CAPÍTULO XVI

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Arliss Fenton parou abruptamente quando viu Otis obrigando Hanna a entrar na carruagem e, então, levando-a no meio da noite. Tentara chegar até Grayson, mas cinco capangas corpulentos tinham-no arrastado até o beco, de onde haviam desaparecido carregando-o. Arliss ficou ali, sentindo-se impotente e frustrado. Perguntou-se quantos dos cidadãos de Cromwell estariam dispostos a arriscar suas vidas para formarem um grupo de busca. Bem poucos, concluiu. Eles tinham visto aquele tipo de brutalidade antes, muitos tendo sido pessoalmente afetados por ela. Otis Pryor sempre vencia porque sua opressora corja de criminosos cruéis achava-se a seu lado para apoiá-lo.
Arliss pensou em sua mãe sentada em casa sozinha, ainda de luto pelo marido. Lembrava-se da revoltosa fúria que ele próprio suportara, sabendo que não era capaz de vingar a morte sem sentido de seu pai. Pensou em Grayson e Hanna, separados abruptamente porque Otis decidira que a queria para si.
Bem, ele não falharia com todos agora da maneira como fizera com seu pai. Em algum lugar daquela cidade de moradores amedrontados tinha de haver alguém disposto a ajudá-lo a lutar por justiça.
Arliss endireitou os ombros e atravessou a rua principal até onde cinco homens haviam caído, liquidados, na tentativa de derrubar um homem incrivelmente corajoso. Empurrou o ombro de Sam Vickers com o pé, virando-lhe o corpo sem vida para cima. Os dentes cerrados, curvou-se para arrancar-lhe do peito a estrela dourada que deveria representar lei e ordem. Com certeza, aquele malfeitor não precisaria dela no lugar para onde iria. E já iria tarde.
Arliss ainda estava parado no meio da rua quando a diligência chegou à cidade. O ruído dos arreios e dos cascos dos cavalos desvaneceu-se no silêncio quando o cocheiro parou a três metros de distância. Ou seria aquilo, ou passar por cima de Arliss, porque ele se recusou a se mover.
Enquanto o cocheiro examinava a cena lúgubre, um passageiro bem-vestido desceu, olhou ao redor e gritou:
— Mas que diabo está acontecendo nesta cidadezinha atrasada?
Arliss não estava com disposição para responder ao exaltado cavalheiro, que se comportava como se sua repentina chegada fosse tão importante quanto a do presidente daquele país. Arliss virou-se na direção da loja de Grayson para buscar armas e munição, perguntando-se se teria de enfrentar todos os comparsas de Pryor sozinho. Nenhum outro morador se aproximara para se reunir a ele ali na rua.
— Pare aí mesmo, garoto! — ordenou o passageiro. — Vim até aqui para encontrar minha filha, e não ouse ir me dando as costas enquanto não me disser onde ela está!
Foi aquele sotaque sulista, não a ordem esbravejada, que chamou a atenção de Arliss. Virou-se e avaliou o cavalheiro, que se alteou feito um pavão.
— A sua filha? — indagou.
— Hanna — berrou o outro. — Onde diabo está minha filha e onde estão aqueles malditos detetives da Pinkerton? Se acham que pretendo lhes pagar taxas exorbitantes sendo que fui eu que a localizei, estão muito enganados!
— Detetives da Pinkerton? — repetiu Arliss, estupefato.
Haveria homens da renomada agência aparecendo para ajudar? Ele soltou um longo suspiro de alívio. Bem, aleluia! Talvez não tivesse de enfrentar todos os bandidos fortemente armados de Pryor... com a exceção dos cinco mortos... sozinho, afinal.
Walter Malloy estava cansado da longa viagem e preocupado com a filha. Tivera de subornar a secretária de Benjamin Caldwell para obter informações sobre o paradeiro de Hanna, mas descobrira o que quisera saber. Ele embarcara na primeira diligência em direção oeste para ir buscá-la. Agora que estava ali, sua preocupação com a segurança dela elevou-se a proporções alarmantes.
Avançou para frente, lançando um olhar de repulsa aos mortos caídos pela rua. Concentrou, então, toda a sua frustração no rapaz ruivo e magro que estava piscando feito uma coruja perturbada.
— Fale! Tente dizer algo que se aproveite em vez de ficar repetindo tudo o que eu digo. Droga, homem, quero saber onde Hanna está e quero saber agora mesmo!
O som de cavalos se aproximando fez com que Walter olhasse para além do rapaz, que não fora de ajuda alguma até então. Ele estreitou os olhos, irritado, quando avistou dois cavaleiros sendo seguidos por três homens em ternos elegantes.
— Bem, as tropas chegaram finalmente — declarou e, então, soltou um grunhido desdenhoso. Sacudiu a mão no ar, dispensando Arliss. — Vá. Agora, obterei alguns resultados. É melhor que isso aconteça.
O cocheiro subiu no alto da diligência para desamarrar a bagagem de Walter e atirou-a sem cerimônia no chão de terra. Em vez de pernoitar na cidade, como programado, retornou depressa a seu assento e partiu numa nuvem de poeira para evitar riscos desnecessários ali.
Praguejando, Walter adiantou-se para recolher sua bagagem do chão, colocando-a na calçada de madeira.
— Traste miserável — resmungou na direção das costas do cocheiro que já ia longe.
No instante em que os dois cavaleiros e os detetives da Pinkerton desmontaram, Walter aproximou-se do grupo recém-chegado.
— Onde vocês estavam? Correndo atrás das próprias caudas? Temos corpos caídos pelo chão e minha filha não se encontra em lugar algum. Quero que ela seja localizada e esteja sentada sã e salva ao meu lado na próxima diligência.
— Sr. Malloy — disse o detetive Richard Sykes respeitosamente. — Eu estou fazendo...
— Eu sei o que você está fazendo — interrompeu-o Walter bruscamente. — Está fazendo um péssimo trabalho, apesar de ser tão bem pago para realizá-lo direito. Se eu dirigisse minha companhia de navegação com a mesma falta de eficiência que você mostra em suas investigações, estaria falido. Agora, prossiga com o que eu lhe paguei para fazer! E onde estão os outros três detetives que solicitei e pelos quais paguei para este caso? Fui ludibriado, droga!
Enquanto Walter Malloy espezinhava os detetives da Pinkerton — uma visão que satisfazia Julius Tanner imensamente —, o agente da lei mancou na direção do rapaz ruivo, ainda parado na rua.
— Boa noite, filho. Sou o agente federal Julius Tanner e este é o meu parceiro, Pierce Hayden.
— Julius Tanner? — Uma expressão de reconhecimento surgiu no rosto de Arliss. — Você é o homem para quem Hanna enviou o telegrama, não é?
— O próprio — confirmou Julius. — Enquanto aquele bombástico cavalheiro despeja sua fúria sobre os detetives da Pinkerton, por que não nos diz onde poderemos encontrar o agente da lei Cale Elliot e a esposa Hanna?
— Agente da lei Cale Elliot? Ele está usando o nome de Grayson McCloud. Eu sabia que ele era mais do que um simples armeiro. — Arliss fez um gesto na direção dos homens mortos. — Isso é trabalho de Cale, mas outros cinco homens levaram a melhor sobre ele. Posso lhes dizer, porém, que não o derrubaram facilmente.
Julius fez uma careta.
— Está morto?
— Ainda não — respondeu Arliss num tom grave —, mas se Otis Pryor tiver as coisas a sua maneira, e isso tem acontecido há cinco anos, Cale Elliot estará morto em breve.
— Onde está Hanna? — perguntou Pierce, com uma ponta de preocupação.
— Otis Pryor amarrou-a e a fez entrar em sua carruagem. Meu palpite é de que a levou para seu forte, que é cercado por guardas armados.
— E quanto a Skeet? — indagou Julius.
— Eu estava prestes a ir procurá-lo quando a diligência chegou e o pai de Hanna começou a fazer perguntas e a berrar ordens. — Arliss girou nos calcanhares e adiantou-se na direção da loja. — Eu ia pegar armas e munição emprestadas de Cale e tentar formar um grupo de busca, mas não estava esperando nenhum voluntário. As pessoas daqui têm terror de Pryor. E com boa razão.
Julius e Pierce seguiram o rapaz pela rua. Julius praguejou profusamente quando viu Skeet deitado na calçada feito um capacho fora de lugar.
Com os movimentos de Julius tolhidos pela sensibilidade em sua perna, foi Pierce quem se agachou para examinar o cão que havia sido covardemente surrado.
— Ei, garoto? Ainda está com a gente?
O cão ganiu e abriu os olhos. A barriga expandiu-se e tornou a se contrair, como se o animal tivesse de se esforçar para respirar.
— Tem alguma idéia de como localizaremos os Elliot, Pierce? — perguntou-lhe Julius.
Pierce soltou um suspiro e afagou o cão ferido.
— Eu estava com alguma esperança de que o velho Skeet nos guiasse até eles. Mas receio que não tenha lhe restado nenhuma pata boa em que se apoiar.
Amaldiçoando o fato de que haviam chegado tarde demais para prover reforço, Julius mancou em volta do cachorro.
— Arrombe a porta, filho. Precisaremos de todas as armas e munição que conseguirmos carregar.
Após seis fortes pontapés, a porta trancada foi arrombada e escancarou-se. Uma vez no interior da loja, Julius reuniu armamentos o bastante para uma pequena guerra.
— Só mesmo Cale para adquirir apenas as melhores armas que o dinheiro pode comprar — murmurou. — Espero ter a chance de lhe agradecer por isso.
Rapidamente, os três homens meteram munição em cada bolso disponível e apanharam rifles. Arliss escolheu uma espingarda, uma vez que sua pontaria não era das mais certeiras.
— Acha que deveríamos pedir ajuda aos detetives da Pinkerton? — perguntou Julius a Pierce.
— Diabo, fazer parceria com aqueles cretinos pomposos não é minha idéia de diversão — resmungou Pierce. — Mas, sim, acho que é melhor fazermos isso. Poderemos ver se eles valem alguma coisa no meio de um confronto. Vou lhes perguntar se... — Interrompeu-se no meio da frase quando olhou para a porta. — Ora, diabo, acho que só a morte impediria esse cachorro de se levantar.
Julius olhou, boquiaberto, para o cão na soleira da porta, apoiando o peso na pata direita da frente, as demais não parecendo tão firmes. O homem da lei sorriu ironicamente enquanto observava o animal com evidente admiração.
— Ele lembra você de alguém mais que conheça?
— Sim — confirmou Pierce. — Do Grande Chefe. Eu o dei por morto duas vezes quando todas as chances estavam contra ele, mas estou apostando no homem agora.
Munido de seu arsenal, Julius mancou até o lado de fora e sorriu quando percebeu que o enfurecido Walter Malloy ainda despejava sua ira sobre os detetives da Pinkerton. Sem dúvida, os três agentes saltariam diante da chance de entrarem em ação em vez de ficarem ouvindo Malloy.


Cale recobrou a consciência... ou, ao menos, esperava que aquele estranho estado de atordoamento não significasse que fizera a travessia para o outro lado. Levando em conta a dor latejando ao ritmo de seu pulso, concluiu que estava mais ou menos vivo.
Morto, tinha certeza, estaria se sentindo melhor do que aquilo.
Era impossível dizer o que doía mais. A cabeça, talvez... se tivesse de escolher. Se não tivesse sofrido uma concussão, aquilo o surpreenderia muito. O estômago estava em nós e tinha quase medo de abrir os olhos porque sabia que veria em dobro.
O som de risos e o cheiro de uísque penetrou em seus sentidos entorpecidos. Havia guardas por perto, mas, uma vez que seus ouvidos zumbiam feito um enxame de abelhas, era impossível dizer exatamente a que distância. Arriscando um rápido olhar, descobriu que apenas uma pálpebra funcionava... a meio mastro. Não conseguia enxergar sua própria mão diante do rosto. Não que fizesse diferença, porque as mãos estavam amarradas junto às costas e o rosto machucado repousava num chão frio de pedra.
Pelo que podia presumir, estava caído numa das cavernas que serviam de pontos de observação para a fazenda de Pryor. Tinha a sensação de que a única razão para ainda estar vivo era porque Pryor o estava usando como um meio de fazer chantagem com Hanna, assegurando que cumprisse o que lhe ordenasse.
Hanna... O nome dela percorreu sua mente feito um sussurro. Cabelos como raios de sol brilhantes. O rosto de um anjo. O corpo de uma ninfa sedutora. Sua esposa!
O medo absoluto das crueldades que Hanna poderia sofrer nas mãos de Pryor deu a Cale o incentivo para tentar se mover. Evidentemente, porém, cada músculo de seu corpo gritou em protesto. Respirando devagar sentiu a pressão excessiva nas costelas.
Bem, diabo, pensou, resignado. Teria de ficar ali deitado por alguns minutos até convencer o corpo surrado de que precisava se mover... pelo bem de Hanna. O tempo urgia, e ele teria de encontrá-la.
Ele percebeu que o punhal ainda estava em sua bota, e agradeceu à sorte pelo fato de os guardas terem deixado de procurar armas escondidas. Deviam ter presumido que a faca que mandara Sam Vickers direto para o inferno fora a única que tivera.
Os dentes cerrados por causa da dor, Cale contorceu o corpo para retirar o punhal. Feriu o dedo enquanto cortava a corda em seu pulso, mas conseguiu fazê-lo. Um corte no dedo era o mais banal de seus problemas no momento.
Reunindo os resquícios de forças, ele lutou para alcançar as cordas nos tornozelos. Praguejou ao sentir a cabeça girando no escuro da caverna. Não importando quanto se sentisse péssimo, lutaria como pudesse para sair daquele buraco e encontrar Hanna. Ela tinha sonhos a buscar, e amaldiçoado fosse ele se acabasse sendo a razão para a vida dela ser abreviada. Era o culpado de tudo aquilo. Talvez lhe custasse o último sopro de vida para fazê-lo, mas ele a encontraria e se desculparia por tê-la feito passar por tudo aquilo.
Respirando fundo num ato catártico, concentrou-se nas imagens de seu meio-irmão, da cunhada e de Hanna. Especialmente na de Hanna. Amara-os, a todos eles, e nunca reunira coragem para dizê-lo. Tinham sido necessários alguns golpes na cabeça para colocar seus sentimentos na perspectiva adequada, mas estava com a mente ordenada agora... ou razoavelmente, ao menos.
Apoiado nas mãos e joelhos, Cale gatinhou na direção da saída da caverna para determinar quais eram suas chances. Três contra um. Certo, numa avaliação mais realista seriam três contra um terço de homem, naquelas circunstâncias. Mas se conseguia calcular frações, então ainda tinha capacidade mental o suficiente para descobrir como sair dali.
Cale olhou na direção dos três homens, que estavam recostados de encontro ao despenhadeiro de arenito, passando uma garrafa de uísque entre si. Ele tinha um brinde próprio que queria partilhar com os três e, embora o momento não fosse dos mais propícios, oportunidade melhor do que aquela não haveria. Além do mais, aquela era uma corrida contra o tempo. Contando apenas com pura força de vontade... e com um corpo que certamente se movia sem sua habitual agilidade... Cale elaborou com rapidez um plano e colocou-o em prática.


No momento em que Otis empurrou Hanna por sua porta da frente, ela virou-se para encarar-lhe o rosto de expressão sardônica. Como agir para reverter aquela situação a seu favor?, perguntou-se. Queria cuspir no rosto dele e apontar-lhe uma arma para a cabeça até que o patife lhe dissesse onde seus homens estavam entendo Cale prisioneiro. Infelizmente, sua hostilidade não contribuiria para as chances de sobrevivência dele. Teria de fazer Otis baixar a guarda para que a desamarrasse.
A pequena arma que Cale encorajara-a a prender à coxa não lhe serviria de nada enquanto suas mãos não estivessem livres. Pior, com Otis parado ali, praticamente devorando-a com os olhos, não poderia pegar o punhal metido em sua bota para cortar as cordas que a prendiam. Precisava desesperadamente de tempo a sós.
— Pronto — disse Otis, enquanto se aproximava mais para correr o dedo indicador pelo rosto dela. — Seu inconveniente marido está fora do caminho e é tempo de você aceitar o convite que eu lhe fiz anteriormente. — Lançou um olhar à escadaria, como se não quisesse deixar a menor dúvida quanto ao significado de suas palavras.
— E se eu prometer me deitar com você, está planejando poupar a vida do meu marido? Embora você tenha conseguido virar minha cabeça, minha consciência me impede de ver liquidado definitivamente o homem com o qual me casei às pressas apenas para me livrar do controle do meu pai dominador. Não verei Grayson McCloud morrer somente para me assegurar de que não estarei eternamente condenada por adultério. Com certeza, você se dá conta de que não sou assim tão cruel.
Otis abriu um breve sorriso enquanto a despia com seus olhos lascivos.
— Uma mulher de princípios. Admiro isso, minha cara. E então, o que devemos fazer com aquele seu marido inconveniente?
— Mande-o embora. Depois da maneira como seus homens o surraram e considerando a falta de interesse que lhe tenho demonstrado nos últimos dias, duvido que Grayson se sentirá impelido a querer me levar consigo.
— Você acha que não? — Otis estudou-a com ar duvidoso. — E quanto a sua tocante demonstração de compaixão quando tentou escapar de mim para poder correr até ele, enquanto estava caído e derrotado no meio da rua?
Hanna sabia que tinha de parecer convincente o bastante para conseguir enganar Otis, para levá-lo a acreditar que ela não lhe representava ameaça física alguma e que não tinha mais o menor interesse pelo marido.
— E como teria parecido aos cidadãos de Cromwell se eu não tivesse demonstrado compaixão por meu próprio marido? — argumentou, fitando-o com altivez.
Ela sabia se portar como a filha de seu pai quando necessário. Era fácil fazer com que as palavras dele saíssem por seus lábios... certamente as ouvira com frequência o bastante para memorizá-las.
— Sabe, Otis, descobri que nada é tão importante quanto a percepção que a sociedade tem de você. O seu valor e importância são julgados por percepção. Minha imagem na cidade ficará arruinada se as pessoas acreditarem que abandonei Grayson de livre e espontânea vontade para desfrutar as vantagens conjugais que você pode me oferecer e ele não.
Otis franziu o cenho, pensativo. Sem dúvida, tentava descobrir se acreditava nela.
— Nossa ligação não será satisfatória para nenhum de nós se você não perceber que manter as aparências é de vital importância para mim. Não andarei pelas ruas de Cromwell para que as pessoas olhem com desprezo para mim, como se eu fosse uma traidora e uma meretriz que mudou sua lealdade porque você é mais próspero do que meu marido. Deve saber que sou fiel a minha imagem como também me interesso pelos luxos que você pode prover. Não se engane quanto a isso.
— Agora — acrescentou, encarando-o com firmeza. — Irei até lá em cima com você espontaneamente, ou você terá uma briga em suas mãos para consumar esta ligação?
Hanna tinha a sensação de que estava conseguindo dominar a mente de Otis e de que ele estava tendo dificuldade em acompanhar suas racionalizações e conclusões. A inteligência do homem era visivelmente inferior à de Cale, notou. Teria de se lembrar de usar aquilo em proveito próprio também.
— E então? — persistiu quando o viu apenas parado ali, ainda tentando assimilar tudo o que lhe dissera.
— Desamarre minhas mãos.
— Eu acho que não me apressarei em avaliar quanto você é leal a mim.
— Sábia decisão. — Ela deu de ombros, fingindo indiferença. — Testarei você também, é claro. Minha próxima união não será tão apressada quanto a primeira, disso pode ter certeza. Mas, como eu disse, Grayson McCloud serviu a seu propósito bem o bastante.
Quando ela se virou, Otis agarrou-lhe o braço e puxou-a para si.
— Aonde pensa que vai?
— Atender minhas necessidades, e seria algo bem mais fácil se eu não estivesse com as mãos amarradas junto às costas. Imagino que tenha acomodações lá em cima, certo?
Otis estudou-a com ar indeciso.
— Acho que não confio em você, minha cara.
— E eu começo a me perguntar se não cometi um erro de julgamento ao trocar meu marido por você. Talvez eu tenha deixado sua riqueza e influência em Cromwell me impressionarem depressa demais. Há mais alguém na região que se aproxime de seu poder e posição social? Talvez eu deva olhar adiante antes de decidir a quem entregar minha lealdade.
— Não — retrucou ele, veemente. — Você pertencerá a mim.
Hanna arqueou uma sobrancelha com ar de superioridade.
— Então, dê-me uma boa razão para ficar. E, por favor, faça com que seja algo além de um encontro banal na cama. Através de experiência passada, descobri que a maioria dos homens não são amantes excepcionalmente bons. Isso deixa apenas a promessa de riqueza e influência social do tipo que impõe respeito e assegura tratamento preferencial.
Ela conteve um sorriso malicioso quando Otis bufou com indignação. Criticar as habilidades de um homem na cama era obviamente a maneira mais deprimente de ofendê-lo.
— Se você não tem andado satisfeita na cama, então é evidente que tem dormido com os homens errados — persistiu ele com arrogância.
Ah, ótimo, ela decididamente pisara no orgulho masculino dele. Usaria aquilo contra o malfeitor também.
— Bem, isso terá que ser visto. Agora, você vai me desamarrar, ou terei de recorrer a acrobacias para cuidar de minhas necessidades?
Após um momento, Otis colocou-se atrás dela para desamarrar-lhe as mãos.
— Dê-me apenas uma razão para desconfiar de você minha cara — disse-lhe ao ouvido —, e farei com que se arrependa para diabo.
— "Com que se arrependa amargamente" seria melhor — corrigiu-o ela, altiva. — As suas maneiras precisam ser aprimoradas. Um cavalheiro não usa linguagem vulgar na presença de uma dama. Tive de ensinar a mesma coisa ao meu marido.
— Você não é exatamente a mulher que pensei que fosse em princípio — comentou Otis, avaliando-a cuidadosamente.
— Você não é o cavalheiro charmoso que me levou a crer que fosse tampouco. Acho que isso nos deixa quites — retrucou Hanna, enquanto esfregava os pulsos para reativar a circulação nas mãos. — Agora, preciso de um momento de privacidade. Não terei de ir até lá fora para encontrá-lo, não é?
Otis fez um gesto na direção da escada sem deixar de fitá-la.
— Subirei para me reunir a você em poucos minutos.
O comentário pairou pesadamente no ar e Hanna esforçou-se para não deixar transparecer a sua repulsa.
— Espero que seja agradável. Estou farta de homens cuja única preocupação é a de saciar apenas as próprias necessidades. — Com aquilo, Hanna caminhou sensualmente na direção da escada, assegurando-se de que tinha a completa atenção do homem. Otis, jurou a si mesma, não teria a recepção que esperava. Virou-se no meio da escada para olhar para ele com ar inquiridor.
— Onde fica o seu quarto?
— Segunda porta à esquerda — respondeu ele, sorrindo com lascívia. — Tomei a liberdade de lhe comprar lingerie para celebrarmos nossa primeira noite juntos.
Hanna arqueou as sobrancelhas delicadas e obrigou-se a devolver o sorriso.
— Ah, o primeiro presente que recebo de você. Obrigada. É um começo, mas estarei esperando mais.
Obrigou-se a subir o restante dos degraus calmamente, em vez de correr feito louca até o quarto para trancar e montar uma barricada na porta. Optara por uma batalha que achara que talvez fosse capaz de vencer. Agora, teria de encontrar um meio de apanhar Otis de surpresa e usá-lo como seu refém.
Uma vez no quarto, ela apoiou-se de encontro à porta e respirou fundo para se acalmar. Era a primeira vez em sua vida que gostaria de agradecer ao pai por sua arrogância e hábito de se impor sobre as pessoas para garantir que sua vontade fosse feita. Ela não pedira a cooperação de Otis; exigira-a, como se aquilo fosse seu direito.
Pense!, ordenou a si mesma silenciosamente. Dispunha de apenas poucos minutos para decidir como lidar com Otis e descobrir um meio de passar pelos guardas armados a postos em torno da casa.
Pousou o olhar na cama, cujas cobertas tinham sido afastadas em preparação para o ato de sedução de Otis. Franziu o cenho com ar de censura quando observou o diminuto traje sobre a cama. Uma espécie de corpete com calcinhas numa peça inteiriça, o traje vermelho de renda e arremates de pequenos babados, dava a impressão de ter sido feito para uma garota de saloon. Mas, apesar de ser uma peça de roupa absolutamente indecente, Hanna concluiu que meter-se dentro dela ao menos serviria para manter Otis distraído.
Aquele era definitivamente o local de uma outra batalha que poderia vencer. Sua armadura podia não passaria de lingerie rendada, mas teria um punhal na bota e uma arma escondida atrás de si quando Otis entrasse no quarto... com outras coisas em mente além de se defender dela. O jogo seria decididamente virado, prometeu a si mesma, categórica.
Rapidamente, Hanna despiu seu respeitável vestido de cetim e meteu-se no minúsculo traje. De tão justo moldava-se a sua cintura como uma segunda pele e mal lhe cobria os quadris, as cavas altas adornadas com babados junto as suas coxas. A parte do corpete era tão cavada no alto que, por pouco, seus seios não se esparramavam para fora da renda e dos babados vermelhos. Embora seu senso de decência objetasse veementemente, estava desesperada e determinada. Ao menos, não teria de se despir para aquele cafajeste repugnante, consolou a si mesma.
Uma sensação de pânico ameaçou seu controle quando ouviu passos no corredor. Teria de parecer calma e confiante. Precisava vencer Otis usando de astúcia, porque a vida de Cale estava em jogo.


Julius tinha de aplaudir Skeet. O pobre animal precisava de cuidados, mas foi mancando e ganindo durante o trajeto de pouco mais de três quilômetros até a fazenda de Pryor. Arliss Fenton usou o tempo para colocar Julius e Pierce a par das atividades criminosas em Cromwell. Julius não tinha idéia de qual seria o interesse de Cale, ou de Hanna, em Pryor. Mas o patife certamente despertara a ira dos dois agentes da lei por ter atacado seus amigos recém-casados.
Quanto aos detetives da Pinkerton, estavam excessivamente quietos. Lambendo as feridas, sem dúvida. Walter Malloy ainda os trucidava verbalmente e, então, ameaçou providenciar para que eles fossem despedidos de seus empregos na agência.
Julius não pôde deixar passar a oportunidade. Com um sorriso diabólico, olhou por sobre o ombro, dizendo:
— Se vocês, rapazes, perderem seus empregos, falarei em seu favor ao juiz Parker. O salário é péssimo. As acomodações são uma porcaria. Mas não terão de se meter nesses ternos engomados e chapéus ridículos para perseguir criminosos.
Tendo sido destituídos de sua arrogância e dignidade, graças ao ferrenho ataque verbal de Malloy, os detetives chegaram a sorrir da provocação de Julius. Bem, diabo, ele estava começando a gostar daqueles almofadinhas da Pinkerton.
Seus pensamentos se dispersaram e ele ficou instantaneamente alerta quando ouviu um cavalo relinchando ao pé da colina. No escuro da noite, não pôde avistar montaria, nem cavaleiro, mas sacou a arma do coldre, apenas por precaução.
Normalmente, Skeet não demorava a rosnar em alerta, mas o pobre cão apenas ia mancando penosamente pelo caminho estreito.
— Há cavernas no alto, ali adiante — murmurou Arliss. — Talvez tenha sido onde Pryor mandou que colocassem Cale.
— Não sei porque estamos perdendo tempo precioso a procura daquele mestiço imprestável quando a vida de minha filha está em perigo — resmungou Walter. — Se ela não estiver aqui em cima, eu não deixarei que vocês da Pinkerton tenham um segundo sequer de paz.
Julius tinha certeza de que Malloy não iria deixar que ninguém tivesse um segundo de paz. Mas, apesar de seu autoritarismo e intolerância, era evidente que estava desesperado para ter a filha de volta.
— Esperem aqui — murmurou Pierce quando notou uma fenda escura no despenhadeiro de arenito.
Com ambos os revólveres em punho, ele aproximou, se devagar da caverna e, então, desapareceu lá dentro. Julius deixou os ombros caírem em desapontamento quando percebeu que Pierce não fizera um único disparo. Um momento depois, o agente federal deixou a caverna e olhou colina abaixo na direção da casa da fazenda.
— E então? — indagou Walter Malloy impaciente.
Pierce tornou a montar em seu cavalo.
— Pelo jeito das coisas, Cale esteve aqui e se foi.
— E como pode dizer isso? — perguntou Walter e, então, sorriu, sarcástico. — Ele lhe deixou um bilhete, não foi?
Pierce sustentou o olhar do prepotente cavalheiro.
— Não, senhor, mas pode acrescentar mais três baixas na contagem de homens que mediram forças com o agente Elliot... e perderam. São oito até agora.
— Mas eu o vi na rua — admirou-se Arliss. — Os homens de Pryor o surraram quase até a morte e o balearam. Como ele teria conseguido derrotar mais três homens em seu estado?
Julius fez o cavalo dar meia-volta e teve grande satisfação em declarar:
— Não chamamos Cale Elliot de o último homem de pé à toa. — Ele fixou seu olhar soturno em Walter Malloy. — Senhor, no meio de seus discursos acalorados, talvez deva fazer uma prece de agradecimento pelo fato de Cale Elliot estar ao lado de sua filha.
— Bem... — Walter mexeu-se na sela, não se mostrando nem um pouco disposto a ceder um milímetro sequer. Franziu o cenho com ar curioso enquanto olhava para a distância. — Agora, para onde é que aquele vira-lata espancado está indo?
— Meu palpite é a casa — respondeu Pierce num tom grave. — Se é para onde Skeet está indo, então é para onde Cale foi também, o que significa que provavelmente é onde Hanna está sendo mantida.
— Então, o que, afinal, estamos esperando? — indagou Walter com impaciência. — Vocês da Pinkerton, desçam até lá e façam jus ao seu salário. Quero minha filha de volta!
O detetive Sykes virou a cabeça na direção das silhuetas dos guardas que vigiavam a casa.
— Aquele forte é solidamente protegido, sr. Malloy.
— Não me importa quantos homens estejam montando guarda. Tenho de encontrar minha filha! — Walter virou o cavalo e começou a descer a colina.
Pierce lançou um olhar sombrio a Julius, enquanto o grupo seguia na direção da casa da fazenda. Julius tinha a inquietante sensação de que o mundo estava prestes a desabar e lançou-se numa prece incessante para que Hanna não fosse apanhada no meio do caos. Walter Malloy providenciaria para que cabeças rolassem se algum mal acontecesse à filha.

Caçador Do Amor( Concluido)Onde histórias criam vida. Descubra agora