CAPÍTULO XVII

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Quando a porta se abriu, Hanna achava-se numa pose sedutora do lado mais afastado da cama. Ela se obrigou a sorrir convidativamente, enquanto o olhar de Otis a percorria com lasciva aprovação.
— Você decididamente valeu a espera — disse, rouco, enquanto despia o colete de brocado e desabotoava a camisa.
— Mais importante — disse ela. — Espero que você não prove ser a mesma decepção que meu marido era. Eu achava a impaciência dele cansativa.
Hanna observou-o atirando a camisa de lado e viu-se comparando o peito do homem ao de Cale. Não havia comparação. Mesmo que Otis não fosse um assassino traiçoeiro, ele não teria lhe exercido a menor atração, porque ela tinha olhos para apenas um homem... e ele precisava desesperadamente de sua ajuda.
Quando Otis fez menção de começar a desabotoar as calças, Hanna tirou a arma de trás de si e apontou-a diretamente para as partes íntimas dele.
— Não precisa fazer isso, Otis. Mudei de idéia.
A expressão de surpresa dele transformou-se num ar colérico. Mas, então, sorriu, zombando da arma que ela lhe apontava.
— Você espera que eu acredite que vai puxar o gatilho?
— Não me importo nem um pouco com o que você acredite. Mudei de idéia. Chame isso de capricho feminino, se quiser, mas ocorreu-me que, agora que você tirou meu marido do caminho, tenho controle sobre a minha herança e não preciso da segurança que um homem pode prover.
O sorriso sardônico dele deu lugar a um grunhido raivoso enquanto avançou um pouco na direção dela.
— Basta de seus jogos! — esbravejou.
— Não, não basta — retrucou ela, toda a encenação de arrogância esquecida. — Você me levará para fora desta casa e para longe de seus guardas. Se não o fizer, estará morto e eu encontrarei a saída sozinha...
Subitamente, Otis avançou para cima dela, e não restou escolha a Hanna senão mostrar-lhe que falava a sério. Apertou o gatilho, atirando na coxa dele, sabendo que alertaria os guardas e que logo teria outra luta nas mãos.
— Sua vadia! — gritou Otis, enquanto segurava a perna machucada.
Tentou imobilizá-la, mas Hanna saltou da cama e correu do quarto. Pôde ouvir Otis soltando impropérios enquanto a perseguia com sua perna baleada. Desceu a escadaria rapidamente com alguma esperança de conseguir chegar até a espingarda que Otis mantinha pendurada ao lado da porta da frente antes que os guardas adentrassem na casa.
Agradeceu à sorte por ele ter trancado a porta quando ambos haviam chegado. Foi tudo o que impediu os guardas de entrarem de imediato para a cercarem antes que pudesse pegar a espingarda e se certificar de que estava carregada. Olhou por sobre o ombro e viu Otis mancando pela escada, um revólver em punho apontado para ela. Rapidamente, apontou a espingarda na direção dele.
Xeque-mate!
Vidro espatifou-se enquanto a porta foi arrombada e cinco homens armados adentraram na sala.
— Atirem nela! — ordenou Otis furiosamente.
— Não é uma boa idéia.
Hanna soltou uma exclamação de surpresa quando ouviu a voz de Cale vindo do alto da escada. Quase deixou cair a espingarda quando o viu recostando-se pesadamente no corrimão. De tão inchado, um olho estava completamente fechado. O outro não se achava em muito melhor estado. Ele tinha a manga do paletó manchada de sangue e estava coberto de poeira. Como conseguia se manter de pé era algo que fugia totalmente à compreensão de Hanna. Mas o rifle na mão dele não se desviou nem um instante sequer de seu alvo: a parte detrás da cabeça de Otis.
Maldito homem!, enfureceu-se Hanna silenciosamente. Cale sabia que sua repentina aparição desviaria a atenção dos guardas dela. Os cinco rifles que tinham sido apontados para ela de imediato viraram-se para Cale. Naquele meio tempo, Hanna mantinha Otis sob a mira da espingarda, enquanto ele apontava o revólver para seu peito. Pelos céus! Não sabia como algum deles sairia dali vivo quando as armas começassem a disparar.
— Mags, se um desses guardas sequer parecer prestes a atirar, quero que você estoure os miolos de Pryor — ordenou Cale. — O que quer mais que aconteça, ele morrerá primeiro. Entendido?
— Perfeitamente — confirmou Hanna.
— Atirem nela! — gritou Otis, enraivecido.
— É melhor não — interrompeu-o Cale. — Ou, então, serei eu a estourar os seus miolos. Como eu disse, Otis, não importando o que mais aconteça, você é um homem morto. Isso é uma promessa.
Hanna ouviu uma rosnadura familiar, seguida de um grito de dor, que indicou que Skeet chegara em cena. Sua vítima desavisada... o guarda parado junto à porta... caiu de encontro ao atirador a seu lado. Foi toda a distração que Cale precisou para saltar pelos degraus e golpear Otis. Quando bateu com o cabo do rifle na cabeça do malfeitor, Otis caiu pelo restante dos degraus até o chão.
Hanna virou a espingarda na direção dos guardas, que tinham sido distraídos pelo ataque de Skeet. O som de cavaleiros se aproximando fez com que os pistoleiros corressem para fora... sem dúvida prevendo que seus comparsas tinham chegado para lhes dar reforço. A idéia de mais daqueles renegados chegando deixou Hanna em pânico. Uma vez que eles tivessem se reagrupado, era evidente que cercariam a casa. Seu olhar alarmado pousou em Cale quando lhe viu o esforço para tentar se manter de pé. Correu, aflita, na direção dele para ajudá-lo, sabendo que precisava urgentemente de um médico, não de outra batalha onde as chances seriam mínimas com capangas entrando pela porta da frente.
Cale cambaleou tanto de encontro a ela que Hanna temeu que ambos caíssem. Apoiando-se no corrimão, manteve a arma apontada para a porta aberta, esperando fogo cruzado a qualquer momento.
Dois tiros ecoaram do lado de fora e Cale segurou seu ombro.
— A porta dos fundos — disse por entre os dentes cerrados. — Dê o fora logo daqui, Mags.
— Não sem você. — Ela envolveu-o com o braço livre pela cintura para empurrá-lo na sua frente.
— Droga, Mags, faça o que lhe digo.
— Droga, Cale, faça o que eu digo a você — retrucou Hanna. — Eu...
Tarde demais, deu-se conta de que Otis recobrara a consciência e fechou a mão em torno do revólver que caíra perto da ponta de seus dedos. Cale tentou reagir depressa, mas tivera de usar o rifle como uma muleta improvisada para se manter de pé. Hanna não conseguiu posicionar sua arma com uma só mão a tempo de disparar.
— Não! — gritou quando Cale se moveu para protegê-la com seu corpo.
Skeet tentou atacar, mas Otis fez um disparo antes que o cão avançasse até seu pescoço. Hanna soltou um grito de terror quando Cale cambaleou, alvejado, e, então, avançou na direção de Otis.
Mandíbulas fechavam-se em torno do pescoço de Otis, e Skeet recusava-se a soltá-lo, mesmo quando ele virou o revólver para o cão. Cale avançou para cima de homem e cão, virando o braço de Otis de lado para desviar a bala, que acabou atingindo a parede. Cale tirou a arma da mão do malfeitor.
— Você está preso, seu desgraçado. Você assassinou Nuvem Cinzenta e a esposa dele cinco anos atrás. Era meu irmão — esbravejou Cale, ofegante. — Sou Cale Elliot, e o juiz Parker vai mandar você para a forca muito em breve.
Otis arregalou os olhos em reconhecimento da lendária reputação de Cale, enquanto continuava preso sob as fortes mandíbulas de Skeet. Então, Cale caiu de lado e perdeu os sentidos, derrubando Skeet no chão. Otis levantou-se para apanhar o revólver da mão de Cale.
Num instante, Hanna avançou até Otis. Bateu com o cabo da espingarda em cheio na têmpora dele, enquanto lágrimas de raiva e desespero escorriam por seu rosto. Otis tentara apertar-lhe o pescoço, mas só conseguiu arrancar-lhe o colar. O medalhão, seu talismã, deslizou pelo chão, parando ao lado do ombro de Cale.
— Pelos céus! — exclamou Walter Malloy quando invadiu a casa nos calcanhares de Julius e Pierce.
A última pessoa que Hanna esperara... ou queria... ver no meio daquele tumulto era seu pai. Mas ali estava ele, observando-a boquiaberto e incrédulo, enquanto, em seu diminuto traje vermelho, ela desfechara o golpe certeiro em Otis.
Queria ir até Cale e determinar seu estado, mas temia que ele pudesse ter morrido para protegê-la, exatamente como prometera que faria, se necessário fosse, quando ambos haviam iniciado aquela jornada.
Seu coração dilacerava-se diante da idéia de perder Cale para sempre, e deixou-se cair ao lado de Skeet, soluçando. O cão ganiu e deitou-se de imediato a seu lado, como se quisesse oferecer consolo. O coração dela dizia-lhe para ir depressa até Cale. Mas a mente a alertava de que, se lhe examinasse os ferimentos e descobrisse que eram fatais, teria de lidar com a terrível dor de perdê-lo.
Apesar de seu tormento, forçou-se a engatinhar até o lado de Cale e verificar-lhe o pulso. Estava vivo, felizmente. Mas levara outro tiro no braço. Ela rasgou-lhe um pedaço do tecido da camisa para enrolá-lo em torno do ferimento.
— Pelos céus, garota! — berrou Walter, encolerizado. — Vista algumas roupas por cima desse traje obsceno! Estou chocado que esse seu marido imprestável tenha feito você se vestir feito uma prostituta de quinta categoria!
Hanna ergueu a cabeça e afastou os cabelos do rosto para olhar na direção do pai. Era difícil enxergar através das lágrimas inundando seus olhos.
— Isto não foi idéia do meu marido. Ele decididamente não teria aprovado. Foi idéia dele — disse, fazendo um gesto na direção da figura inerte de Otis no chão.
— Então, ele merece levar um tiro, o patife lascivo! — exclamou Walter.
— Eu já lhe dei um tiro na perna — soluçou Hanna.
— Bem — declarou Walter, olhando furiosamente para um desacordado Otis. — Alguém deveria atirar nele outra vez!
Quando Julius se aproximou para ajudar Hanna a se levantar, ela enlaçou-o pelo pescoço, abraçando-o com toda a força. Tomada por toda a tensão de um incidente traumático após o outro, sentiu-se desmoronando. Chorou no ombro de Julius, enquanto ele lhe dava tapinhas de consolo nas costas. Não lhe passou despercebido o fato de ter recorrido a Julius em vez do pai em busca de conforto. Nem tampouco que Walter chegara para arrastá-la de volta até Nova Orleans para atirá-la nos braços de Louis Beauchamp... da linhagem nobre dos Beauchamp da França. O pensamento desesperado provocou outro pranto convulsivo que certamente estava ensopando o colarinho da camisa de Julius.
— Mags?
Hanna ficou imóvel e, então, espiou para além do braço de Julius. Aliviada por Cale ter recobrado a consciência, foi ajoelhar-se a seu lado.
— Você não deveria ter levado aquele tiro no meu lugar... — Sua voz falhou quando a mão dele dobrou-se fracamente em torno de seus dedos trêmulos.
— Da próxima vez que eu lhe disser para sair enquanto houver a chance, é melhor não me desobedecer — disse ele, rouco.
Cuidadosamente, ela o ajudou a deitar-se de costas e segurou-lhe o rosto machucado e inchado entre as mãos. Cale encarou-a com uma expressão glacial no olho que ainda mal conseguia manter aberto.
— Nada disso — falou ela, a voz embargada. — Só sairei se você for comigo, ou, do contrário, ficarei para lutar ao seu lado.
— Ei, vocês da Pinkerton — chamou Pierce quando três detetives entraram pela porta... depois de terem capturado e rendido os homens de Pryor. — Façam alguma coisa e me ajudem a carregar Cale até lá em cima para uma cama. Ele levou outro tiro no braço e precisa de cuidados. Algum de vocês entende alguma coisa de socorro médico?
— Eu entendo — respondeu o detetive Sykes.
— Ótimo — disse Pierce. — Geralmente é o Chefe que cuida dos ferimentos de todos.
Os homens formaram um círculo em torno de Cale, esperando impacientemente que Hanna o soltasse... o que não parecia pronta a fazer tão cedo.
— Senhora — persistiu o agente Sykes. — Precisamos realmente examinar os ferimentos dele. O homem perdeu muito sangue.
Relutante, Hanna colocou-se de lado. Apanhando seu medalhão, colocou-o na mão de Cale. O medalhão de ouro lhe dera forças e apoio moral quando precisara, e fez uma prece para que o amor simbólico em torno de sua relíquia herdada protegesse Cale.
Sabia que era pessoalmente responsável por ter-lhe causado dor e agonia e ansiava implorar o perdão dele. Mas Pierce e os detetives da Pinkerton esperavam para carregá-lo até o andar de cima, deixando-a para lidar com o pai. Não era uma perspectiva agradável.
Hanna ergueu-se com dignidade... o máximo de dignidade que pôde reunir enquanto estava vestida feito uma daquelas garotas de bordel que entretinham homens como meio de sustento. Decidida, virou-se para confrontar o pai, que parecia cansado, perplexo e zangado ao mesmo tempo.
— Não irei para casa com você — declarou sem preâmbulos.
Ele apenas continuou encarando-a com uma expressão estranha, indecifrável no rosto.
— Falo sério, pai. Amo meu marido e ficarei aqui — persistiu Hanna, enxugando as lágrimas.
Julius levantou os olhos de onde se agachara... a perna machucada esticada... para amarrar as mãos e os pés de Otis. Dirigiu a Hanna uma piscadela e um sorriso de encorajamento.
— Não há dúvida de que ela ama o marido, Malloy. Parece que você deve a vida de sua filha a Cale Elliot. Eu disse a você que não há ninguém melhor do que ele.
Pierce apareceu no alto da escada.
— Hanna, Cale está chamando você.
Ela adiantou-se depressa até a escada.
— Pai, dê uma mão a Julius para arrastar Otis até lá fora.
Walter piscou, atônito.
— Agora mesmo — exigiu a filha. — Há criminosos a serem trancafiados na cadeia e uma cidade cheia de moradores a serem tranquilizados com a notícia de que, finalmente, suas vidas podem voltar ao normal. Faça alguma coisa.
Hanna não olhou para trás, mas ouviu o pai bufando, indignado, e Julius soltando um risinho. Era tempo de o pai dar-se conta de que ela se tornara uma mulher independente... se ainda não tivesse chegado àquela conclusão. Além do mais, nem por decreto de lei, ou força maior, ela retornaria a Nova Orleans. Ela vencera as barreiras da sociedade, vencera as tentativas de Walter de podar sua natureza independente. Enfrentara um terrível pesadelo naquela noite e passara por uma prova de fogo. E, com mil diabos, ninguém poderia impedi-la de viver todo o seu potencial agora!


Cale contraiu o rosto enquanto o agente Sykes extraía a bala de seu braço esquerdo. Pierce metera-lhe uísque pela goela abaixo em preparação a um método de sedação rudimentar e improvisado, mas a dor ainda era insuportável. Fez um esforço para se manter consciente por tempo o bastante para falar com Hanna. Queria que ela partisse dali... logo no início do dia seguinte. Ambos tinham feito um trato, e ela estava livre para ir embora.
E ele jamais se perdoaria pelo fato de Hanna quase ter sido molestada e assassinada!
Ele já não estivera em condições das melhores para começar e, pelos céus, quase tivera um ataque fulminante quando olhara do alto da escada para ver Hanna encurralada entre Otis e seus pistoleiros, usando aquele traje vermelho minúsculo e extremamente provocante.
— Depressa, Sykes. Não tenho a noite toda — queixou-se, os dentes cerrados.
O agente meneou a cabeça, acabando de extrair a bala e banhando o local do ferimento com uísque.
Apesar da dor e queimação em seu braço, Cale soube qual foi o exato instante em que Hanna entrou no quarto. Sua simples presença era quase palpável. Queria que aqueles homens se retirassem para poder conversar em privacidade com ela. Além do mais, não queria os homens devorando-a com olhos naquele traje justo vermelho que lhe destacava cada curva.
— Dê o seu paletó a Hanna — disse ele ao agente Williams. — E, então, saiam, todos vocês. — Não tinha mais de fazer o papel de cavalheiro e não estava com disposição para amenidades. Se ofendesse os detetives da Pinkerton, paciência.
Tão logo Sykes acabou de enrolar uma atadura no braço de Cale, os homens se retiraram. Ele observou a imagem sedutora de Hanna. Teria sorrido com apreciação masculina se seu rosto não estivesse tão dolorido e inchado. Ela estava incrivelmente bonita, mesmo com os cabelos em desalinho e o paletó comprido e folgado. Embora ela tivesse assegurado ao pai que Cale não teria aprovado aquele traje vermelho, ele se sentira afetado no momento em que a vira usando-o... e também, desconfiava, os pistoleiros que tinham recebido ordens para atirarem nela. Na verdade, o atrevido traje podia muito bem ter-lhe salvo a vida.
Ficara tão orgulhoso de Hanna quando enfrentara aqueles criminosos com tanta coragem... embora nem precisasse mencionar que temera terrivelmente por ela quando o fizera. Mas Hanna era incrível. Não era mais a mesma mulher que fora procurá-lo em Fort Smith. Ela testara suas fraquezas e aumentara sua força de caráter desde então. A sua jornada de autoconhecimento fora vitoriosa. Droga, sentiria demais a falta dela quando partisse.
E agora que ele sabia que sobreviveria àquela tribulação, decidiu não confessar seus sentimentos por ela. Pensara naquilo durante um momento de fraqueza e desespero... quando enfrentara a possibilidade de morrer. Mas agora que sobrevivera e refletira melhor sobre o assunto, sabia que seria mais fácil dizer adeus sem aquelas três palavras pairando entre ambos e complicando a partida dela.
Além do mais, quando estivera escondido do lado de fora da janela do quarto, tentando reunir forças para adentrar lá a fim de dominar Otis, ouvira Hanna dizendo ao malfeitor que seu marido era impaciente demais no calor da paixão e que apenas servira a seu propósito temporariamente. Queria acreditar que Hanna somente dissera aquelas coisas para ganhar a confiança de Otis, mas não conseguia se convencer daquilo.
Levando-se tudo em conta, seria melhor deixá-la partir para que Hanna pudesse ir em busca dos sonhos de tanto tempo.
— O agente Sykes acha que você ficará bem depois que tiver tido tempo para descansar e se recuperar — disse Hanna, enquanto se sentava cuidadosamente na beirada da cama. Inclinou-se para depositar um beijo numa parte da fronte dele que não estava escoriada. — Estou tão contente que você tenha conseguido cumprir seu juramento de levar à justiça o assassino de sua família. Graças a você, Otis jamais fará mal a alguém novamente.
— Sem sua ajuda, eu não teria conseguido chegar perto de Pryor. Obrigado, Magnólia.
Ela abriu-lhe um sorriso radiante que o tocou a fundo.
— Fiquei contente em poder ajudar. — O sorriso morreu-lhe nos lábios, os olhos azuis ficando marejados. — Mas, se não tivesse sido por mim, você não teria sido espancado e baleado. Isto tudo é culpa minha e lamento muito!
Apesar do esforço para contê-las, lágrimas rolaram pelas faces dela. Cale estendeu a mão para removê-las com a ponta dos dedos.
— Não, a culpa foi minha por você quase ter sido morta naquele confronto. Eu é que lamento.
Com uma careta, levou a mão ao bolso da calça para pegar a passagem de diligência que guardara ali, entregando-a a ela.
— Tenho mais uma promessa a cumprir — sussurrou, rouco. — Estou deixando você livre, com minha gratidão por sua ajuda. Esta é uma passagem por toda a distância até a Califórnia, se desejar ir até tão longe. Agora, você poderá ir aonde quiser e fazer o que seu coração desejar. Tenha uma boa vida, Magnólia. Você mais do que merece.
Hanna encarou-o como se ele a tivesse desapontado.
— Então, é assim? Depois de tudo o que passamos juntos, tudo o que você tem a dizer é obrigado pela ajuda e tenha uma boa vida?
— O que quer que eu diga? — Cale não podia revelar que a amava tanto que o estava matando o fato de deixá-la ir. Não diria aquilo. Ela não precisava saber. Não era o tipo de homem como o que Hanna precisava ou merecia e amava-a demais para lhe permitir que se contentasse com menos.
— Eu me sentiria melhor se você dissesse que iria sentir minha falta — resmungou Hanna, desviando o olhar para a parede.
— Sentirei sua falta.
Ela levantou-se da cama abruptamente e deu-lhe as costas. Cale percorreu-lhe as pernas bem-feitas com um olhar demorado e descobriu-se desejando tê-la em seus braços... Bem, de nada adiantava desejar poder fazer amor com ela uma última vez porque aquilo não era possível depois de ter sido espancado quase até a morte. Sem mencionar os tiros no braço.
— Cuide-se bem, Mags — sussurrou, ansiando poder tocá-la, mas sabendo que aquilo tornaria a separação de ambos ainda mais difícil.
— Você também, Cale. — Ela observou o bilhete da passagem em sua mão e, então, lançou um olhar por sobre o ombro até ele. Lágrimas cintilavam em seus olhos azuis... cada uma como uma punhalada no coração vazio de Cale. — Se você decidir se casar futuramente, entre em contato com meu advogado, Benjamin Caldwell, em Nova Orleans. Eu me certificarei de que ele saiba onde poderei ser encontrada.
— O mesmo se aplica a você, Mags. Envie sua mensagem a Fort Smith, aos cuidados do juiz Parker. — Cale estendeu-lhe a mão. —Aqui, tome o seu medalhão.
Hanna sacudiu a cabeça e mais algumas mechas finas de cabelos loiros caíram-lhe em torno dos ombros.
— Fique com meu amuleto da sorte. É meu presente de despedida para você.
De repente, ela se foi, seus soluços abafados enquanto se afastou depressa pelo corredor ecoando até Cale.
Ele abriu o medalhão... e sentiu dificuldade em respirar. Céus! Não suportava olhar para aquele retrato em miniatura. Era algo mais doloroso do que ser baleado e surrado. Praguejando por entre os dentes, fechou o medalhão e moveu-se na cama, tentando encontrar uma posição mais confortável para descansar.
Cinco minutos depois, abriu o olho bom subitamente quando uma constatação o atingiu feito um punho cerrado no rosto... e sabia exatamente qual era aquela sensação. Apoiando-se no cotovelo, ergueu-se com esforço, até conseguir sentar na beirada da cama. Logo, viu Skeet deitado no chão, parecendo tão péssimo quanto ele próprio se sentia.
— Julius? Pierce? — chamou.
Um momento depois, a porta se abriu e Arliss Fenton meteu a cabeça pelo vão.
— Julius e Pierce levaram os prisioneiros até a cidade — relatou. — Eu me ofereci para ficar aqui, para o caso de você precisar de mim.
— Preciso de uma montaria. Uma carruagem seria melhor.
Arliss encarou-o em visível aturdimento.
— Não pode estar falando sério!
— Sim, estou.
— Você foi espancado e baleado. Precisa descansar.
— Descansarei quando estiver morto—retrucou Cale, mal-humorado.
— Você morrerá se não descansar — apontou Arliss, franzindo o cenho com ar de reprovação.
Cale encontrou-lhe o olhar firme.
— Você poderá me ajudar a ir até lá fora, ou me observar chegando até lá sozinho.
Quando Cale cambaleou sobre as pernas fracas, Arliss aproximou-se depressa para apoiá-lo. A despeito dos protestos do rapaz... e não foram poucos... Cale desceu a escadaria com dificuldade. Agarrou-se ao corrimão para um necessário descanso, enquanto Arliss levava a carruagem até a porta da frente.
Com a ajuda relutante do rapaz, Cale subiu no veículo, esperou que Skeet se reunisse a ele e, então, esparramou-se no assento durante o trajeto até a cidade. Tinha mais um assunto a resolver antes que Hanna embarcasse na diligência da manhã. Oh, com toda a certeza, nada ficaria no caminho da busca dela por suas esperanças e sonhos.


Walter Malloy ergueu-se de imediato em sua cama no quarto de hotel quando a porta foi escancarada subitamente, batendo de encontro à parede. Uma figura imensa, imponente, tomou a soleira.
— Acenda o lampião, Malloy. Nós vamos conversar.
Era aquele maldito caçador de recompensas, pensou Walter, enquanto obedecia a contragosto ao comando em forma de grunhido. O homem fora surrado e baleado e, ainda assim, ali estava de pé. Embora Walter não aprovasse aquele casamento entre Cale Elliot e sua filha, não podia deixar de admirar a determinação e a resistência do homem. Se nada mais, sentia-se mais do que grato pelo fato de Elliot possuir a coragem e o altruísmo para se colocar diante de uma bala para salvar a vida de Hanna.
Quando o lampião iluminou o quarto, Walter observou o caçador de recompensas, declarando:
— Eu lhe darei dez mil dólares para que você se divorcie da minha filha. Cuidarei da papelada.
Elliot teve a audácia de rir diretamente na cara de Walter.
— Você realmente faz uma triste figura, Malloy.
— Pode-se dizer o mesmo de você. — Walter observou-o adiantando-se com esforço pelo quarto para se acomodar, sem ter sido convidado, numa cadeira. — O que você quer? Estou cansado e está sendo uma noite difícil. Se tivesse um pingo de bom senso depois de tudo que passou estaria numa cama também.
— Enquanto estamos à espera de que Arliss vá buscar Hanna, quero que saiba... e só direi isto uma vez, Malloy... que se você fizer qualquer coisa para impedir que Hanna embarque rumo ao oeste amanhã para ir em busca de seus sonhos, eu perseguirei você feito uma praga. Se ela não estiver feliz, eu também não estarei. Lembre-se disso — declarou Cale num tom de aviso.
— Vinte mil dólares — falou Walter, imperturbável.
— Você pode ir direto para o inferno e levar seu dinheiro junto — esbravejou Cale.
Walter levantou os olhos quando Hanna, usando um vestido conservador, entrou no quarto. Tinha os olhos vermelhos e um tanto inchados, evidência de que estivera chorando. Sem dúvida, sentia os efeitos da terrível e traumática tribulação que enfrentara.
Ela alternou um olhar curioso entre os dois homens.
— O que está acontecendo?
— Temos mais uma coisa a resolver antes que você deixe a cidade, Mags. — Cale tirou o medalhão de ouro do bolso e atirou-o a Walter. — Abra-o. — Como o homem se limitasse a segurá-lo com força, mantendo um olhar faiscante e desafiador, ele repetiu a breve ordem: — Falei para abri-lo.
Enquanto Hanna o observava com ar intrigado, Cale concentrou-se na expressão soturna que subitamente tomou conta do rosto enrugado de Walter. E, naquele instante, teve suas suspeitas confirmadas.
— Chegou o momento de dizer a Hanna por que você a afastou de si nos últimos anos. De explicar por que olhar para ela é tão difícil para você. Vá em frente, diga-lhe, Malloy, ou eu mesmo o farei no seu lugar.
— Cale, por favor... — objetou Hanna.
Ele ergueu a mão, exigindo silêncio. Manteve seu olhar penetrante fixo em Malloy. A cor se esvaíra do rosto do homem mais velho, os ombros caídos. Mas, maldito fosse, ele se recusava a admitir por que não suportava fazer mais do que lançar um rápido olhar à encantadora filha. Bem, pensou Cale, estava certo; ele mesmo resolveria a questão.
— Mags, você se lembra que lhe contei que minha própria mãe me mandou embora de casa porque eu era uma lembrança diária do pesadelo que havia me trazido ao mundo? Ela não conseguia olhar para mim sem ver o homem que a havia molestado.
Hanna confirmou com um gesto de cabeça.
— Eu me lembro, mas não entendo o quê...
— Nós temos mais em comum do que pensei — interrompeu-a ele, enquanto percorria Malloy com o olhar. — No seu caso, acho que olhar para você e ver a imagem perfeita de sua mãe foi doloroso por uma razão completamente diferente. Não é mesmo, Malloy?
A razão para o desentendimento entre pai e filha tornara-se bastante clara para Cale uma hora antes, quando abrira o medalhão para ver uma imagem surpreendentemente parecida com Hanna olhando-o de volta. A visão de uma mulher delicada, de cabelos loiros, parada ao lado de um menino pequeno atingira Cale feito um golpe físico e roubara-lhe o fôlego. Estivera olhando para Clarissa Malloy, mas tudo o que conseguira ver fora Hanna. Sem dúvida, Walter estivera sendo atormentado da mesma maneira, só que ao contrário.
Malloy baixou a cabeça, o queixo apoiado no peito. Segurou o medalhão com força e, após um longo momento, fez um gesto de assentimento.
— Eu a amava tanto — sussurrou, fervoroso. — Ela era minha vida. A cada ano que passou, Hanna, você se tornou mais e mais como sua mãe quando eu a observava. Você já possuía os traços delicados dela, o sorriso e seus olhos. Você desabrochou na linda jovem que Clarissa havia sido. Era uma dolorosa lembrança do que eu havia perdido. Cada dia da minha vida vazia estava me encarando de volta. Eu queria moldar você a exemplo dela. Clarissa era tão delicada, refinada, gentil, seu jeito de falar suave. Era a metade contrastante de minha alma que me tornava um homem melhor. Sem ela...
A voz falhou-lhe, enquanto ele levantou os olhos marejados para fitar Hanna.
— Lamento muito, minha filha. Eu não tinha o direito de tentar transformar você em alguém que não era, por meu próprio capricho pessoal. Quando vi você nesta noite, uma mulher ousada, corajosa, enfrentando perigos, finalmente a vi pelo que você é e pelo que se destinou a ser. Alguém bastante diferente da sua mãe. Mas tão extraordinária quanto ela, a seu próprio modo.
— Oh, papai. — Hanna estava nos braços dele num instante, abraçando-o com força, e Malloy a segurava desesperadamente, os olhos brilhando com lágrimas de arrependimento. — Se você tivesse me dito o que havia em mim que o atormentava tanto, eu teria entendido.
Cale venceu o nó em sua garganta e lembrou a si mesmo que não havia lugar para sentimentalismo no mundo duro em que vivia. Sem ser notado, levantou-se da cadeira para sair. Não precisava manter-se por perto durante aquela reconciliação comovente que demorara tanto para acontecer. Pai e filha precisavam de tempo a sós, e ele precisava estar deitado numa cama. As forças que conseguira reunir para o percurso até a cidade esgotavam-se rapidamente, e ficar de pé tornava-se uma tarefa árdua.
Quando saiu para o corredor e apoiou-se, extenuado, de encontro à parede, Arliss achava-se ali para ajudá-lo.
— Foi uma coisa boa o que você fez. — Guiou Cale pelo corredor até um quarto vago. — Tomei a liberdade de alugar um quarto, porque você decididamente precisa descansar... agora mesmo.
Cale não pôde argumentar contra aquilo. Estava completamente exausto e com dores por todo o corpo. Pior ainda, tinha aquela terrível sensação de vazio no coração. Sabia que... como Walter Malloy, que se desdobrara a seu jeito estranho para tentar lidar com um amor que continuava a torturá-lo... ele estava fadado ao mesmo amargo destino. Amava tanto Hanna que aquele sentimento era como uma dor quase física. Levara um tiro por ela. Teria morrido por ela se as coisas houvessem chegado àquele ponto. Queria se certificar de que todos os sonhos de Hanna se tornassem realidade, mesmo que tais sonhos não o incluíssem.
Com a ajuda de Arliss, ele despiu a camisa e deitou-se na cama. Adormeceu em menos de três minutos. Mas, a certa altura durante a noite, sentiu o contato de algum líquido em seus lábios e língua e engoliu reflexivamente. Achou ter sentido um indício da fragrância única de Hanna e um beijo suave na fronte. Ou talvez fosse apenas uma fantasia envolvendo-o. Não conseguiu saber. Mas teve certeza de que aquela mesma fantasia ficaria com ele durante todos os anos solitários de sua vida.

Caçador Do Amor( Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora