar. Ela, que possuía o que a maioria das mulheres almejava, descera pela janela de uma igreja apinhada de convidados e saíra em disparada para pegar o barco que a levaria pelo rio até a preciosa liberdade com a qual sonhara durante anos. Pelo bem de sua independência, teria de aprender a se adaptar e aceitar a vida em termos diferentes daqueles que lhe eram familiares.
Subiu na calçada de madeira diante de um saloon para evitar a rua lamacenta e esburacada. Música de piano, risos masculinos e o cheiro de fumaça de charutos saudavam-na enquanto passava por uma taverna atrás da outra para chegar até um dos hotéis na atrasada cidade fronteiriça.
Quando um rufião embriagado saiu cambaleando de um dos saloons e colidiu com ela, Hanna passou os braços em torno de uma coluna rústica de madeira para não acabar sendo atirada na lama, as valises balançando pelas alças nas pontas de seus dedos.
— Ora, o que temos aqui? — disse o homem com sua voz pastosa, lambendo os lábios e observando-a com olhos injetados.
Um trovão reverberou acima, dando sinal de iminente tempestade e ameaçando a firme resolução de Hanna. Se tivesse um pingo de juízo, voltaria na mesma direção até o rio para pegar o vapor seguinte para Nova Orleans e a vida que lhe era familiar. O entusiasmo de chegar até sua terra prometida particular fora esmagado, substituído por desilusão e incerteza.
— Por que você e eu não arranjamos um quarto e nos conhecemos melhor? — sugeriu o bêbado, no que, presumidamente, seria sua voz mais sedutora.
Hanna estremeceu com repulsa e afastou-se da coluna áspera.
— Com licença, senhor — disse com frieza. — Estou indo ao encontro do meu noivo. — Era uma meia verdade, provavelmente uma das muitas que teria de contar até chegar a seu destino.
Antes que o homem de aspecto desagradável pudesse agarrar seu braço, ela se esquivou e afastou-se a um passo rápido, esperando poder chegar a um hotel antes de ser abordada novamente. Mesmo em sua pressa, notou que estava atraindo demais a atenção dos homens que passavam pela calçada. Pelos céus! Ocorreu-lhe a proporção entre homens e mulheres naquela cidade devia ser tão desequilibrada que eles salivavam diante da simples visão de uma mulher. Não se esqueceria de comprar outro vestido que ocultasse sua feminilidade na primeira chance que tivesse. Toda aquela atenção indesejável estava deixando-a nervosa e arruinando sua tentativa de fazer sua chegada ali passar quase despercebida.
A última coisa que queria era encontrar uma fila de homens seguindo-a. Tolerara o bastante de homens e suas intenções ocultas... sem mencionar aquelas mais óbvias em relação a sua pessoa. Por causa de sua riqueza e posição na sociedade de Nova Orleans, lidara com mais caça-dotes e oportunistas do que podia enumerar, todos ávidos por se ligarem à fortuna de sua família. E seu pai, maldito fosse, havia feito desfilar inúmeros pretendentes escolhidos a dedo diante dela e, finalmente, dera seu ultimato quando a vira apenas ganhando tempo e colocando defeitos em todos.
Pensar no pai dominador a fez fortalecer sua resolução, e ela ergueu o queixo com ar determinado. A despeito da trovoada e do súbito aguaceiro que formou uma cortina de chuva ao longo do amplo beirai acima da calçada, Hanna assegurou a si mesma que tinha o que queria. Agora, ela estava no controle de sua vida e de seu destino.
Os sacrifícios que fizera para chegar até Fort Smith, as dificuldades que talvez enfrentasse durante seu êxodo, valiam, sem dúvida, a pena. Finalmente, estava livre do controle do pai. Ele nunca mais tomaria uma decisão por ela, nem lhe diria o que fazer. Aquele era seu grito de independência de Walter Malloy, o magnata influente e poderoso do ramo do transporte fluvial e marítimo que acreditava que sua única filha era uma marionete que podia manipular a sua conveniência.
Walter acreditava que o dinheiro podia comprar tudo e que todo homem tinha seu preço. Durante a viagem de barco a vapor rio acima, Hanna fizera um pacto consigo mesma de que conseguiria virar a filosofia fria e despótica de seu pai contra ele, para se assegurar de que romperia o controle dele sobre ela para sempre. Desistira de todas as tentativas de agradá-lo, de conquistar seu amor e respeito. Passara anos tentando conseguir sua atenção e aprovação, mas o pai parecia sentir aversão em passar mais do que alguns momentos olhando em sua direção antes de se virar. Aos olhos dele, ela jamais seria o filho amado que perdera para a doença.
Daquele modo, Hanna deixara para trás sua vida de sofisticação, luxo e elegância, para encontrar um marido. A sua idéia de um companheiro perfeito, não a de seu pai. Ela elaborara uma lista de seus requisitos para um marido perfeito. Ele próprio seria um homem intimidante... não um facilmente subjugado pelas ordens de seu pai, nem suscetível de subornos, os quais faziam tantas pessoas se curvarem à vontade ferrenha de Walter.
Hanna levantou os olhos, notando a tabuleta de madeira indicando que chegara a um hotel. Se estivesse em Nova Orleans, não teria colocado os pés em estabelecimento tão precário. Mas não estava em Nova Orleans e o que mais gostaria era de se refugiar da chuva e da multidão de homens caminhando atrás dela. Estava farta de ser devorada por olhares masculinos e exausta da jornada. Sem mencionar o desgaste emocional pelo qual passara depois que o pai anunciara que ela se casaria com quem ordenasse, onde e quando decidisse.
O pensamento renovou-lhe a onda de frustração. Decididamente, precisava de um lugar isolado para descansar, para relaxar e restaurar forças antes de rever sua lista de requisitos para o marido que esperava arranjar rapidamente. Depois que se recobrasse, faria uma pequena investigação naquela cidade lamacenta e atrasada para encontrar um homem que concordasse em lhe emprestar seu sobrenome por um preço substancial. Seria a filha de seu pai, usaria suas próprias táticas, pela primeira e última vez.
Após uma breve cerimônia de casamento, o noivo poderia seguir seu caminho e ela, o seu... rumo ao oeste. Ouvira dizer que no Oeste uma mulher não ficava tão restrita por expectativas sociais quanto no Leste. Era para o Oeste que pessoas de espírito livre migravam, para viverem de acordo com suas próprias regras e começar vida nova.
Com certeza, em algum lugar daquela cidade de três mil pessoas, poderia encontrar um homem que fosse intimidante e firme o bastante para enfrentar seu pai. Um homem que não ficasse num lugar por tempo o bastante para que Walter Malloy o localizasse e lhe oferecesse rios de dinheiro para que o casamento fosse anulado, antes de arrastar a filha de volta para casa, a fim de casá-la com aquele aristocrata pomposo que escolhera.
Hanna contraiu o rosto, lembrando-se do confronto com o pai. Ele explodira naquela voz ameaçadora e desagradável, esbravejando que aquele fora o último pretendente que ela rejeitaria e que se tornaria a sra. Louis Beauchamp... dos altamente prestigiados Beauchamp, cuja família descendia diretamente da mais elevada aristocracia da França. A aliança de dois poderosos magnatas do transporte marítimo e fluvial asseguraria um monopólio de companhias de navegação como Nova Orleans nunca vira.
Reagindo com fúria e ultraje, Hanna recusara-se a obedecer, retrucando que, se Walter gostava tanto de Louis Beauchamp... dos altamente respeitáveis Beauchamp... então ele que se casasse com o homem.
Aquele fora um erro de enormes proporções. Walter ficara encolerizado, esbravejando que haveria um casamento e uma aliança e que Hanna aceitaria suas decisões, como a filha zelosa e agradecida que deveria ser.
Daquele dia em diante, um sisudo acompanhante... Rutherford J. Wiley... fora designado para ela a cada vez que saíra da vasta plantação deles junto ao rio Mississippi, ou se aventurara para além da elegante mansão em Nova Orleans. De acordo com o pai, ela não teria oportunidade para contrariar sua decisão.
Ou assim acreditara, pensou Hanna com um sorriso triunfante, enquanto se adiantava até o balcão do hotel. Aproveitara a única brecha de oportunidade que o pai dera no decorrer dos meses anteriores. A janela da sala reservada onde deveria ter colocado seu vestido de noiva antes que Walter a tivesse conduzido pela igreja para tornar-se esposa de Louis Beauchamp. Aquela janela fora sua salvação. Ela estivera preparada para aquela chance, fizera planos naquele sentido, até o último detalhe.
Imaginava que o pai teria ficado possesso quando percebera que ela havia escapado. Gostaria de ter visto a expressão no rosto dele quando se dera conta de que ela o desafiara e fugira da cidade. Se conhecia seu pai — e o conhecia muito bem —, ele não mediria despesas para contratar os detetives mais qualificados... os da renomada Agência Pinkerton, sem dúvida... para levarem-na de volta para casa.
Mas seria tarde demais. Ela teria um marido e já voltaria a desaparecer quando o pai tivesse descoberto seu atual paradeiro e o que fizera para desafiar sua tirania.
— Em que posso ajudar, senhorita?
Despertando dos pensamentos, Hanna levantou os olhos, notando o homem calvo e de óculos que a observava detrás do balcão.
— Eu gostaria de um quarto, por favor. O melhor que o senhor tiver — acrescentou, certa de que o melhor que Fort Smith teria a oferecer nem de longe se compararia aos luxos com os quais crescera.
O proprietário era James Jensen, de acordo com uma plaqueta de madeira com seu nome no balcão. Ele abriu-lhe um sorriso bondoso.
— Lamento, senhorita. Receio que o segundo melhor quarto seja tudo o que tenho a oferecer. Nossa suíte mais espaçosa foi alugada uma hora atrás para um homem que se tornou lendário nestas redondezas. É um dos agentes mais eficientes e confiáveis do juiz Parker, sabe. — James inclinou-se para frente com ar confidencial. — Por sua natureza e profissão, não é um homem cujo caminho as pessoas queiram atravessar. Mas ele e seu cão salvaram minha vida numa noite escura de inverno, quando quatro bandidos sanguinários me arrastaram até o beco para me espancarem e roubarem o dinheiro que eu estava levando ao banco. Agora, nós temos um trato permanente. Quando ele está na cidade, fica com as melhores acomodações que tenho a oferecer. Livre de despesas.
Hanna estava intrigada. A reputação do juiz Isaac Parker... o Juiz dos Enforcamentos, como fora apelidado... era amplamente conhecida. Aquela lenda viva que trabalhava para Parker talvez fosse exatamente o tipo de homem que ela procurava.
— Então, ele é um agente do governo? — perguntou, esperançosa.
James sorriu, irônico.
— Quando necessário. Um caçador de recompensas, na maior parte do tempo, porém. Você poderia dizer que ele é o último recurso quando todos os métodos civilizados de lei e ordem falham. Rápido como ninguém no gatilho, ele pega os casos mais difíceis e lida com os piores bandidos que se escondem no território indígena. É claro que, sendo mestiço de cheroqui, ele conhece cada centímetro daquele imenso território, cada covil secreto, onde foras-da-lei gostam de se esconder com seus ganhos ilícitos.
— Então, está dizendo que esse eficaz caçador de recompensas e, por vezes, agente do governo, ausenta-se da cidade frequentemente? — perguntou Hanna com crescente interesse.
— Sim — confirmou o dono do hotel, enquanto virava o livro de registros para que ela pudesse assinar seu nome. — Para ser mais exato, ele só vem à cidade uma vez por mês para trazer prisioneiros, testemunhar nos julgamentos e receber suas recompensas.
Em outras palavras, aquele lendário caçador e exímio atirador era enviado para prender os criminosos mais perigosos que infestavam a sociedade. Arriscava a vida diariamente por vultosas recompensas.
Uma onda de expectativa dominou Hanna. Ao que parecia, a sorte estava do seu lado. Mal fizera uma hora que chegara a Fort Smith e já obtivera um ótimo candidato a marido. Ele era mais ou menos um pistoleiro de aluguel que provia um serviço necessário. Se estava acostumado a lidar com assassinos cruéis regularmente, nem pestanejaria num confronto com o autoritário e controlador pai dela. Walter Malloy seria tão intimidante para aquele destemido justiceiro quanto um mosquito zunindo.
— A maioria dos homens da lei cavalga pelo território indígena em grupos de dois a quatro, levando uma carroça que serve como quartel-general, escritório, cozinha e cadeia móvel — acrescentou James. — Mas não Cale Elliot. Ele e seu cão viajam sozinhos e é dessa maneira que gosta.
Cale Elliot, pensou Hanna, enquanto assinava um nome fictício no livro de registros a fim de despistar os detetives do pai. E eles iriam até ali a sua procura; ela não tinha a menor dúvida. Mas, então, teria uma aliança de casamento no dedo e uma certidão de casamento em seu poder.
Quando elaborara seu plano inicialmente para fugir do controle do pai, chegara a pensar em procurar um preso condenado para marido. Mas não levara muito tempo para compreender que precisaria de alguém vivo. Se fosse viúva, o pai poderia levá-la de volta facilmente para Nova Orleans para casá-la com Louis Beauchamp. Não, precisava de um marido vivo, e aquele caçador de recompensas mestiço parecia preencher os requisitos perfeitamente. Ela poderia se casar de imediato e desaparecer antes que o pai a localizasse.
— Pronto, senhorita... — James olhou para a assinatura no livro de registros — ...Rawlins. Vire à direita no alto da escada. Seu quarto fica duas portas além, à esquerda.
— Fica perto do quarto do caçador de recompensas? — perguntou Hanna, ansiosa.
Presumindo que a jovem esperava ter proteção por perto, James sorriu e, então, olhou por sobre a cabeça dela para notar o grupo de homens parados junto à porta da frente, todos atentos à atraente recém-chegada.
— Ele estará bem em frente a você no corredor. Não é do tipo que gosta de jogar conversa fora, mas, se problemas surgirem, é o homem que vai querer do seu lado.
Sra. Cale Elliot, pensou ela. O nome soava bastante bem...
Uma súbita preocupação a fez franzir o cenho. E se o sr. Elliot já fosse casado? Talvez tivesse uma esposa que vivesse na Nação Cheroqui.
Não vá arrumando mais complicações, ordenou a si mesma, enquanto aceitava a chave de James. Decidiu ir à procura do sr. Elliot com sua proposta tão logo tivesse tido tempo de se lavar um pouco. Se fosse casado, talvez pudesse recomendar outro agente do governo que serviria a seus propósitos igualmente bem.
— A senhorita não terá de ir longe para desfrutar uma boa refeição — informou-a James, meneando a cabeça calva na direção do restaurante anexo. — Minha esposa e a irmã são ótimas cozinheiras. As melhores da cidade, na verdade. Veio ao lugar certo para ter um quarto limpo e arrumado e refeições apetitosas.
— Obrigada. Tenho certeza que sim. — Hanna inclinou-se para apanhar suas valises e, então, adiantou-se até a escada.
— Chamarei um dos funcionários para carregar sua bagagem — ofereceu James.
— Não é necessário. Eu me arranjarei bem sozinha. — Dali em diante, Hanna pretendia ser independente. Era sua bagagem, afinal, e ela mesma a carregaria.
Subiu as escadas com o ânimo renovado, ponderando que estava um passo mais perto da proteção garantida pelo casamento, para desfrutar independência, liberdade e viver como e onde decidisse. Logo, teria oportunidade de explorar seus talentos ocultos, de descobrir para o que tinha habilidade, em vez de continuar sendo sufocada pelas exigências e expectativas do pai.
Teria algum talento para escrever? Para pintar? Poderia se tornar uma modista de prestígio? Uma atriz, ou cantora? As possibilidades reluziam à sua frente como um pote de ouro ao final de seu arco-íris particular.
Rumara em direção oeste para encontrar a si mesma, para descobrir seu próprio lugar no mundo. Sem o nome conhecido de sua família para despertar interesse e atrair a atenção de oportunistas ávidos por uma herdeira, podia ser apenas ela mesma pela primeira vez em sua vida. Duvidava que encontraria o amor em algum lugar para além do notório território indígena. Pelo que podia dizer, o amor não existia. Era uma idéia fantasiosa, e ela obviamente não possuía as qualidades para atrair o amor de alguém. Se tivesse sido o caso, o próprio pai a teria amado. Mas, não importando o que acontecesse, não se tornaria uma esposa de fachada, um objeto de ostentação para Louis Beauchamp... um homem que pensava e agia como uma versão mais jovem do pai dela. Um homem que a queria apenas por sua aparência, prestígio social e riqueza, não pela pessoa que era por dentro.
Hanna parou na metade da escadaria para recobrar o fôlego e notou a tabuleta que dizia: Não se Permitem Animais. Subiu o segundo lance de escadas e virou à direita. Esperou sinceramente que sua busca pelo marido perfeito estivesse perto de uma conclusão satisfatória.
Depois da cerimônia, enviaria um telegrama ao advogado da família para anunciar que cumprira os requisitos necessários para assumir o controle do dinheiro que a mãe deixara para ela sob curadoria... dinheiro que nem seu pai, nem Louis Beauchamp poderiam tocar, ou controlar. Embarcaria numa diligência para atravessar o território indígena, o Texas e ir mais além. Não olharia para trás: olharia para frente, com grande expectativa, para sua liberdade e seu futuro.


Cale Elliot colocou seus alforjes sobre o encosto de uma cadeira e, então, pegou a garrafa de uísque da mesa. James Jensen nunca deixava de ter um quarto preparado a sua espera quando chegava a notícia de que ele retornara com seus prisioneiros a Fort Smith. Depois que salvara James de um covarde espancamento, o homem tornara-se prontamente seu amigo. O que era bom, porque Cale não tinha muitos amigos. Sua linha de trabalho afastava pessoas em ambos os lados da lei e seu estilo de vida despertava especulação cautelosa em vez de amizade.
Cale sorveu um gole, sentindo o uísque queimar pela garganta até o estômago vazio. Uma vez que era uma espécie de comemoração particular, tomou mais um gole. Após cinco anos frustrantes fazendo perguntas e seguindo pistas, descobrira o paradeiro do homem que assassinara seu meio-irmão e sua cunhada. Ele finalmente deparara com a informação vital, e sentimentos de uma vingança havia muito esperada formavam um turbilhão em seu íntimo.
Embora Joe Horton tivesse desaparecido por completo no Kansas, Arkansas e no território indígena, ele aparentemente ressurgira no Texas, usando o nome falso de Otis Pryor. Um dos fugitivos que Cale interrogara durante a jornada de volta a Fort Smith fornecera a informação em troca de um indulto. Obviamente, Cale teria oferecido a lua ao fora-da-lei para incitá-lo a revelar o que sabia sobre Otis Pryor. E, de fato, ele trocaria uma palavra com o juiz Parker antes que Wilbur Burton fosse a julgamento, como prometido. Mas sua "palavra" não seria favorável. O patife desalmado assassinara dois cheroquis idosos e roubara-lhes o rebanho. A única mensagem que ele pretendia transmitir ao juiz era a de que a justiça prevalecesse.
Cale pousou a garrafa na mesa e passou a mão pelo rosto barbudo. Precisava urgentemente de um banho quente e de dois dias de sono ininterrupto. Os três malfeitores que levara à justiça tinham se empenhado ao máximo para fugir dele e do melhor cão de guarda de toda a região... talvez o melhor de todos os Estados Unidos. Ele se esgotara ao longo de três semanas, procurando pistas com seu fiel Skeet e interrogando testemunhas sobre crimes de assassinato e roubo.
Tinham sido necessários tiroteio e luta corporal para, enfim, convencer os fugitivos a se renderem. No final, Cale algemara os fugitivos e os entregara à lei. Mas correra o risco de ter os miolos estourados durante o fogo cruzado. Suas próprias balas tinham sido destinadas a imobilizar os foras-da-lei, não matá-los. O juiz Parker preferia que os criminosos fossem levados a julgamento. Às vezes, Cale tinha pouca escolha, vendo-se obrigado a retornar com os corpos dos fugitivos atravessados sobre o dorso dos cavalos. Mas não tinha intenção de demonstrar compaixão alguma quando encontrasse Otis Pryor. Olho por olho, jurou com amargura.
Infelizmente, o problema era que Otis cercara-se de um pequeno exército de pistoleiros de aluguel e expulsara os antigos proprietários de uma fazenda com ameaças de morte. O patife usara o dinheiro que roubara do meio-irmão dele, Nuvem Cinzenta, e de várias outras vítimas inocentes para preencher sua fazenda com gado e cavalos roubados e, regularmente, enviava seu bando de ladrões para roubar mais reses a fim de aumentar os rebanhos.
Cale não podia adentrar pelo forte do malfeitor disparando seus revólveres. Não, tinha de elaborar um plano engenhoso para vingar as mortes que haviam liquidado tudo o que restara de sua família. Durante anos, estivera lutando as batalhas de outros homens no lugar deles, reparando erros que haviam ficado tempo demais sem punição. Agora, era a sua vez, seu momento de ir em busca de justiça pessoal. Primeiramente, porém, precisava de um plano eficaz para se infiltrar no forte de Otis Pryor e conseguir passar pelos homens da lei corruptos que o malfeitor comprara.
De repente, ouviu Skeet rosnando e colocou-se em imediato alerta. O cão estivera tirando um cochilo debaixo da mesa. Agora, empinava as orelhas e mostrava as presas. Cale retirou reflexivamente seu Colt do coldre e adiantou-se em silêncio na direção da porta para surpreender quem pretendesse fazer o mesmo com ele.
Aquela não seria a primeira vez quem alguém tentava atacá-lo sorrateiramente. Perdera a conta do número de vezes que algum bandido tentara apanhá-lo por ter prendido algum companheiro de bando. Nem podia se lembrar do número de ameaças de morte já recebidas.
Na verdade, menos de um ano antes, um vingativo membro de um bando arrombara a porta daquele mesmo quarto e tentara atirar em Cale, enquanto estivera relaxando em sua banheira. Não podia nem sequer desfrutar um banho tranquilo sem que algum sujeito miserável o atacasse com um revólver ou faca.
Quando Skeet se levantou, preparado para saltar na direção da porta, Cale fez um sinal para que o enorme cão permanecesse quieto. Ele posicionou-se ao lado da porta e ouviu a leve batida. Antes que o visitante indesejável tivesse tempo de reagir, Cale abriu a porta abruptamente, passou o braço pelo peito do intruso na diagonal e encostou-lhe o cano de seu revólver abaixo do queixo.
Apenas não era um homem... mas uma mulher.
— O que acha que está fazendo? — exclamou ela, aturdida.
— Que diabo... — murmurou Cale, enquanto avaliava o surpreendente conjunto de curvas femininas e macias que aprisionava em seus braços.

Caçador Do Amor( Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora